Banido do Everest, este alpinista cego não perde a determinação

O segundo alpinista cego a chegar ao cume do Monte Everest não quer ser o último.

Por Saransh Sehgal
Publicado 15 de jan. de 2018, 19:09 BRST, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Andy-Holzer-alpinista-cego-monte-everest
O alpinista cego Andy Holzer desce do cume do Monte Everest.
Foto de Klemens Bichler

A recente decisão do governo do Nepal de proibir alpinistas desacompanhados, cegos e pessoas com dupla amputação de subir o Monte Everest – que segundo os representantes pode reduzir as mortes na montanha – levou a fortes críticas dos membros da comunidade de alpinismo. Eles alegam que a regra não está fundamentada em preocupações legítimas com a segurança.

As novas orientações foram implementadas no final de dezembro de 2017, depois que muitos alpinistas solo e deficientes já haviam anunciado ascensões em 2018. Hari Budha Magar, ex-membro da Brigada Britânica de Gurkhas, que perdeu suas pernas em conflito, planejava se tornar o primeiro amputado acima do joelho a escalar o Monte Everest. Ele está organizando uma expedição com outros veteranos de guerra e disse que a proibição é discriminatória.

A notícia da proibição também irritou o alpinista cego austríaco Andy Holzer, que se tornou o segundo homem cego a chegar ao cume do Monte Everest e o primeiro a enfrentar a rota North Col, em 21 de maio de 2017. Cego desde o nascimento, Holzer atingiu o cume de todas as Sete Montanhas e tinha planos de retornar ao Everest em 2019.

Em entrevista em sua casa nas Dolomitas Austríacas, Andy compartilha sua visão sobre as novas regras e o efeito que elas terão sobre os alpinistas deficientes.

Saransh Sehgal: O que você acha da proibição recente do governo do Nepal imposta aos alpinistas deficientes e solo de escalar o Monte Everest?

Andy Holzer: Estatisticamente, poucos alpinistas deficientes morreram escalando o Everest, e apenas dois dos 15 alpinistas deficientes que chegaram ao cume são cegos. Não posso aceitar o que o governo do Nepal está fazendo porque ainda tenho uma autorização de cinco anos que termina em 2019. Há dois dias, perguntei à minha agência em Katmandu se eu poderia me preparar [para uma viagem], pois minha licença ainda é válida e eu gostaria de escalar em 2019.

Penso que os alpinistas deficientes e solo ainda poderão escalar no lado do Tibete (cerca de dois terços das 7.646 chegadas bem sucedidas ao cume do Everest, desde 1953, foram pelo lado sul, no Nepal). Duvido que eles imponham os mesmos regulamentos.

Neve e gelo se prendem na barba de Andy Holzer enquanto ele escala o Monte Vinson, na Antártida.
Foto de Andreas Scharnagl

Você acha que as restrições recentes do Nepal são justas, pois o governo diz que elas foram criadas para reduzir acidentes no Everest?

Eu acho que o governo nepalês não está realmente interessado em salvar alpinistas ocidentais ou pensar em segurança. Penso que, no caso dos alpinistas, o governo acha que eles trazem menos dinheiro, e têm pequenas mochilas e não precisam de apoio dos sherpas. Essa é a questão. Se eles estivessem agindo com seriedade, eles analisariam os acidentes dos últimos 25 anos. E quando você analisa os dados, você consegue entender rapidamente que isso não tem nada a ver com alpinistas solo ou com deficientes.

Muitos acidentes vêm de grandes agências que levam muitas pessoas sem sequer perguntar se alguma vez viram um crampon. Eles simplesmente levam todos juntos. Esse é um grande problema. As mortes de 1996 são um exemplo disto, [que muitos acreditam terem sido provocadas pela] competição entre os [líderes da expedição] Rob Hall e Scott Fischer.

Penso que, nos últimos dez anos, muito trabalho foi feito. Duas cordas fixas, uma corda fixa de subida e outra de descida, foram criadas. E quando você vê as estatísticas de acidentes nos últimos dez anos, acho que elas caíram muito. Essa é a maneira de minimizar os acidentes, não dizer que os alpinistas e deficientes são a causa. Isso está completamente errado.

Como isso afeta você ou novos alpinistas com deficiência que desejam escalar o Monte Everest?

Penso que existam dois aspectos para essa questão. Primeiro, é claro, é o problema atual das novas regras que estão sendo impostas aos alpinistas pelo governo do Nepal, mas o outro problema, que eu acredito ser muito maior, é a geleira do Khumbu.

Com o governo, pode-se tentar negociar de alguma forma, mas com a geleira do Khumbu, não importa o quanto se tente, não há chance [de negociação]. E essa é a razão pela qual eu mudei minha rota após a minha primeira tentativa em 2014. Naquela época, não houve discussão sobre cegos ou não cegos. Eles até disseram que eu poderia voltar no próximo ano e não haveria problema. Mas eu disse aos meus amigos que nunca iria passar por Khumbu novamente por causa do que aconteceu lá com as avalanches. Pelo que ouvi e li, sinto que é como uma roleta russa.

Esse desafio muito maior do que o governo. Eu mudei para o lado norte porque [o sucesso] depende muito mais de sua própria aptidão física. O lado norte é muito mais difícil. É mais íngreme, com descidas rápidas e muitas chances de queda.

O lado nepalês é muito mais fácil, de verdade. É a geleira do Khumbu que continua a ser um grande desafio, e isso se torna o fator decisivo para [muitas] pessoas com deficiência. Mark Inglis, o primeiro amputado a chegar ao cume do Monte Everest, também escalou no lado norte. Eu conversei sobre esse problema com ele, e ele disse que preferia assumir o próprio risco em vez de deixar o risco para a roleta russa [a geleira].

Andy Holzer and his team celebrate after reaching the summit of Antarctica's Mount Vinson.
Foto de Andreas Scharnagl

Você é o segundo homem cego, depois de Erik Weihenmayer, a escalar a montanha e o primeiro a chegar ao cume pelo lado norte. Se a regra permanecer, você poderia ser o último homem cego a escalar o Monte Everest. Como você se sente nessa situação?

Eu nunca pensei nisso, mas agora as pessoas estão me parando e fazendo essa pergunta. Eles dizem: "Você é sortudo. Você foi a primeira pessoa cega no lado norte e a segunda pessoa cega no Everest. E agora [o governo do Nepal] pode ajudá-lo, porque eles [fizeram esta regra]. Agora você será a única pessoa, além de Erik. "

E eu ri. É uma ideia engraçada. Obrigado, governo do Nepal. Mas essa não é minha intenção. Para mim, penso de maneira oposta. Tenho amigos que têm apenas um braço ou outros problemas. Meu verdadeiro desejo é trazê-los para o topo do Everest para compartilhar o que Erik e eu compartilhamos. Outros deveriam conseguir também.

Saransh Sehgal é jornalista baseado em Viena, Áustria. Siga Saransh no Instagram.

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