Médico roda o mundo para salvar vidas e chega primeiro a locais com focos de doenças

A cada novo surto causado por um vírus, o epidemiologista Michael Callahan parece sempre estar envolvido. É exatamente essa a meta dele.

Por Brendan Borrell
Publicado 7 de set. de 2020, 08:00 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 01:56 BRT

Michael Callahan, especialista em doenças infecciosas, já atuava no combate à pandemia de covid-19 antes mesmo que a doença virasse manchete no início de janeiro.

Foto de Matt Nager, National Geographic

NO INÍCIO DE JANEIRO, quando surgiam os primeiros relatos enigmáticos do novo surto de coronavírus em Wuhan, na China, um médico norte-americano já estava registrando as informações. Michael Callahan, especialista em doenças infecciosas, trabalhava em novembro com colegas chineses em uma pesquisa colaborativa de longa data sobre a gripe aviária quando lhe chamaram a atenção para o surgimento de um novo e estranho vírus. Logo ele partiu para Singapura para observar os pacientes que manifestavam sintomas do misterioso germe.

Pense nos grandes surtos de doenças que ocorreram em diversas partes do mundo nos últimos 20 anos — SRAG, ebola, zika — e há grande probabilidade de que Callahan, com 57 anos, tenha estado lá (com sua roupa de proteção biológica, é claro). Após um período em um campo de refugiados na República Democrática do Congo durante a década de 1990, ele decidiu atuar como médico de doenças infecciosas na linha de frente. Desde então, trabalhou em clínicas de tratamento de ebola em locais remotos na África, ajudou a requalificar especialistas em armas biológicas da Rússia para se tornarem pesquisadores de doenças infecciosas e liderou programas multimilionários do Departamento de Defesa dos Estados Unidos em busca de maneiras de prever e prevenir o surgimento de novas doenças.

Depois de Singapura, Callahan embarcou em um voo para Washington, D.C., onde informou aos funcionários do governo dos Estados Unidos onde poderia ser o próximo foco da doença. Àquela altura, dois navios de cruzeiro estavam no mar impedidos de desembarcar com casos de coronavírus a bordo. Como Callahan foi um dos poucos médicos norte-americanos a ter algum conhecimento sobre a doença, o Departamento de Serviços Humanos e de Saúde dos Estados Unidos pediu sua ajuda na evacuação dos passageiros norte-americanos do Diamond Princess, na época próximo a Yokohama, no Japão, e do Grand Princess, na costa da Califórnia.

Concluídas essas missões, ele voltou a Boston — onde trabalha no Hospital Geral de Massachusetts — e foi para Nova York para ajudar no lançamento de estudos clínicos e atender pacientes de covid-19 do próprio Hospital Geral de Massachusetts. “É uma corrida contra o tempo entre a morte e a cura”, conta ele. “Ou o vírus vence ou nosso sistema imunológico vence.”

A National Geographic conversou com Callahan durante uma pausa no trabalho em sua casa em Boulder, Colorado, nos EUA.

Como sua experiência como alpinista em Yosemite o preparou para a prática médica de doenças infecciosas?

Trabalhei durante a faculdade (na Universidade de Massachusetts em Amherst) como paramédico e participei de resgates em montanhas, onde aprendi como identificar quando vidas estão em risco durante emergências. Ao longo da faculdade de medicina (na Universidade do Alabama), passei a me interessar por operações de socorro em desastres no exterior. Percebi que os terremotos ou tsunamis não eram responsáveis por todas as mortes, mas sim a malária, a dengue e as doenças transmitidas pela água que surgiam após esses acontecimentos. As doenças infecciosas são como um desastre gradual. Continuam incessantemente.

Você já imaginou que testemunharia uma pandemia como a covid-19 em sua vida?

Durante as atividades de planejamento (no Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos) para surtos de doenças, consideramos os piores cenários, mas acreditávamos que fossem hipotéticos. Também tínhamos certeza de que a próxima pandemia seria de gripe, mesmo depois dos surtos de SARS em 2002 e 2003. Tratava-se de um vírus mortal, mas não tão contagioso. Uma prova de que é preciso humildade nas projeções.

