Caça ilegal está fazendo com que elefantes evoluam de modo a perderem suas presas

Em Moçambique, pesquisadores tentam entender a genética dos elefantes que nascem sem presas – e as consequências dessa característica para a espécie.

Por Dina Fine Maron
Publicado 13 de nov. de 2018, 21:20 BRST, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Elefantes com raro traço genético que faz com que nasçam sem presas tiveram maior chance de ...
Elefantes com raro traço genético que faz com que nasçam sem presas tiveram maior chance de sobreviver à longa guerra civil pelo qual Moçambique passou, parte financiada pelo comércio de marfim. Cerca de um terço das filhas dos elefantes sobreviventes não têm presas.
Foto de Elephant Voices

Os elefantes mais velhos que vivem no Parque Nacional de Gorongosa, em Moçambique, carregam as marcas indeléveis da guerra civil que dominou o país por 15 anos: muitos estão sem as presas. Eles são os sobreviventes de um conflito que matou cerca de 90% desses animais. O marfim dos animais, proveniente das presas, financiava armas e a carne alimentava os soldados.

A caça promoveu uma vantagem genética nos elefantes de Gorongosa que nasciam sem as presas. Números recentes revelam que cerca de um terço das fêmeas jovens – a geração nascida após o fim da guerra em 1992 – nunca desenvolveu presas. Normalmente, a falta de presas ocorre em apenas 2 a 4% de fêmeas de elefantes africanos.

Décadas atrás, havia 4 mil elefantes vivendo em Gorongosa, diz Joyce Poole, especialista em comportamento de elefantes e exploradora da National Geographic, que estuda os moradores do Parque. Mas esses números diminuíram para três dígitos após a guerra civil. Sua nova pesquisa, ainda não publicada, revela que das 200 fêmeas adultas conhecidas, 51% das que sobreviveram à guerra – animais de 25 anos ou mais – não possuem presas. E 32% das fêmeas nascidas desde a guerra também não as possuem.

As presas de um macho são maiores e mais pesadas do que as de uma fêmea da mesma idade, diz Poole, que também atua como diretora científica da organização ElephantVoices. “A pressão da caça ilegal fez com que os caçadores passassem a também se interessar pelas fêmeas mais velhas,” ela explica. “Com o tempo, e com a população envelhecendo, passa-se a ter essa enorme proporção de fêmeas sem presas.”

Essa tendência não está limitada a Moçambique. Outros países com histórico de caça de marfim também viram mudanças parecidas nas fêmeas sobreviventes e suas filhas. Na África do Sul, o efeito foi extremo – quase 98% das 174 fêmeas do Parque Nacional de Elefantes Addo não possuíam presas no início dos anos 2000.

Essa matriarca sem presas caminha com sua manada pela paisagem de Gorongosa.
Foto de Jen Guyton

O predomínio do traço em Addo é notável e ressalta o fato de que a caça pode fazer muito mais do que apenas diminuir a população de animais,” diz Ryan Long, ecólogo comportamental da Universidade de Idaho e explorador da National Geographic. “As consequências dessa mudança dramática nas populações de elefante estão sendo exploradas apenas agora.”

Josephine Smit, que estuda comportamento de elefantes como pesquisadora no Southern Tanzania Elephant Program, diz que, entre as fêmeas que ela acompanha no Parque Nacional de Ruaha, uma área que sofreu com a caça nos anos 1970 e 1980, 21% das fêmeas com mais de 5 anos não possuem presas. Como em Gorongosa, os números são mais altos entre a população mais velha. Cerca de 35% das fêmeas com mais de 25 anos, ela diz. E entre a idade de 5 a 25 anos, 13% das fêmeas não as possuem. (Smit, candidata ao doutorado pela Universidade de Stirling, na Escócia, diz que os dados ainda não foram publicados, embora ela tenha apresentado a descoberta em uma conferência científica dezembro passado.)

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    A caça também fez com que as presas diminuíssem de tamanho, em áreas onde a atividade é intensa, como o sul do Quênia. Um estudo de 2015 conduzido pela Universidade de Duke e o Kenya Wildlife Service comparou as presas de elefantes capturados entre 2005 e 2013, com aqueles abatidos entre 1966 e 1968 (antes da intensa caça que ocorreu nos anos 1970 e 1980), e encontraram diferenças significantes. Os sobreviventes dessa época tinham presas menores – 5 vezes menor nos machos e mais de um terço menor nas fêmeas.

    O padrão se repetia nos seus filhotes. Em média, elefantes machos nascidos após 1995 tinham as presas 21% menores do que os elefantes nascidos nos anos 60, e 27% menores do que as fêmeas desse período. De acordo com os autores do estudo, “embora a evidência do papel da genética no tamanho das presas seja indireta,” estudos com ratos, babuínos e humanos também concluíram que o tamanho do dente incisivo – o equivalente às presas nos elefantes – é hereditário e tem “influência genética considerável”.

