Fósseis de fungos mais antigos do mundo reescrevem história dos primórdios da Terra
Centenas de milhões de anos mais antigos do que se acreditava, fósseis de fungos lançam novo olhar sobre a evolução de seres vivos na superfície do planeta.
É enorme a importância dos fungos, mas sabemos muito pouco sobre eles. Os cientistas descreveram pouco mais de 100 mil espécies diferentes de fungos, mas estimam que possam existir até 3,8 milhões de espécies.
Os fungos realizam muitas tarefas que passam despercebidas e não recebem o devido crédito. Eles degradam quantidades incontáveis de detritos e matéria morta, além de reciclar nutrientes por todo o ambiente, imprescindíveis ao funcionamento do planeta. Os fungos ainda possibilitam a vida das plantas: redes amplas de fungos se estendem pelo solo, transferindo sinais químicos, alimento e água. Sem mencionar seus papéis mais divertidos, como a fermentação, que cria o álcool, o pão fermentado e muito mais.
Contudo, grande parte da história remota dos fungos permanece um mistério. Embora tenham se afastado dos animais na evolução há mais de um bilhão de anos, tornando-os mais próximos de nós do que as plantas, há uma grande lacuna nos registros fósseis: por centenas de milhões de anos, simplesmente desapareceram no tempo.
Dois artigos recentes, entretanto, esclareceram o que faziam os fungos 400 milhões de anos atrás, a época que rendeu os fósseis de fungos mais antigos aceitos pela comunidade científica. Em maio de 2019, uma equipe de pesquisadores publicou um estudo na revista científica Nature, sugerindo que um fóssil de um bilhão de anos do Ártico canadense fosse de um fungo microscópico.
Agora, outro grupo demonstrou, por meio de uma série de testes químicos mais rigorosos, que um fóssil com pelo menos 715 milhões de anos é de fato uma ramificação dos fungos filamentosos, em artigo publicado na revista científica Science Advances.
Neste último artigo, Steeve Bonneville e colaboradores examinaram um fóssil em um pedaço de xisto originário da República Democrática do Congo datado entre 715 e 810 milhões de anos atrás.
Bonneville, pesquisador da Universidade Livre de Bruxelas, na Bélgica, afirma que estuda essa rocha há mais de uma década. “Isso mudará o que sabemos sobre eles”, afirma Bonneville, em referência à evolução da superfície terrestre e ao surgimento das plantas e dos fungos. “É fascinante pensar que, mesmo nessa época, os fungos já existiam”
Quando os pesquisadores disseram pela primeira vez a Bonneville que se tratavam de fungos, ele se lembra de ter dito: “é impossível — é muito antigo”.
Mas anos de estudos demonstraram o contrário. Bonneville utilizou três técnicas para mostrar que os filamentos, que se espalham como um tecido por toda extensão, contêm um material chamado quitina em seu exterior, um sinal inequívoco de um fungo. Poucos organismos formam quitina, que é um polissacarídeo. E aqueles que formam não desenvolvem esse tipo de filamento, conta Bonneville.
Uma técnica de detecção emprega um corante fluorescente para formar uma ligação com a quitina. As outras duas técnicas fizeram uso de um síncrotron, um acelerador de partículas que bombardeia materiais com átomos em movimentos rápidos para identificar a composição química da amostra. Todos esses métodos forneceram evidências nítidas de quitina nas redes filamentosas dos fósseis, afirma Bonneville.
“Os autores utilizaram uma combinação impressionante de técnicas químicas que chegaram ao mesmo resultado, tornando-o, com isso, bastante convincente”, afirma Christine Strullu-Derrien, pesquisadora do Museu de História Natural de Londres, que não participou do estudo.
Na época em que essa trama de fungos viveu, na era neoproterozóica, a superfície terrestre estava relativamente vazia, provavelmente continha apenas bactérias — talvez cobrindo o solo com biofilmes. A flora terrestre surgiu apenas cerca de 300 milhões de anos depois. No supercontinente Rodínia, é provável que esse antigo tapete de fungos vivesse em sedimentos e se alimentasse de matéria orgânica em decomposição, talvez de cianobactérias e algas verdes, afirma Bonneville.
Provavelmente viviam à beira de lagos ou talvez apenas submersos na água, acrescenta ele, e mineralizaram-se após serem recobertos por outras camadas de sedimentos.
É possível que, mesmo nesses primórdios, o comportamento dos fungos fosse simbiótico com as bactérias fotossintéticas, afirma Bonneville — embora Strullu-Derrien esclareça que esses não foram os mesmos tipos de fungos que atualmente interagem em simbiose com a vegetação terrestre no solo.
“Se você juntar fungos e algas verdes em um líquido, após algumas semanas, eles estabelecem uma espécie de relacionamento de cooperação”, conta Bonneville.
Uma origem ainda mais remota da simbiose entre fungos e plantas poderia nos ensinar muito sobre a evolução de ambos os grupos, bem como o líquen, um organismo composto rígido formado por uma associação entre fungos e plantas, capaz de sobreviver aos ambientes mais inóspitos da Terra.
Os fungos primitivos também teriam contribuído para o desenvolvimento das primeiras plantas terrestres. Sem os fungos para decompor os detritos e liberar nutrientes, seria difícil para organismos fotossintéticos extrair elementos do solo, afirma Bonneville.
Ele afirma que devido à capacidade única de extrair nutrientes de minerais e, ao mesmo tempo, a sua simbiose com as primeiras plantas, os fungos foram a chave para uma importante transição evolutiva: a disseminação das plantas pela Terra.
Mas é cedo demais para afirmar mais sobre as implicações do estudo porque são muito recentes — e polêmicas. Não é qualquer teste que consegue provar conclusivamente que um material tão antigo é feito de quitina, afirma Strullu-Derrien — no artigo da Nature, foi utilizada apenas uma técnica — e são necessários mais estudos para entender o que acontecia na época, acrescenta ela.