Como os pica-paus podem sobreviver na cidade grande?
Pesquisa revela que, se protegida certa quantidade de árvores mortas, o maior pica-pau da América do Norte é capaz de se desenvolver em áreas urbanas.
Mesmo os pica-paus não sendo conhecidos por seus cantos melodiosos, a batida que produzem ao bicarem as árvores é um dos sons mais reconhecíveis da natureza. Entretanto, o tum-tum-tum desses pássaros está cada vez mais raro na América do Norte.
Os dois maiores pica-paus do continente, o de bico-de-marfim e o imperial, provavelmente foram extintos no século 20, embora ainda exista a esperança de que um pequeno número de indivíduos possa sobreviver. O terceiro maior é o pica-pau de crista, o Dryocopus pileatus.
Embora essas aves de crista vermelha sejam consideradas pela União Internacional para a Conservação da Natureza como uma espécie de “menor preocupação”, alguns pesquisadores se perguntam como o desenvolvimento urbano afeta a sobrevida delas em longo prazo. Isso porque elas dependem exclusivamente de florestas intocadas - ou assim se pensava.
“Em geral, os pica-paus são muito sensíveis às transformações que ocorrem no ambiente terrestre”, diz Jorge Tomasevic, biólogo e coordenador de pesquisa do Centro de Humedales Río Cruces, no Chile. Os pica-paus de crista dependem de árvores mortas para escavar seus ninhos. Contudo, contar com árvores mortas em áreas desenvolvidas pode ser um desafio, diz Tomasevic, porque elas são uma questão de responsabilidade civil.
“Você não quer construir uma casa perto de uma árvore que pode cair em você ou danificar a sua propriedade”, explica ele.
Enquanto aluno da University of Washington, Tomasevic estudou o nível de urbanização que os pica-paus de crista podiam suportar. Entre 2009 e 2012, ele e sua equipe capturaram dezesseis pica-paus adultos em nove locais ao redor de Seattle, com níveis diferentes de cobertura florestal e desenvolvimento urbano, e equiparam essas aves com pequenos rastreadores via rádio.
Ele descobriu que os pica-paus de crista podem de fato se desenvolver nos subúrbios, desde que a cobertura florestal fique acima de vinte por cento e que existam algumas árvores mortas de grande porte para serem utilizadas como ninhos. Eles estavam extremamente felizes escavando seus ninhos em quintais do subúrbio, desde que a árvore ou o galho estivesse morto.
O problema em fazer buracos em árvores vivas é que essas árvores promovem a cicatrização do tronco, ao passo que uma cavidade aberta em uma árvore morta não será modificada, explica Tomasevic. E, embora faça sentido remover árvores e galhos mortos que possam colocar a vida de pessoas em risco ou danificar propriedades, alguns locais conseguem manter árvores mortas que representam pouca ou nenhuma ameaça, como parques, passagens e, às vezes, até mesmo grandes quintais. E o planejamento de novos empreendimentos deve prever a preservação de pelo menos vinte por cento da área arborizada original, diz ele.
A manutenção do habitat dos pica-paus promove a sobrevivência de diversos outros animais.
“A presença dessas aves e a capacidade que elas têm de perfurar árvores ajuda a preservar o comportamento de nidificação de muitas outras espécies”, diz Matthew Fuxjager, biólogo da Wake Forest University que não participou do estudo, publicado na revista científica The Condor. Pequenas corujas, andorinhões, andorinhas, carriças e até mesmo alguns patos dependem dos buracos abertos pelos pica-paus para construirem ninhos ou se empoleirar. Alguns mamíferos, como os esquilos, também os utilizam.
A preservação efetiva da biodiversidade não pode mais depender apenas de áreas protegidas devido ao aumento constante das populações humanas e redução dos habitats. Um planejamento urbano cuidadoso pode promover os interesses da vida silvestre e ainda manter as pessoas seguras. Além disso, grandes áreas verdes nos subúrbios podem receber o manejo correto para permitirem a presença dos pica-paus, diz Tomasevic. Esse manejo inclui o plantio de árvores comuns como o bordo, o amieiro e o pinheiro de Douglas.
“Tudo o que precisamos fazer é não mexer em [algumas] árvores mortas”, complementa ele.