Elefantes de zoológicos de beira de estrada sofreram por anos antes de morrer

Defensores de animais afirmam que leis fracas e fiscalização insuficiente são responsáveis pela continuidade da precariedade dos zoológicos de beira de estrada nos Estados Unidos.

Por Rachel Fobar
Publicado 17 de jul. de 2021, 08:00 BRT
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Minnie é a última elefanta remanescente no Zoológico Commerford, instalação itinerante de animais. As duas outras elefantas do zoológico, Beulah e Karen, morreram em 2019 após terem passado anos doentes.

Foto de Gigi Glendinning

Karen e Beulah, duas elefantas do Zoológico Commerford, instalação itinerante de animais com sede em Connecticut, sofreram por diversos anos antes de morrerem em 2019, de acordo com registros obtidos recentemente com o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (“USDA”, na sigla em inglês), o órgão responsável por aplicar a Lei de Bem-Estar Animal. Os registros da fiscalização mostram que as duas elefantas ainda eram transportadas em caravana e forçadas a fazer passeios com crianças até mesmo quando estavam doentes. Defensores dos animais afirmam que os relatórios revelam problemas fundamentais com a regulamentação dessas atividades comerciais nos Estados Unidos.

Fundado por Bob Commerford na década de 1970, o zoológico de Connecticut percorre todo o nordeste dos Estados Unidos com elefantes e outros animais exóticos, incluindo camelos, lêmures, um canguru e uma zebra.

Aproximadamente 70 elefantes são mantidos em cerca de três mil zoológicos de beira de estrada nos Estados Unidos, segundo Ben Williamson, diretor de programas da unidade norte-americana da organização sem fins lucrativos World Animal Protection. Essas instalações são licenciadas pelo USDA para manter animais em exposição, mas nenhuma é credenciada pela Associação de Zoológicos e Aquários dos Estados Unidos, que requer padrões mais elevados de bem-estar e cuidado humanizado para animais de 241 instituições em todo o país. “O tratamento inadequado de elefantes em geral (mantidos em cativeiro) é bastante comum”, revela Williamson.

Animais em caravanas para apresentações, como os elefantes de Commerford, possuem determinadas proteções da Lei de Bem-Estar Animal. A lei prevê “atendimento veterinário adequado” e transporte humanitário, mas não especifica que animais doentes não possam ser transportados ou utilizados em eventos.

Karen, elefanta-africana de 38 anos vendida ao zoológico em 1984, morreu de doença renal em março de 2019, segundo registros do USDA. Os problemas renais do animal haviam sido documentados em 2017. Beulah, elefanta-asiática com mais de 50 anos de idade utilizada em passeios, fotos e apresentações no zoológico desde 1973, desmaiou e morreu em decorrência de septicemia causada por uma infecção uterina durante uma feira no estado de Massachusetts em setembro de 2019. Ela apresentou infecções uterinas e suspeitas de tumores por 10 anos antes de sua morte, de acordo com os registros.

Uma denúncia anônima registrada no USDA revela que, no dia em que morreu, Beulah desmaiou três vezes e foi obrigada a se levantar todas as vezes. O zoológico informou que ela sofreu dois desmaios e ninguém a forçou a se levantar, de acordo com os registros. Pouco antes de morrer, um frequentador da feira fotografou Beulah deitada em uma área gramada do estacionamento. O zoológico declarou que esse era um comportamento comum de Beulah.

O Zoológico Commerford se recusou a comentar. Em entrevista em 2017, Tim Commerford, coproprietário do zoológico, declarou a um jornalista local: “cresci com elefantes durante toda a minha vida. São nossa família. Ativistas de direitos dos animais podem dizer o que quiserem, mas os elefantes fazem parte da nossa família”. Ele contou que os elefantes estavam com “saúde perfeita” e eram examinados regularmente por veterinários.