Por que esse novo coronavírus é tão difícil de combater?

Por causa de sua extrema capacidade de contágio. Ele atua como uma bomba teleguiada silenciosa nas comunidades até encontrar e matar os vulneráveis. Costumo de dizer que o novo coronavírus é como um iceberg sem gelo à vista. Fica totalmente submerso. Só estamos visualizando sua superfície agora.

Como essa crise está mudando as regras da medicina?

Os Estados Unidos possuem o sistema médico mais rico e abundante em recursos do planeta, mas essa riqueza não adianta de nada porque os pacientes norte-americanos estão morrendo na mesma proporção que morrem pacientes em nações com menos recursos. Nossa melhor arma é o conhecimento.

Você já contraiu alguma doença infecciosa durante o trabalho de campo?

Considero uma falha profissional se contaminar. É minha obrigação servir de exemplo. Quando levamos ao navio de cruzeiro Diamond Princess no Japão a equipe de resposta a desastres (composta por médicos, enfermeiros, enfermeiros hospitalares e farmacêuticos enviados pelo Departamento de Serviços Humanos e de Saúde dos Estados Unidos), os membros da equipe nunca haviam atuado em um local com foco de doenças. São profissionais acostumados a atuar em meio a terremotos, furacões. Eles estavam aprendendo novas habilidades e recomendamos manter a calma quando os profissionais ficam nervosos ou se sentem inseguros. Se forem contaminados, a culpa é nossa, não deles.

Qual é sua motivação para voltar a focos de doenças?

Os últimos norte-americanos a deixar uma nação hostil são médicos e enfermeiros. Temos uma fragilidade que nos faz ir a esses locais de surtos e arriscar nossa vida, pois nos preocupamos com a desigualdade no acesso ao atendimento de saúde. Durante o curso de medicina, trabalhei voluntariamente no campo de refugiados de Goma, na fronteira do Congo com Ruanda. Já havia voltado para casa quando ocorreu o genocídio, mas fiquei motivado pela tamanha injustiça. Percebi que, ao viajar a esses lugares remotos e ensinar algo a um médico, poderia impactar mil vidas e trazer mudanças duradouras a um vilarejo ou comunidade.

Como acredita que a crise do coronavírus acabará?

A única forma de sair dela é se todos se tornarem imunes por meio da contaminação em si ou de uma vacina. Se tivesse que apostar em algo, uma das vacinas no horizonte imediato nos proporcionará imunidade temporária e, se essa imunidade persistir entre quatro e seis meses, será possível romper o ciclo da pandemia. Então será possível repetir o processo com outra vacina melhor. Nós vamos superar a crise, mas a questão não será resolvida logo nas primeiras vacinas.

Acredita que a vacina recebeu relevância exagerada?

Ao se deparar com uma doença que provoca mortes em massa, há uma lista de prioridades. A principal prioridade é proteger os vulneráveis. Em segundo lugar, é preciso interromper o contágio. Em terceiro lugar, tratar os doentes. E a prioridade número quatro é produzir uma vacina, pois o tempo de produção é maior, assim como o risco. Mas, obviamente, ainda não interrompemos o contágio. E não estamos investindo o suficiente em terapias contra o coronavírus. Desenvolver uma vacina requer entender a resposta do sistema imunológico humano a um vírus inédito. Minha primeira escolha seria pesquisar a reação do vírus a diversas drogas antivirais de ação direta em laboratório.

Como é possível evitar uma nova pandemia como essa?

Surtos de doenças infecciosas estão ficando cada vez maiores, mais rápidos e mais frequentes. A cada surto de ebola na África as pessoas correm às capitais, onde há voos diretos à Europa, Índia e China, o que implica um potencial de contágio imediato em todo o mundo, de modo que precisamos deixar de lado a política e trabalhar juntos no combate a essas doenças.

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