Por que a Páscoa é ruim para os coelhos dos Estados Unidos

Mal-entendidos sobre os coelhos domésticos fizeram deles um dos animais mais abandonados no país norte-americano

Por Natasha Daly
Publicado 29 de mar. de 2018, 12:36 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
foto de homem com coelho
Roger, um coelho resgatado, olha por cima do ombro de seu dono, Kyle Daly.
Foto de Rebecca Hale, National Geographic

É o sábado que precede o final de semana de Páscoa na loja Petland da cidade de Fairfax, no estado da Virginia, Estados Unidos: 16 filhotes de coelhos estão acomodados em três baias abertas, prontos para serem vendidos. Duas garotas se aproximam de uma delas, pegam um coelhinho e o colocam no chão enquanto gritam extasiadas com a fofura do animal: “Eu preciso de um! ”

Os coelhos são bem novos e nenhum animal adulto está sendo vendido aqui hoje.

“O que acontece com os filhotes que crescem antes de serem vendidos?”, pergunto ao vendedor. “O criador os pega de volta”, responde.

“O que ele faz com eles?”

“Não sei.”

Coelhos são o terceiro animal de estimação mais popular nos EUA depois de gatos e cachorros, segundo informa a Sociedade Humanitária dos Estados Unidos — e a terceira espécie mais abandonada também. A maioria dos americanos tem uma noção de quanto tempo vivem cães e gatos, o tipo de cuidado que requerem e como se comportam. Mas, e coelhos? Eu perguntei a vários de meus colegas quanto tempo eles acreditavam que coelhos domésticos viviam. “Um ou dois anos?” “Talvez três?” Na verdade, bem cuidados, coelhos podem viver de 10 a 12 anos. O conhecimento das pessoas sobre eles parece ser escasso em comparação com sua popularidade.

Esta desconexão parece impulsionar as compras de coelhos, diz Anne Martin, diretora executiva da House Rabbit Society, a maior organização de resgate de coelhos nos EUA. Como muitas pessoas acreditam que eles vivem pouco, não requerem muitos cuidados e vivem em cativeiro, eles podem servir como bichos de estimação para “inciantes”, assim como hamsters e peixes dourados, perfeitos para crianças. Essa confusão gera um excesso de vendas de filhotes perto da Páscoa — e um consequente aumento no abandono deles.

Jennifer McGee, co-gerente da divisão de Georgia da House Rabbit Society, abrigo localizado na parte sudeste do estado, diz que eles normalmente recebem uma a duas ligações por semana sobre coelhos abandonados. Mas nas seis semanas depois da Páscoa, o abrigo recebe de três a quatro ligações por dia. As divisões da organização em Idaho e Chicago reportam também um aumento notável no verão do hemisfério norte, quando os “coelhinhos da páscoa” atingem a puberdade e a realidade chega aos donos.

Aqui está a verdade: mesmo que coelhos sejam ótimas companhias, eles não são tão fáceis de se cuidar. Veterinários e companhias de seguro os consideram animais exóticos, portanto cuidados médicos podem ser mais caros que os feitos para cachorros e gatos. Coelhos precisam de muito exercício e não podem ficar em uma gaiola sempre. Isso significa que eles precisam aprender a usar uma caixa de areia (sim, coelhos podem ser treinados a fazer suas necessidades no lugar certo), algo que requer paciência. Eles também são animais feitos de presa enquanto nós somos predadores. Eles geralmente não gostam de ser pegos por humanos — esses preferem estar no controle, com os pés bem firmes no chão.

“É preciso ser paciente para se tornar amigo desses silenciosos e sutis animais”, diz Margo DeMello, presidente da House Rabbit Society.

A complexidade dos coelhos significa que eles geralmente encaram um destino cruel quando adquiridos em um impulso. Quando filhotes podem parecer bonitinhos e fofinhos, mas uma vez maduros, quando possuem entre 3 a 6 meses de idade, eles podem se tornar agressivos e até destrutivos. Exercícios regulares, treinamento adequado e castração acabam com o problema para a maioria dos animais. Mas muitos donos de primeira viagem assumem que comportamentos desagradáveis são sinais de um coelho problemático e se livram dele. Outros podem fazer uma pequena pesquisa e desanimar diante do dinheiro e do tempo requeridos para mudar o comportamento do animal. McGee diz que ela geralmente se depara com o choque frustração de pais: “Como assim preciso gastar 200 dólares para cuidar de coelho que custou 30?”

