Ilha do Caribe está a caminho de se tornar o primeiro país do mundo ‘à prova de furacões’

Quando o Furacão Maria destruiu Dominica em 2017, a devastação estimulou a ambiciosa meta de adaptar-se totalmente às mudanças climáticas.

Por Sarah Gibbens
Publicado 7 de dez. de 2019, 09:00 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Pouco mais de um ano após o Furacão Maria, Roseau ainda estava sendo reconstruída. Hoje, grande parte da capital já foi reerguida.
Foto de NAPA, Alamy Stock Photo

TUDO COMEÇOU NA noite de 18 de setembro, dois anos atrás. Os ventos ficaram mais fortes; as ondas começaram a quebrar nas praias com intensidade; o céu escureceu.

Sem o conhecimento dos dominiquenses, o Furacão Maria lentamente reunia a força necessária para destruir mais de 90% das estruturas da ilha, arruinar a economia e forçar um pequeno país, que pouco fez para causar as mudanças climáticas, a enfrentar suas consequências.

Mesmo assim, apesar dos sinais agourentos que recaíam sobre Dominica, muitos moradores dizem que não estavam mais preocupados do que o normal. Afinal, a pequena ilha do Caribe já estava habituada a furacões. Localizada na parte leste do Caribe, Dominica fica a apenas 804 quilômetros a nordeste de Caracas, na Venezuela, e entre uma série de ilhas que se estendem desde o Mar do Caribe até o oceano Atlântico. E embora a temporada de furacões de 2019 que está prestes a terminar tenha poupado a nação, pode ser que o país não tenha tanta sorte no ano que vem ou nos próximos anos.

No decorrer de uma única noite, Dominica foi destruída. Mas o pequeno país estabeleceu uma nova meta após a devastação: tornar-se a primeira nação do mundo resiliente ao clima, capaz de prosperar apesar de uma nova era de tempestades agravadas pelas mudanças climáticas.

A tempestade se aproxima

À medida que Maria se aproximava da costa, os moradores da ilha rapidamente perceberam que a tempestade seria muito pior do que haviam previsto.

“Ficamos grudados no rádio para entender o que estava acontecendo”, diz Ann Aeevieal, cozinheira local do Hotel Tamarind Tree. “Disseram que era de Categoria 2 e depois, de Categoria 3”.

Enquanto continuarmos a liberar gases de efeito estufa na atmosfera, aquecendo o planeta, a previsão é que furacões como o Maria aumentem em número e intensidade. Estudos revelaram que o oceano Atlântico está ficando mais quente, e isso faz com que as tempestades se tornem mais comuns, intensas e de maior duração.

A água quente do oceano funciona como combustível para o furacão, alimentando-o como um motor. Quanto mais quente a água, maior a rotação do motor, ficando mais rápido, maior e capaz de descarregar mais água. Conforme o Maria se aproximava do Mar do Caribe, tornou-se explosivo, em um processo que os meteorologistas descrevem como “intensificação rápida”.

“Quando se vive na rota de um furacão, você fica insensível”, conta Stephanie Astaphan, funcionária do hotel Secret Bay da ilha. E então Anderson Cooper disse: “‘A ilha de Dominica está prestes a receber um de Categoria 5’ e eu já passei por essa experiência extracorpórea.”

Então a tempestade chegou. A padeira local, Sheila Jelviel, vive em Scott’s Head, bairro da região sudeste mais atingido pelo furacão. Logo após o anoitecer, em 18 de setembro, o mar adentrou sua casa. Um pequeno barco chocou-se contra sua porta da frente. “Tivemos que sair pela janela dos fundos para escapar”, relembra.

Oito meses após o Maria atingir Dominica, uma casa está sendo construída no território Kalinago, onde vivem os últimos povos indígenas do Caribe. Após o Maria, foram reconstruídas 500 casas e mil deverão ser construídas.
Foto de Alejandro Cegarra, Bloomberg/Getty Images

O impulso até a resiliência

Embora o furacão Maria tenha sido a pior tempestade a atingir Dominica até hoje, a economia do país teve sua estrutura abalada várias vezes na última década, recebendo grandes furacões e tempestades tropicais em 2015, 2013 e 2010.

Estima-se que o Furacão Erika tenha acabado com 90% do PIB de Dominica em 2015. Para fins de comparação, a Organização Mundial do Comércio estima que o Furacão Maria tenha custado à Dominica pouco mais de dois anos de rendimento econômico. Especialistas financeiros estimam que levará aproximadamente mais três anos até que Dominica volte ao seu estado pré-furacão.

Cinco dias após a tempestade, Roosevelt Skerrit, primeiro-ministro de Dominica, se dirigiu à Assembleia Geral das Nações Unidas.