É “chocante” que Karen e Beulah tenham sido forçadas a trabalhar enquanto estavam doentes, embora o USDA e o Zoológico Commerford estivessem cientes de suas enfermidades, comenta Courtney Fern, diretora de relações governamentais e campanhas da Nonhuman Rights Project (NhRP), organização de direitos dos animais com sede na Flórida que obteve os registros do USDA em junho. Desde 2017, a NhRP vinha defendendo na justiça, sem ter êxito, que o zoológico libertasse Beulah, Karen, e a terceira elefanta, Minnie, de 49 anos, ainda viva, e as enviasse a um santuário.

Em uma das últimas apresentações de Karen, conta Fern, a elefanta balançava a cabeça e se agitava — um sinal de desconforto — enquanto crianças montavam em suas costas. “Nada foi feito para evitar que as elefantas fossem levadas a feiras e forçadas a participar de atividades que certamente causaram sofrimento”, lamenta ela.

A supervisão de zoológicos de beira de estrada é insuficiente, afirma Christopher Berry, advogado-gerente do Animal Legal Defense Fund, grupo de defesa animal. O USDA é “omisso em termos de regulamentação dessas instalações”, reitera.

O USDA tem autoridade para emitir intimações, mas também para suspender ou revogar a licença de exposição de animais de um zoológico. O órgão emitiu mais de 50 intimações ao Zoológico Commerford por violações da Lei de Bem-Estar Animal relativas a seus animais, incluindo pela ausência de cuidadores durante interações de elefantes com o público, por atendimento veterinário inadequado, feno sujo acumulado, drenagem precária no recinto de elefantes e fezes atrás do celeiro desses animais, de acordo com a NhRP e o grupo de direitos dos animais Peta. De acordo com Andre Bell, porta-voz do USDA, o órgão fez 25 fiscalizações não anunciadas desde 2014. “Os fiscais acompanharam o estado de saúde de Beulah e Karen para garantir o recebimento de atendimento veterinário adequado”, escreveu ele por e-mail.

Em 2019, Richard Blumenthal, senador democrata de Connecticut, escreveu uma carta a Sonny Perdue, então secretário do USDA, exigindo uma explicação de por que Beulah e Karen morreram, se suas mortes poderiam ter sido evitadas e por que o Zoológico Commerford continuou sendo aprovado nas fiscalizações do USDA após “as mortes prematuras” das elefantas.

“Os licenciados são obrigados a cumprir a Lei de Bem-Estar Animal e fornecer atendimento veterinário adequado a seus animais”, respondeu Perdue em janeiro de 2020. “O Zoológico Commerford forneceu documentação de que Karen e Beulah estavam sob cuidados veterinários no momento de suas mortes e que os atendimentos prestados foram apropriados.”

Berry, do Animal Legal Defense Fund, afirma que órgãos públicos municipais e estaduais por vezes são mais eficazes na proteção de elefantes do que a Lei de Bem-Estar Animal, pois as leis estaduais de combate à crueldade geralmente são mais rigorosas. Em 2017, por exemplo, fiscais de controle de animais no Condado de Lawrence, Alabama, encontraram uma elefanta chamada Nosey acorrentada, em pé em suas próprias fezes, sem água e alimento adequado durante uma apresentação. O Great American Family Circus, com sede em Orlando, era licenciado pelo USDA há vários anos, apesar do fato de Nosey fazer apresentações enquanto padecia de uma doença de pele, que a tornava propensa a infecções dolorosas, além do histórico de exposição à tuberculose. Após a intervenção das autoridades locais, o USDA acabou revogando a licença do proprietário do circo, e Nosey posteriormente foi transferida a um santuário de elefantes no Tennessee.

Punições irrisórias

Embora a Lei de Bem-Estar Animal exija atendimento veterinário adequado, a redação de suas diretrizes é vaga e os fiscais do USDA costumam ser submissos aos veterinários e proprietários das instalações, conta Berry. Quando uma instalação infringe a lei, “são raras as consequências financeiras”, explica ele. Após diversas violações documentadas, o USDA pode emitir uma advertência ou impor uma multa irrisória, geralmente entre US$ 2 mil e US$ 15 mil.