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    Roger em sua caixinha de viagens. Provavelmente, por volta dos quatro anos de idade, ele foi resgatado de um parque em Washington, D.C, onde foi deixado em uma jaula.
    Foto de Rebecca Hale, National Geographic

    Abandono: um problema para o ano inteiro

    Não é claro quantos coelhos são abandonados nos Estados Unidos — e quantos são provenientes da páscoa. Não existe uma central com todos os dados, diz DeMello. A maioria dos abrigos mantém informações de quantos cães e gatos são encontrados, adotados ou vão para a eutanásia, mas elas geralmente colocam coelhos entre os pássaros, répteis e pequenos mamíferos na categoria “outros”.

    Voluntários de abrigos para coelhos desde a área costeira da Califórnia às zonas rurais da Georgia até subúrbio de Connecticut contam para National Geographic que, apesar dos abandonos serem mais intensos nas semanas e meses após a páscoa, eles são um problema o ano todo.

    De acordo com Martin, quase dois terços dos coelhos resgatados no norte da Califórnia são abandonados por conta própria. Em algumas cidades, como Las Vegas, Spokane, Washington, por exemplo, parques públicos e terrenos baldios tornaram-se pontos de abandono com centenas de coelhos sem-teto. As pessoas os abandonam ao ar livre provavelmente sem saberem que isso é uma sentença de morte. Coelhos domésticos não possuem os instintos de sobrevivência de seus primos selvagens, Martin diz, e não consegue lutar contra infecções, construir abrigos seguros ou se adaptarem ao frio ou ao calor.

    Os abrigos se esforçam para cuidar de todos. A sociedade Georgia House Rabbit recebe mais de 500 pedidos por ano de donos querendo se livrar de seus coelhos, excedendo todos seus recursos. Edie Sayeg, um dos trabalhadores do grupo, acredita que milhares de coelhos são simplesmente soltos no estado da Georgia.

    Conheça a ilha dos coelhos do Japão
    Sem predadores, a população desses coelhos de origem misteriosa aumenta de maneira perigosa.

    Elizabeth Kunzelman, uma porta-voz da Petland — uma grande empresa vendedora de bichos de estimação — diz que os meses de primavera são “uma época perfeita para uma criança começar a cuidar de um bichinho e aprender sobre responsabilidade.” Mas DeMello acredita que essa forma de pensar é problemática. “Honestamente, crianças querem algo bonitinho e atencioso e são facilmente frustradas quando os coelhos não respondem às suas expectativas.” Outras lojas, incluindo Petco e Petsmart, pararam de vender coelhos alguns anos atrás por causa de problemas com abandono. Kunzelman diz que a Petland tem uma política de recolhimento de coelhos e outros animais.

    Mas não são apenas pet shops. Fazendas, clubes 4-H, criadores de quintal e usuários do Facebook e da Craiglist através do país fazem propaganda de filhotes de coelhos perto da temporada de páscoa. Suzanne Holtz, diretora da organização de Illinois Bunnies United Network diz que esses vendedores podem ser mais problemáticos que lojas de animais porque os coelhos geralmente possuem uma “área de resgatados” nessas ocasiões.  Ela conta que seu abrigo recebe ligações de pessoas querendo doar coelhos que elas “salvaram” do Craiglist, site onde vender animais é expressamente proibido.

    É um desafio desencorajar as pessoas de comprar coelhos como presentes de páscoa sem desmotivar possíveis donos responsáveis de possuí-los, diz Martin, porque para aqueles que sabem cuidar deles, os coelhos são animais fantásticos.

    E eu sei disso: sou donos de dois coelhos. Roger, um Blanc de Hotot (uma raça francesa notável pelo “delineador” preto nos olhos) foi encontrado abandonado em uma pequena gaiola em um parque. Resgatado pela organização de Washington D.C. Friends of Rabbits, ele é curioso, corajoso e amável. Penelope, uma Angora Inglesa, foi encontrada na rua quando filhote. Ela foi resgatada pela sociedade Washington Humane e logo criou intimidade com Roger — eles são amigos que cuidam e brincam entre si — e é muito voluntariosa. Eles são pouco treinados, reinam pelo nosso apartamento e trazem a mim e meu marido muita alegria todos os dias.

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