Como serpentes marinhas matam a sede estando rodeadas por água salgada

Água por toda parte e nem uma gota sequer para beber. Esse é o fardo eterno das sedentas serpentes marinhas — e, ainda assim, elas encontraram uma maneira de sobreviver.

Por Jake Buehler
Publicado 27 de abr. de 2019, 17:17 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Uma cobra-do-mar-pelágio repousa na superfície da água perto da foz de Golfo Dulce, na Costa Rica.
Uma cobra-do-mar-pelágio repousa na superfície da água perto da foz de Golfo Dulce, na Costa Rica.
Foto de Brooke Bessesen

A maioria das cobras-do-mar-pelágio passa a vida toda no mar. Elas raramente acabam em terra devido a sua vulnerabilidade, já que rastejar é difícil devido à cauda em formato de pá e ventre em formato de quilha. Armadas com um veneno potente, elas se deslocam por um vasto território que compreende grande parte dos oceanos do mundo, deixando-se levar pelas correntezas e caçando peixes perto da superfície do mar.

Como os demais répteis, essas criaturas precisam beber água para sobreviver. Como um animal rodeado por água salgada sacia a sede?

Pensava-se que essas serpentes bebiam água a partir do ambiente salgado. “A teoria clássica anterior era que as serpentes marinhas bebiam água salgada e excretavam o excesso de sais utilizando suas glândulas de sal sublinguais”, explica Harvey Lillywhite, biólogo da Universidade da Flórida.

Cobras-do-mar-pelágio raramente procuram terra firme. Essa mãe foi levada à praia pelo mar e seu filhote nasceu; de algum modo, elas encontram água doce no mar.
Foto de Adrian Hepworth, Alamy

Uma pesquisa recente refutou a teoria — e um novo estudo sugere que cobras-do-mar-pelágio (Hydrophis platurus) reidratam-se no mar bebendo água da chuva coletada na superfície do oceano.

Água, água por todo lado…

Um estudo de Lillywhite e colegas demonstrou que várias espécies de serpentes marinhas não bebem água salgada pura—inclusive quando estão desidratadas. E, embora serpentes marinhas tenham de fato glândulas que secretam sal, elas são proporcionalmente pequenas e secretam o mineral lentamente, impossibilitando o fornecimento de toda água doce necessária aos animais.

Um novo estudo, publicado no periódico PLOS ONE, mostra que serpentes estão encontrando água doce. Em maio de 2017, Lillywhite e colegas estavam na Costa Rica para estudar as serpentes e, durante esse período, a estação seca de seis meses terminou repentinamente com um dilúvio de chuva. Os pesquisadores capturaram 99 cobras-do-mar-pelágio durante a viagem, antes e após a chegada da precipitação.

Eles levaram as serpentes ao laboratório e lhes ofereceram água doce, constatando que 80% daquelas trazidas antes das chuvas beberam a água—porém, com o transcorrer dos cinco dias seguintes de tempo chuvoso, esse percentual reduziu continuamente entre as serpentes recém-capturadas. No fim, uma média de apenas 10% das serpentes trazidas aceitou a oferta de reidratação, uma queda drástica em questão de apenas alguns dias.

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    “Se uma serpente bebe, é porque está com sede”, afirma Lillywhite. “Se está com sede, está desidratada. Se está desidratada quando retirada do oceano—durante a estação seca—significa que não está bebendo água salgada como se acreditava”.

    E nem uma gotinha para beber?

    Como menos serpentes marinhas estavam com sede quando a estação seca passou à estação úmida, as serpentes já deviam ter saciado a sede. Quando vem a chuva, a parte superior da superfície da água é diluída, criando uma “película” temporária de água doce que não se mistura imediatamente com a água salgada. Se a salinidade é reduzida o suficiente, as serpentes marinhas são capazes de beber a água dessa camada de superfície e reidratam-se após meses sem água.

    Os resultados ajudam a confirmar observações feitas anteriormente em laboratório que demonstram que as serpentes marinhas dependem de água doce, apesar de seu habitat de água salgada. Contudo, quando descobriram exatamente como os répteis aproveitam condições meteorológicas temporárias para obter acesso à água vital, os pesquisadores identificaram a origem de sua cobiçada fonte de água doce na natureza.

    “Achei muito interessante esse estudo”, afirma Vinay Udyawer, ecologista marinho do Instituto Australiano de Ciências Marinhas, que não participou do estudo. “Ele fornece uma visão sobre um aspecto raramente observado na biologia das serpentes marinhas.”

    Para Udyawer, os resultados atestam a excepcional importância da água doce às vidas das serpentes marinhas como um grupo, mesmo passando a vida em água salgada.

    Assista: Cobras venenosas dão bote em câmera lenta
    A tecnologia das câmeras de alta velocidade permite aos humanos observarem como esse movimento tão surpreendente ocorre.

    Essa dependência da água doce “limita sua distribuição em geral, com populações de serpentes marinhas normalmente muito desiguais e próximas a grandes fontes de água doce, como fozes de rios, estuários ou fontes”, conta Udyawer.

    Um animal completamente à mercê das correntezas do mar aberto, como a cobra-do-mar-pelágio, afirma Udyawer, deve ter alguma forma de se hidratar longe de quaisquer dessas fontes terrestres de água. As descobertas não apenas revelam como cobras-do-mar-pelágio podem sobreviver a longos períodos no mar, mas também sugerem uma maneira pela qual outros vertebrados marinhos poderiam estar saciando a sede.

    No entanto a dependência de fenômenos meteorológicos transitórios como tempestades no mar poderia se tornar ainda mais arriscada diante das mudanças climáticas globais em curso, que se prevê que causem aridez cada vez mais intensa e duradoura. Os animais poderiam morrer de sede se privados da precipitação necessária, Lillywhite afirma.

    O próximo importante passo seria observar diretamente serpentes marinhas bebendo água doce das películas de água formadas no oceano, afirma Lillywhite—algo que seria, claro, extremamente difícil de conseguir.

    Kanishka Ukuwela, biólogo evolucionário da Universidade Rajarata em Sri Lanka, que também não participou do estudo, afirma que a pesquisa levantou questões ainda mais fascinantes.

    “Se serpentes marinhas dependem tanto de água doce”, indaga Ukuwela, “então elas se aglomeram em películas de água doce após as chuvas? Elas seguem a chuva? E, em caso afirmativo, como isso é possível? Essas perguntas só podem ser respondidas por mais estudos inovadores como esse.”

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