Roedor subterrâneo troca o dia pela noite e intriga pesquisadores brasileiros

Isso ocorre quando o tuco-tuco entra no laboratório. Cientistas acreditam que o fenômeno pode ser causado por uma combinação entre mudança de temperatura e oferta de comida.

Por Júlio Viana, Gabriel de Sá
fotos de Patricia Tachinardi
Publicado 25 de abr. de 2018, 11:02 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
roedor tuco tuco dia alimento
Em condições normais, é mais confortável para o tuco-tuco sair de dia para buscar alimento, já que o calor do Sol aquece o animal.
Cortesía de Patricia Tachinardi

Os pesquisadores do Laboratório de Cronobiologia do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP) ficaram intrigados ao notarem algo estranho em um de seus principais objetos de estudo. Os roedores subterrâneos conhecidos pelo nome de tuco-tucos trocavam o dia pela noite a partir do momento em que passavam a viver dentro do ambiente laboratorial.


A condição já havia sido observada em outros animais — um deles, um parente próximo do tuco-tuco, um roedor chileno chamado de coruro —, mas pouco se sabia do porquê dessa plasticidade comportamental.
 
No entanto, após estudos que envolveram a biologia e a física, o grupo binacional coordenado pela professora de cronobiologia Gisele Oda em parceria com a bióloga argentina Verónica Valentinuzzi, do Centro Regional de Pesquisas Científicas e Transferência Tecnológica (Crilar), parece estar perto de encontrar uma resposta para o fenômeno. A hipótese é de que os animais apresentem esta plasticidade de hábitos de acordo com a oferta de comida e a amplitude térmica disponível no local.
 
A equipe notou a mudança nos roedores quando resolveu estudar em ambiente natural seus ritmos circadianos — ou seja, os ciclos internos que regulam as atividades metabólicas do animal e ajustados pelos ciclos de claro/escuro. A área de especialidade do grupo é a cronobiologia, campo que procura entender os relógios biológicos dos seres vivos.
 
“A maioria dos estudos é feita com os animais dentro do laboratório. Mas sabemos que as situações simuladas pelos cientistas não são as encontradas na natureza, então queríamos verificar como funcionam de verdade os ciclos internos dos tuco-tucos em condições reais de luz, calor e alimento”, detalha Oda.

Vantagem energética

A bióloga Patricia Tachinardi, integrante da equipe da professora, publicou um artigo sobre o assunto na revista científica norte-americana Physiological and Biochemical Zoology em 2016. Baseando-se em estudos feitos com outros animais que apresentaram o mesmo padrão de comportamento, a pesquisadora concluiu que a mudança é vantajosa para eles do ponto de vista energético.
 
A resposta pode estar no fato de que, nas regiões desérticas da América do Sul onde os espécimes foram coletados, a temperatura cai drasticamente à noite. Portanto, para buscar alimento, é mais confortável sair de dia, quando o calor do Sol aquece o animal. Em laboratório, onde as temperaturas permanecem amenas 24 horas por dia e a oferta de comida é constante, os roedores tornavam-se noturnos naturalmente.
 
“Algo curioso, por exemplo, é o fato de que, em ambientes mais desérticos, diversos roedores tendem a serem diurnos”, explica Oda.

Desafios

Apesar dos resultados, analisar os animais foi desafiador. Mesmo após quase uma década de pesquisa, o que eles fazem exatamente embaixo da terra ainda é um mistério. É difícil saber quando seus horários de atividade mais intensa começam e terminam, principalmente em ambiente selvagem.
 
“Utilizamos sensores de luz e também simuladores com base nos dados que colhemos”, observa Oda. As análises foram úteis principalmente para a equipe descobrir como animais subterrâneos conseguiam ajustar seus ciclos circadianos para as 24h da superfície, já que é necessário entrar em contato com luz solar para realizar o processo.
 
“Entendemos que os tuco-tucos saem regularmente durante um intervalo do dia para buscar alimento e remover terra dos túneis. É isso que dá a informação necessária para o organismo acertar seu relógio biológico”.
 
Agora, a equipe procura entender como o animal consegue ajustar não só seu ciclo diário, mas anual também. “O ciclo das estações do ano é baseado no tempo de duração da luz solar, que muda ao longo do ano, então queremos entender como, saindo aleatoriamente durante um intervalo do dia, o tuco-tuco tem essa percepção”, comenta Oda.

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