Fungo devorador de pele é o responsável por apocalipse anfíbio

Ele já matou centenas de espécies em todo o mundo e sua disseminação global pode ter tido origem na Guerra da Coreia.

Por Michael Greshko
Publicado 11 de mai. de 2018, 16:27 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Desde os anos 1970, o fungo aquático Batrachochytrium dendrobatidis levou à morte centenas de espécies de ...
Desde os anos 1970, o fungo aquático Batrachochytrium dendrobatidis levou à morte centenas de espécies de anfíbios, como estes sapos-parteiros-comuns (Alytes obstetricans), encontrados nos Pireneus franceses.
Foto de Matthew Fisher

Muitos dos anfíbios do mundo estão enfrentando uma ameaça existencial: um antigo fungo devorador de pele que pode dizimar de uma vez florestas inteiras de sapos.

Esse super-vilão ecológico, o fungo Batrachochytrium dendrobatidis, levou mais de 200 espécies de anfíbios à extinção ou quase extinção, transformando radicalmente ecossistemas em todo o planeta.

“Este é o pior agente patogênico na história do planeta, pelo o que sabemos, em relação aos impactos que causa na biodiversidade” disse Mat Fisher, micólogo do Imperial College London que estuda o fungo.

Agora, uma equipe internacional de 58 pesquisadores descobriu a origem do fungo. Um estudo pioneiro publicado na revista Science nesta quinta-feira (11/05) revela onde e quando o fungo parece ter emergido: na península da Coreia em algum momento dos anos 1950.

A partir dessa informação, cientistas teorizaram que atividades humanas espalharam o fungo por toda parte, resultando na extinção de anfíbios nas Américas, África, Europa e Austrália.

O fungo Bd devastou populações de sapos nos Pirineus franceses, e cerca de 700 espécies podem ser contaminadas por ele.
Foto de Matthew Fisher

“[A dispersão do patógeno] pode ter se originado a partir de qualquer evento único, de diversos eventos somados, ou a partir de algum grande evento antropogênico, como a Guerra da Coreia” disse o pesquisador do Imperial College London Simon O'Hanlon, autor principal do estudo.

Agora que os pesquisadores sabem de onde veio o fungo, eles podem monitorar esse foco de Chytridiomycota em busca de novas espécies mortais. A descoberta também serve para lembrar que, quando deixado sem controle, o mercado global pode acidentalmente incitar catástrofes ecológicas.

Tapetes de sapos mortos

O fungo, abreviado para Bd, é tão mortal devido a sua ação na pele porosa dos anfíbios, que os animais utilizam para respirar e beber água. O Bd quebra as proteínas da pele e se alimenta dos aminoácidos. Ao fazer isso, os animais infectados ficam letárgicos, perdendo sua pele em um espiral da morte que termina em insuficiência cardíaca em questão de semanas. Alguns anfíbios conseguem tolerar ou até resistir ao Bd, mas o fungo pode infectar pelo menos 695 espécies em diversos níveis de gravidade.

“Isso é muito incomum para uma doença, afetar tantas espécies diferentes” disse a bióloga da Universidade de Maryland Karen Lips, especialista em declínio de anfíbios, que não participou do novo estudo.

Presenciadas pessoalmente, infestações de Bd podem parecer pragas bíblicas. Todo mês de agosto, sapos fêmeas dos Pirineus franceses saem de seus lagos de desova pela primeira vez. Os sapos infectados mal chegam às margens. “Eles dão um último salto e então morrem nas suas mãos” disse Fisher, um dos coautores do estudo. “É possível caminhar nos lagos, são tapetes de sapos mortos”.

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    Sapos mortos pela praga são dispostos em fileiras para fins de estudo.
    Foto de Matthew Fisher

    Episódios de extinção similares começaram a aparecer nos anos 1970, mas os pesquisadores não perceberam que esses “declínios misteriosos” eram um fenômeno global até os anos 1990. Em 1997, pesquisadores descreveram pela primeira vez o Bd e, em uma década, eles os ligaram às matanças. Enquanto isso, o massacre do Bd continua. De 2004 a 2008, um local no Panamá perdeu 41% de suas espécies de anfíbios devido ao fungo.

    A maioria das matanças antes misteriosas são agora atribuídas à linhagem chamada de “Global Panzootic Lineage”, uma variedade mortal abreviada para BdGPL. Mas de onde veio esse assassino? E quando e como ele traçou sua rota mortal pelo mundo?

    Biblioteca genética

    Para descobrir isso, pesquisadores passaram uma década construindo uma biblioteca genética mundial do Bd, empreitada que levou os cientistas a seis continentes. A coautora do estudo e National Geographic Young Explorer Jennifer Shelton, por exemplo, passou parte de 2017 explorando as montanhas de Taiwan em busca de salamandras infectadas.

    Quando pesquisadores encontravam um anfíbio doente, eles primeiro cortavam um de seus dedos, uma maneira não letal de coletar uma amostra de tecido. Os cientistas então precisavam isolar o Bd do dedo cortado, cultivá-lo em laboratório e depois sequenciar seu DNA.