“Venho a vocês diretamente da linha de frente da guerra contra as mudanças climáticas”, disse Skerrit em seu discurso. “No passado, nos preparávamos para uma tempestade impetuosa por ano. Agora, milhares de tempestades formam uma corrente no meio do Atlântico, que se alinham para nos atingir com o máximo de força e fúria.”

O fervoroso discurso de Skerrit foi um apelo para obter financiamento a fim de tornar Dominica a primeira nação do mundo com total resiliência climática. O necessário não é substituir o que foi perdido, mas sim se preparar para um futuro em que as mudanças climáticas praticamente garantirão novas tempestades da escala do Maria. Dominica está se empenhando para construir não apenas prédios à prova de furacões, mas também uma economia diversa, que inclua um setor de turismo atraente para consumidores de alto nível e um sistema agrícola que cultive uma variedade de frutas e vegetais para consumo local, em vez de exportar basicamente bananas.

A ilha também precisa parecer intocada. Embora a economia de Dominica tenha se desenvolvido com as vendas de produtos agrícolas e madeira, a ilha em si é o produto comercializado para o mundo. Em uma área pouco maior do que Austin, no Texas, Dominica possui 365 rios, o suficiente para nadar em um rio diferente a cada dia durante um ano, como os moradores gostam de ressaltar. Há vulcões ativos, exuberantes florestas tropicais, impressionantes recifes de corais e praias de areia preta. Em sites de viagem, é divulgada como a Ilha da Natureza, um destino para aventureiros atléticos ou praticantes de yoga em busca de um refúgio.

“Os desafios não estão relacionados apenas à infraestrutura. Resiliência, em nosso ponto de vista, tem a ver em primeiro lugar com nossa vulnerabilidade”, diz Pepe Bardouille, CEO da Agência de Execução de Resiliência Climática de Dominica (CREAD), ligada ao governo.

Em meio a novas políticas e regulamentações, Bardouille diz que há uma nova consciência coletiva que agora se prepara para futuros furacões como o Maria.

“Todos os cidadãos devem saber o que precisam fazer para se protegerem”, diz. “Tomar decisões sobre o que estão construindo, se vão contratar um seguro, essas são decisões individuais — não são aspectos ao alcance do governo.”

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    Dez dias após o Furacão Maria atingir Dominica, as fotos aéreas mostravam tamanha devastação que o local era frequentemente descrito como uma "zona de guerra".
    Foto de Jose Jimenez Tirado, Getty Images

    Dominica forte

    A CREAD foi fundada no início de 2018 para garantir que todos os setores reconstruídos após o Maria tivessem a resiliência climática em mente. Regulamentos padronizados na construção civil, produtos agrícolas variados, novas usinas geotérmicas, melhores unidades de assistência médica, infraestrutura de transporte terrestre e marítimo confiável — o trabalho da CREAD é descobrir como deixar tudo à prova de furacões e da melhor forma possível.

    “Como manter uma sociedade e a economia em um país pequeno, com base fiscal limitada e inúmeros desafios climáticos, além de um orçamento muito apertado. Esses são os desafios”, diz Bardouille.

    Um componente do plano de Dominica de se tornar resiliente ao clima envolve proibir o plástico. O motivo dessa proibição resume-se à infraestrutura. O sistema de coleta de lixo de Dominica, a cargo da Corporação de Gestão de Lixo de Dominica, criada pelo governo e operada de forma privada, coleta o lixo que vai para um único aterro sanitário já no limite de sua capacidade. Mas e se em vez disso os moradores pudessem, individualmente, fazer a compostagem de itens de uso único nas condições quentes e úmidas do Caribe? Será que isso reduziria, ou até mesmo evitaria por completo, a necessidade de máquinas de reciclagem que podem não resistir à próxima versão do Furacão Maria?

    Em resorts e parques nacionais, Dominica está à altura do título de Ilha da Natureza. É difícil encontrar lixo de qualquer tipo. Mas aventure-se nas cidades da ilha, dirija por suas longas estradas ou espie dentro de uma valeta de esgoto, o lixo plástico está em todo lugar.

    Menos lixo visível faria Dominica parecer mais limpa, e uma ilha intocada do Caribe é um lugar que turistas querem visitar e gastar dinheiro.

    “Seria muito simplista dizer que se resume apenas a reconstruir”, diz Bardouille.

    “Acredito que o trauma e estresse pós-traumático, bem como o impacto que causaram em nossa sociedade são subestimados. Agora, temos que olhar para a força econômica de nossa nação”, diz.

    Em 2018, Dominica aprovou a Lei da Resiliência Climática, que entrou totalmente em vigor no primeiro dia de 2019. E em um discurso sobre orçamento realizado em junho passado, o primeiro-ministro destacou o progresso que o país havia feito. A economia cresceu 9%. O turismo está cada vez maior. Todas as escolas estão abertas. Um novo hospital de última geração começou a receber pacientes em agosto. Foram construídas 500 novas casas e mais de mil estão sendo construídas no momento.

