Por que o traseiro inflável e venenoso desta rã está olhando para você?
A região posterior deste anfíbio sul-americano, encontrado também no Brasil, é uma arma sagaz contra seus predadores.
Algumas pessoas estão sempre tentando fazer com que suas partes traseiras pareçam ou menores ou maiores. Mas nada o que façamos, nada mesmo, pode deixá-las tão incríveis quanto as da rã-quatro-olhos, ou Physalaemus nattereri.
Esta característica fascinante da rã, no entanto, tem o propósito de repelir a atenção, e não atrair.
Nós investigamos por que um anfíbio tão incrivelmente estranho é deixado em paz, tanto por pessoas quanto predadores.
O olhar estufado
Há aproximadamente 123 espécies de sapos conhecidas em todo o mundo com coloração de alerta na parte de trás ou de baixo de seus corpos, chamada também de coloração aposemática, diz João Tonini, pós-doutorando na Universidade de Harvard e colaborador do Projeto Bromeligenous, que estuda a relação entre sapos brasileiros e bromélias.
Em algumas espécies, como aquelas da família venenosa de sapos Dendrobatidae, as vibrantes cores de alerta servem de aviso para os predadores: “Sou perigoso, não mexa comigo”, explica Arturo Muñoz Saravia, estudante de doutorado da Universidade de Ghent, na Bélgica, e coordenador da Iniciativa de Anfíbios da Bolívia.
Em outras, animais inofensivos buscam enganar seus predadores para fazê-los acreditar que são perigosos.
Seja qual for a intenção, uma maneira eficaz de parecer mais intimidador é exibir grandes manchas no formato de olhos. Esta é a tática utilizada pela rã-quatro-olhos, nativa da Bolívia, Brasil, Argentina e Paraguai, e o sapo-quatro-olhos do Chile (Pleurodema thaul), pertencente à mesma família, diz Tonini. (Veja a perereca brasileira que tem manchas parecidas com as da onça-pintada.)
Suas manchas em formato de olhos ajudam a tirar a atenção de suas cabeças enquanto inflam seus corpos, mandando aos predadores a mensagem: “Sou um animal maior do que você pensa, por isso, não me coma!”, observa Muñoz Saravia.
Quando totalmente inflada, a pequena rã pode parecer uma cobra para os predadores, que incluem pássaros, cobras, quatis e os morcegos Trachops cirrhosus.
Caso o predador decida atacar assim mesmo, estas rãs contam com um plano B: veneno. Acontece que elas não estão apenas blefando com seus avisos.
“Abaixo das manchas em formato de olhos, há grandes macroglândulas tóxicas”, diz Tonini. Elas podem deixar marcas de secreções leitosas em sua pele escura abaixo dos ‘olhos’. Há toxina suficiente em uma rã para matar 150 camundongos.
Mas estas rãs são letais apenas para predadores menores, e não para os humanos. Ainda assim, não será uma experiência agradável se você resolver pegar em uma delas e depois esfregar os olhos, diz Muñoz Saravia. A real vantagem da toxina é que permite à rã escapar ainda com vida.
Seu gosto sórdido faz com que os predadores deixem o anfíbio em paz e, caso ingiram toxina suficiente, ficarão desnorteados e nauseados, dando tempo para a rã escapar, completa Muñoz Saravia.
Com um pouco de sorte
O tamanho reduzido da rã-quatro-olhos também é útil em sua fuga, diz Muñoz Saravia, e pode ajudar a evitar que se machuquem de uma outra maneira.
Em tempos em que muitas espécies de sapos e rãs estão ameaçadas, estes anfíbios estilosos apresentam uma boa população, apesar de uma pequena queda em seus números, de acordo com a União Internacional para a Conservação da Natureza. (Relacionado: Marco zero de ‘apocalipse’ anfíbio finalmente encontrado.)
A rã-quatro-olhos se reproduz com rapidez (você pode ouvir seus chamados de acasalamento aqui), e seu pequeno porte faz com que sejam difíceis de serem encontradas. Saravia acredita que o fato de não serem comercializadas como animais de estimação também ajuda seus números.
“Elas são pequenas e marrons”, ele comenta, “não sendo tão interessantes para donos de animais de estimação quanto seus primos coloridos”.
Às vezes, é vantajoso manter seus talentos escondidos até a hora certa. E se exibir um traseiro inflável, venenoso e com ‘olhos’ não for um talento, não sabemos o que pode ser.