    As equipes de O'Hanlon e Fisher sequenciaram 177 genomas do Bd de vários lugares do planeta, combinando-os a 57 outros publicados anteriormente. Os pesquisadores compararam os 234 genomas para mapear a árvore genealógica do fungo, o que revelou quatro linhagens diferentes do Bd.

    Amostras da península da Coreia apresentaram uma maior diversidade genética do que em qualquer outro lugar no mundo onde há o fungo, confirmando palpites anteriores de que a região seria o marco zero do Bd. E ao decifrarem a taxa de mutação do Bd, os cientistas descobriram que o antepassado do BdGPL de hoje surgiu na Ásia no início do século 20. Até sua exportação global nos anos 1950, o fungo coexistia em paz com a fauna local.

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    Pesquisadores teorizaram que a atividade humana espalhou anfíbios infectados por todo o mundo, seja através do transporte marítimo, do comércio de carne e animais ou de grandes eventos, como a Guerra da Coreia. No auge do conflito, milhões de soldados e equipamentos entraram e saíram da região, dando aos anfíbios ampla oportunidade de pegarem uma carona.

    Apesar das leis do comércio internacional, é evidente que o comércio global de animais de estimação continua a disseminar o Bd. Quando equipes investigaram lojas de animais e mercados na Bélgica, no Reino Unido, nos Estados Unidos e no México, elas encontraram sapos infectados portando todas as linhagens de Bd, incluindo a mortal BdGPL.

    Cavaleiros do Apocalipse

    Fungicidas tópicos podem curar anfíbios infectados com Bd, um método que foi testado com sucesso na natureza. Mas, no momento, populações selvagens não podem ser curadas em uma escala global. Por enquanto, pesquisadores dizem que nossa melhor opção é evitar que o fungo se espalhe ainda mais. Mas pará-lo não é tarefa fácil, principalmente quando há outras espécies mortais além do Bd.

    Em 2013, pesquisadores identificaram a B. salamandrivorans, uma espécie irmã do Bd conhecida como Bsal. Há uma razão para o seu nome significar “devoradora de salamandras”. De 2009 a 2012, o fungo dizimou populações de salamandras holandesas em mais de 99%.

    Em 2016, agentes de conservação americanos baniram a importação de 201 espécies de salamandra, explicitamente visando manter o Bsal fora do país. Mas uma decisão judicial de 2017 determinou que, se as salamandras já estivessem dentro dos Estados Unidos antes da proibição entrar em vigor, seu transporte interestadual continuava sendo legal.

    O novo estudo também salienta a ameaça de variedades híbridas de Bd. Anteriormente, pesquisadores sabiam que a variedade de Bd nativa do Brasil podia se hibridizar com a mortal BdGPL. Agora, cientistas comprovaram que a linhagem africana pode fazer o mesmo. Com as combinações e misturas do fungo em escala global, como podemos imaginar os híbridos virulentos que podem surgir?

    “Para mim, isso é uma das coisas mais assustadoras” disse Lips.

    o comércio ilegal de animais de estimação é um dos responsáveis por espalhar este fungo em escala global. Na foto, um Bombina orientalis, importado para a Europa diretamente da África do Sul.
    Foto de Frank Pasmans

    Como salvar os anfíbios

    O BdGPL já está nos Estados Unidos, e o Serviço de Peixes e Vida Selvagem dos Estados Unidos monitora ativamente sua propagação. Mas a agência não está bloqueando a chegada de suas linhagens irmãs. Em março de 2017, ela parou de considerar uma petição de 2009 para banir toda a importação de anfíbios a não ser que estivessem livres do Bd.

    “O fungo Bd já se encontra extensivamente presente no ambiente nos Estados Unidos, por isso, regular a importação de anfíbios não fará muito para proteger os anfíbios nativos... [e] seria pouco eficaz para prevenir que o fungo se espalhasse ainda mais entre os estados” disse em uma declaração Dave Miko, chefe da conservação de peixes e animais aquáticos do Serviço de Peixes e Vida Selvagem dos Estados Unidos.

    “Este novo estudo diz que o Bd não é uma coisa só” rebate Lips, que recomenda uma nova tentativa para banir as importações do Bd. “Enquanto temos uma de suas formas aqui, queremos manter as outras fora porque elas podem ser piores.”

    No mínimo, Lips diz que anfíbios comercializados internacionalmente devem ser testados para Bd, o que não acontece consistentemente hoje. O Departamento de Agricultura dos Estados Unidos não exige exames clínicos em anfíbios importados como animais de estimação.

    Para O'Hanlon e Fisher, a solução mais promissora para o Bd e Bsal é a mais profundamente idealista: uma proibição total do comércio global de anfíbios como animais de estimação.

    “Realmente precisamos explorar nossos ambientes para encontrar organismos e vendê-los em todo o mundo por lucro financeiro, apenas para mantê-los em terrários na nossa sala e dizer “Ei, isso é legal?’” pergunta Fisher. “Parece um passatempo bastante inocente, mas estamos ameaçando ecossistemas inteiros.”

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