“Normalmente, o USDA só impõe multas mínimas após anos de violações flagrantes da Lei do Bem-Estar Animal”, prossegue ele. Um zoológico pode considerar que, de uma perspectiva financeira, vale a pena esperar até que uma multa seja imposta e pagá-la, “em vez de pagar de fato por atendimento veterinário ou pela modernização de suas instalações ou outras medidas necessárias para os cuidados adequados do animal”.

“As leis somente servem quando são aplicadas”, afirma Williamson. Um zoológico com diversas intimações do USDA deveria ter a expectativa de que sua licença seria revogada, mas o departamento raramente aplica essa medida, conta ele.

“Não deveria ser necessária uma série de documentários da Netflix para revogar as licenças daqueles que maltratam animais”, lamenta ele, referindo-se a Jeff Lowe e Tim Stark, astros de Tiger King, ambos os quais perderam suas licenças somente depois que o documentário destacou as preocupações com o bem-estar animal e defensores de animais pressionaram por medidas.

Willamson é favorável à Lei de Melhoria da Aplicação do Bem-Estar Animal, apresentada recentemente no Congresso, que exigiria fiscalizações não anunciadas antes da renovação das licenças e evitaria a renovação se uma instalação tiver mais de um caso documentado de não conformidade.

Os critérios de revogação de licenças de expositores de animais adotados pelo USDA são “parte do processo deliberativo” e, assim, são confidenciais, informou por escrito Bell, porta-voz do departamento. “Em geral, o departamento analisa a gravidade de quaisquer violações ocorridas, o histórico de conformidade de uma instalação, o porte do estabelecimento comercial e iniciativas de boa-fé de cumprimento da instalação.” Bell não quis comentar se o departamento cogita revogar a licença do Zoológico Commerford.

A última elefanta do zoológico

Minnie, a última elefante sobrevivente do Zoológico Commerford, está “definhando” sozinha desde 2019, e sua última aparição pública ocorreu em julho do mesmo ano, afirma Fern, da NhRP. Com base nas filmagens feitas por drone da NhRP em dois celeiros de elefantes e no recinto externo da sede do zoológico em Connecticut, Fern afirma acreditar que Minnie passa a maior parte do tempo em ambiente fechado, em uma baia de concreto. Em declarações anteriores, o zoológico descreveu um “pátio de pouco menos de 2,5 hectares” como o local onde Minnie poderia passar sua aposentadoria.

Não está claro por que ela não aparece mais nas apresentações, mas Fern alega que pode ser devido à reação pública contrária ao uso de elefantes em apresentações, sobretudo após as mortes de Beulah e Karen. Minnie também tem histórico de ferir seus cuidadores; ela atacou funcionários do zoológico em ao menos quatro ocasiões diferentes, segundo relatos na imprensa registrados pelo Peta, grupo de direitos dos animais.

Também não se sabe ao certo qual é o estado de saúde de Minnie. Na metade do passado, a família dos antigos proprietários de Minnie, Earl e Elizabeth Hammond, lançou uma campanha no site GoFundMe em busca de US$ 2,4 milhões em nome do Zoológico Commerford para arrecadar fundos para alimentação e cuidados gerais da elefanta. “A covid-19 empobreceu a propriedade que a mantém”, informa a página, e Minnie “foi diretamente afetada”. Até o momento, a campanha arrecadou apenas cerca de US$ 2,3 mil.

O USDA não tem autoridade para apreender Minnie simplesmente porque o zoológico está em dificuldades financeiras, informou Bell. “A autoridade de confisco prevista na Lei de Bem-Estar Animal é limitada a animais que estão em estado de sofrimento constante. Neste momento, Minnie não está em estado de sofrimento”, escreveu ele.

Fern discorda. “Quanto mais informações são obtidas sobre a situação, mais evidente fica a urgência de transferi-la a um santuário”, afirma ela. A NhRP se ofereceu para providenciar e pagar pela transferência de Minnie a um santuário, mas, segundo Fern, suas ofertas foram ignoradas.

“Minnie merece a liberdade, durante toda a vida foi explorada para obtenção de lucro”, prossegue Fern. “Se realmente se importam com ela como afirmam, deveriam mandá-la a um santuário onde possa viver o mais livremente possível com outros elefantes pelo tempo que lhe resta.”

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