    O governo espera que a produção de bananas volte aos níveis pré-Maria e, para garantir a segurança alimentar, distribuiu sementes aos fazendeiros para o cultivo de outras lavouras básicas, como inhame, batata e maracujá, que são vendidos localmente.

    Dez dias após o furacão, fotos aéreas mostram onde a tempestade arrancou folhas das árvores na exuberante floresta tropical de Dominica. Grande parte da floresta cresceu novamente, embora alguns galhos continuem nus até hoje.
    Foto de Jose Jimenez Tirado, Getty Images

    Progresso e estagnação

    É o fim de semana de Páscoa em Scott’s Head, e o céu está limpo. O oceano alcança a praia com regularidade contemplativa; não há vento. É difícil imaginar o caos que assolou esse bairro e destruiu a ilha, que foi repetidamente descrita como uma zona de guerra.

    Jelviel me mostra sua casa, atingida por um barco durante o furacão e que agora, em grande parte, está reconstruída. O governo prestou auxílio com duas janelas e uma porta, mas a senhora de 64 anos de idade dá o maior crédito aos seus vizinhos por terem ajudado a restaurar sua casa. A comunidade de Scott’s Head é bem unida, ela conta, e cuidaram uns dos outros após a tempestade.

    Apenas duas quadras ao sul, Hidjes Adams, diretor de relações públicas em uma cooperativa de pesca local, apoia-se contra uma estação de bombeamento para barcos de pesca, segurando as lágrimas enquanto relembra dos dias seguintes ao Maria.

    “Foi um monstro”, diz ele sobre o furacão. “Os danos ainda estão presentes. Vi fome, pessoas agarrando coisas e brigando por comida e água. Enquanto conversamos, ainda há pessoas sem telhados.”

    É assim que, às vezes, cidadãos e governos entram em conflito. Reconstruir é caro, e reconstruir uma casa ou empresa capaz de suportar um furacão de Categoria 5 é mais caro ainda. Muitos hotéis e resorts de luxo se beneficiaram do Programa Cidadania por Investimento do país, que dá um segundo passaporte a estrangeiros que investem de forma significativa nos negócios locais.

    Outros, que vivem em comunidades pequenas, de baixa renda, como Scott’s Head, se sentem deixados para trás. Jelviel diz que com alguma ajuda, poderia comprar um forno maior e assar mais pães todas as manhãs. Ela conta que assim ganharia mais dinheiro e poderia reforçar a estrutura de sua casa.

    “Não conseguimos reconstruir, mas há muito potencial”, diz ela sobre seu bairro.

    O que une o país, no entanto, é um senso de patriotismo originado pelo trauma compartilhado. O mantra “Dominica forte” está bordado em camisetas e pintado em prédios.

    É como todos os cidadãos parecem descrever seu país — forte diante de um desastre.

    “As pessoas estão levando as coisas mais a sério. Estão se fortalecendo”, diz Aeevieal do Hotel Tamarind Tree. “Acho que é um bom retorno. Fizemos um bom trabalho.”

    Renascimento

    A natureza também está curando suas próprias feridas.

    Quando o Furacão Maria assolou Dominica em 2017, os ventos eram tão intensos que as folhas foram arrancadas das árvores.

    Isso preocupou Bertrand Jno Baptiste, ou Dr. Birdy, o principal especialista em pássaros da ilha. As florestas ainda seriam acolhedoras para o papagaio-imperial, chamado localmente de sisserou, um grande pássaro multicolorido com penas de um vívido verde-limão? O pássaro nacional do país está ameaçado e é encontrado apenas na ilha. Baptiste passou horas procurando por eles, ouvindo seus chamados altos e tentando avistar seus graciosos voos.

    “Não achei que fossem voltar. Foi muito ruim”, diz. Mas depois de 13 horas de observação, apareceu um e depois outros, e agora os pássaros são frequentemente avistados voando sobre o dossel da floresta tropical.

    As árvores nas bordas da floresta tropical ainda exibem as cicatrizes do Maria. Galhos sem folhas encaram o oceano, ainda lutando para fazer crescer novamente o que lhes foi arrancado em um instante.

    “Todos acreditam que isso vai acontecer novamente”, diz Baptiste.

    Assim como seu famoso papagaio e suas florestas tropicais, Dominica está voltando à vida, embora com cicatrizes para lembrar os dominiquenses de que furacões de tal magnitude sempre serão parte de sua realidade. Se tornar realmente à prova de furacões é funcionar como o ecossistema tropical do país, que é capaz de se recuperar — e até mesmo prosperar — após um desastre.

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