    Uma fêmea adulta sem presas no Parque Nacional Gorongosa recebeu um colar de GPS para que pesquisadores possam rastrear sua movimentação e entender melhor seu comportamento.
    Foto de Jen Guyton

    AS CONSEQUÊNCIAS

    Apesar da influência humana nas últimas décadas, elefantes sem presas parecem saudáveis, de acordo com Poole. Cientistas dizem que a proporção significativa de elefantes com essa má-formação pode estar alterando o comportamento dessas comunidades, e eles querem descobrir, por exemplo, se esses animais possuem uma maior área de vida, pois eles precisariam cobrir um terreno maior para encontrar alimentos.

    As presas são dentes que cresceram demais, porém, são usadas em atividades do dia-a-dia: para procurar água ou minerais no solo, descascar árvores para obter alimentos ricos em fibra, e na competição pelas fêmeas entre os machos.

    As atividades que os elefantes fazem com suas presas é vital para outros animais também. Os elefantes “tem um papel importante em derrubar árvores e cavar acessos para a água, e várias espécies inferiores dependem deles,” diz Long. As presas também ajudam a criar habitats. Alguns lagartos, por exemplo, preferem construir suas tocas em árvores descascadas ou derrubadas por elefantes.

    Se os elefantes estão alterando onde vivem, a velocidade com que se movem, ou para onde vão; isso pode trazer grandes consequências para os ecossistemas ao redor. “Qualquer uma dessas alterações de comportamento pode resultar em mudanças na distribuição geográfica dos elefantes, o que pode trazer grandes consequências para o resto do ecossistema,” diz Long.

    Agora, Long e uma equipe de ecólogos e geneticistas estão estudando como os elefantes sem presas vivem. Em junho, a equipe começou a rastrear seis fêmeas adultas em Gorongosa – metade com presas, metade sem – de três diferentes manadas. Eles instalaram colares de GPS, coletaram amostras de sangue e excrementos, e planejam monitorá-los por alguns anos – ou até que a bateria dos colares acabe, coletando periodicamente amostras de fezes para análise da dieta dos elefantes.

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    O objetivo é obter mais informações sobre como esses animais se movem, se alimentam e como é seu genoma. Long espera conseguir detalhar como os elefantes sem presas alteram seu comportamento para conseguir nutrientes. Rob Pringle, da Universidade de Princeton, pretende analisar as amostras de fezes para descobrir mais sobre a dieta, parasitas e flora intestinal de cada elefante. Outro membro da equipe, Shane Campbell-Staton, biólogo evolutivo da Universidade da Califórnia- Los Angeles, estudará as amostras de sangue, procurando respostas para como a genética influencia o fenômeno da falta de presas.

    Como exatamente esse traço é herdado ainda é “confuso”, diz Campbell-Staton. A falta de presas parece ocorrer desproporcionalmente entre as fêmeas. Faz sentido, já que os machos sem presas não seriam capazes de competir para acasalar, ele diz. Mas se esse traço fosse ligado ao cromossomo X – o cromossomo que determina o sexo e carrega os genes de várias heranças genéticas – nós pensaríamos que já que os machos sempre recebem o cromossomo X de suas mães, teríamos uma grande população de machos sem presas. “Mas não é isso que vemos. Machos sem presas são extremamente raros nos elefantes africanos,” ele diz.

    Joyce Poole concorda. Ela diz que em toda sua carreira só viu três ou quatro machos sem presas – nenhum deles em Gorongosa.

    SUPERAÇÃO

    Embora as características nutricionais e comportamentais dos elefantes sem presas não foram ainda formalmente comparadas com os que possuem presas, Smit acha que os elefantes sem presas aparentemente encontraram formas de contornar a situação.

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    “Já vi elefantes sem presas comendo cascas, e eles usam a tromba para descascar ou até mesmo os dentes.” Eles também podem estar dependendo da ajuda de outros elefantes, ela diz. Talvez eles estejam focando em outros tipos de árvores, que sejam mais fáceis de descascar ou que já tenham sido descascadas por outros elefantes – dando-lhes uma árvore já “preparada”.

    Os bloqueios recentes ao comércio de marfim na China e nos Estados Unidos podem ajudar a reduzir a demanda pelas presas, mas quanto tempo exatamente levaria para uma população se recuperar – em números e em presas – varia. Entre os elefantes asiáticos, por exemplo, um longo histórico de caça de marfim, assim como a remoção das presas para trabalho animal, também levou a um alto número de animais sem presa.

    “Olhando para os elefantes da Ásia, as fêmeas não possuem presas, e dependendo da população em cada país, a maioria dos machos também não possui,” Poole explica. Não se sabe ainda exatamente o porquê dos elefantes africanos e asiáticos terem números tão diferentes de indivíduos sem presas.

    Poole e outros notam que em áreas na Ásia onde a caça do marfim era muito intensa, os números de animais sem presas são altos, assim como na África, o que leva a crer que os humanos estão alterando profundamente o maior mamífero terrestre do planeta.

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