Alguns rios estão tão poluídos por drogas que enguias sentem efeitos da cocaína

Você sabia que resíduos de entorpecentes ilegais na água podem afetar peixes nativos?

Por Joshua Rapp Learn
Publicado 21 de jun. de 2018, 11:50 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Enguias europeias estão criticamente ameaçadas na natureza, e a poluição da água, incluindo drogas ilegais, é ...
Enguias europeias estão criticamente ameaçadas na natureza, e a poluição da água, incluindo drogas ilegais, é parte do problema.
Foto de Wil Meinderts, Buiten Beeld, Minden Pictures, National Geographic Creative

ENGUIAS CRITICAMENTE AMEAÇADAS agitadas com a ingestão de cocaína podem não conseguir concluir a jornada de quase seis mil quilômetros que fazem para acasalar e se reproduzir, alerta novo estudo.

E, embora sociedades há muito lutem por maneiras de combater o uso de drogas ilícitas, menos compreendidos são os efeitos secundários que estas drogas podem causar em outras espécies após entrarem no ambiente aquático pela água residual.

Assim, em nome da ciência, cientistas submergiram enguias europeias em cocaína durante 50 dias seguidos, visando monitorar os efeitos da experiência em peixes.

Enguias europeias têm padrões de vida complexos, passando 15 a 20 anos em água doce ou salobra nos canais da Europa, para depois cruzarem o Oceano Atlântico para desova no Mar dos Sargaços, situado ao leste do Caribe e da costa leste americana. Embora as enguias também sejam cultivadas como alimento, suas populações selvagens são consideradas criticamente ameaçadas pela União Internacional para a Conservação da Natureza, devido a barragens e outras mudanças nos cursos d’água que bloqueiem sua migração, a pesca excessiva e diversos tipos de poluição hídrica.

As enguias são vulneráveis a resquícios de cocaína, principalmente quando jovens, dizem os pesquisadores de estudo publicado na revista Science of the Total Environment.

“Os dados mostram uma grande presença de drogas ilícitas e seus metabólitos em águas de superfície em todo o mundo”, diz Anna Capaldo, bióloga pesquisadora da Universidade de Nápoles Federico II e principal autora do estudo. Ela adiciona que a água próxima a cidades densamente habitadas é ainda pior, com pesquisas que mostram concentrações especialmente altas no Rio Tâmisa, ao lado das Casas do Parlamento em Londres, e no Rio Amo, na Itália, próximo a Pisa e sua famosa torre inclinada.

Administrando um exame de drogas

Capaldo e seus colegas colocaram as enguias em água com baixíssima concentração de cocaína, a mesma concentração encontrada em alguns rios. Eles determinaram que as enguias aparentavam estavam hiperativas, mas ainda apresentavam o mesmo estado geral de saúde que as demais enguias em água sem drogas. Mas seus corpos contavam outra história.

Eles descobriram que a droga se acumula no cérebro, músculos, brânquias, pele e outros tecidos da enguia. O músculo do peixe também apresentou inchaço e até colapsos, e os hormônios que regulam sua fisiologia mudaram. Estes problemas permaneceram mesmo após um período de reabilitação de dez dias em que os pesquisadores removeram as enguias da água com cocaína.

“Todas as funções essenciais destes animais podem ser alteradas”, diz Capaldo.

Especialmente preocupante é o fato de a cocaína aumentar os níveis de cortisol, um hormônio esteroide que induz ao consumo de gordura. O problema é que a enguia europeia precisa armazenar gordura antes de sua migração para o Mar dos Sargaços para a procriação, e altos níveis de cortisol podem atrasar a jornada.

Ela também observa que os níveis mais altos de dopamina apresentados pelas enguias expostas à cocaína também poderiam impedir que elas alcancem a maturidade sexual. “É possível que, nestas condições, a reprodução das enguias possa ser prejudicada”.

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    Além disso, o inchaço ou colapso dos músculos pode prejudicar sua habilidade de até mesmo chegar ao Mar dos Sargaços.

    Emma Rosi, cientista sênior do Instituto Cary de Estudos do Ecossistema, que não participou do estudo, diz que Capaldo e seus colegas utilizaram concentrações de cocaína ecologicamente relevantes em sua pesquisa.

    Ela diz que, em casos envolvendo drogas, pode ser preciso uma concentração muito mais alta para matar os organismos, mas mesmo concentrações menores ainda podem causar efeitos, principalmente no que diz respeito a coisas como interações entre predador e presa.

    Rosi estudou os efeitos de antidepressivos, incluindo Prozac e anfetaminas, em ecossistemas aquáticos, e determinou que eles mudam as comunidades bacterianas e de algas, podendo afetar o ritmo de crescimento e ciclos de vida dos insetos.

    De acordo com Capaldo, drogas ilícitas como a cocaína são apenas parte do problema. Estas águas também contêm resíduos de outras drogas ilícitas, metais pesados, antibióticos e pesticidas. “Não conhecemos as possíveis consequências desta combinação de substâncias, mas elas certamente podem influenciar na sobrevivência e/ou condição de saúde das enguias”, observa, acrescentado que outras espécies além das enguias podem sofrer mudanças corporais similares quando expostas à cocaína.

    Tratamento para a droga

    Capaldo diz que o problema poderia ser resolvido através de um tratamento de águas residuais mais eficiente, ou se as pessoas evitassem drogas ilícitas.

    Daniel Snow, diretor do Laboratório de Ciências Aquáticas da Universidade de Nebraska e que não participou deste estudo, não acredita que o problema será solucionado com a interrupção do uso de drogas ilícitas.

    “Se essa fosse a solução, as leis realmente impediriam o uso. Não há evidências que mostrem que as leis realmente controlam o uso”, ele diz.

    Snow, que já estudou os efeitos das drogas e de outros poluentes na vida aquática, espera que pesquisas como a de Capaldo chamem a atenção suficiente e que as pessoas comecem a pensar mais sobre as consequências das coisas. Mas, de acordo com ele, é mais provável que a solução venha da engenharia.

    “É possível tratar praticamente tudo a qualquer grau de pureza, tudo depende de quanto dinheiro se quer investir no processo de tratamento”.

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