Pesca pode estar tornando os peixes menos sociáveis e mais agressivos

A retirada dos animais de seu habitat natural pode trazer efeitos imprevisíveis ligados à personalidade de grupos de peixes.

Por Douglas Main
Publicado 27 de jul. de 2018, 16:43 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
O bluegill, popular pelo seu gosto e por ser fácil de pegar, é mais propenso a ...
O bluegill, popular pelo seu gosto e por ser fácil de pegar, é mais propenso a morder a isca se for mais sociável.
Foto de George Grall, National Geographic Creative

Peixes bonzinhos podem não durar muito, já que são os mais prováveis de serem pegos, revela novo estudo.

O bluegill, peixe comum no centro-oeste e no sul dos Estados Unidos, não é tão difícil de pegar e ainda por cima é gostoso. Mas nem todos são assim: um estudo publicado recentemente na Animal Behaviour descobriu que os peixes que pegam a isca normalmente são os mais sociáveis, e menos agressivos do que aqueles que não pegam.

O bluegill é um peixe de cardume e por isso está sempre em grupos. Os mais sociáveis têm um papel importante em ajudar o grupo a encontrar comida, escolher um habitat e evitar predadores, diz Mike Louison, biólogo comportamental da Universidade McKendree  no estado americano de Illinois, que finalizou o estudo como parte de seu doutorado.

Mas se você retirar esses indivíduos, “isso pode causar uma desorganização em todo o grupo”, diz Louison.

Vários estudos sobre peixes e outros animais como pássaros e moscas-das-frutas mostram que a sociabilidade – assim como a agressão – tem um componente genético significativo. Se animais mais sociáveis são retirados de uma população, é razoável concluir que essa população irá se tornar menos sociável.

“Se você está selecionando os indivíduos com características comportamentais específicas, a população pode evoluir de forma contrária a esses traços”, diz Louison. Os que ficam para trás poderiam ser “peixinhos bravos”, brinca.

Ainda não está muito claro o quão mutável esses traços comportamentais são, ou se a remoção desses peixes realmente pode causar um impacto nos genes da população, diz o coautor do estudo, Cory Suski, biólogo especialista em peixes na Universidade de Illinois – Urbana Champaign e orientador de pós doutorado de Louison.

Trabalho em equipe

Para o estudo, Louison e seus colegas capturaram bluegills em um lago em Illinois, imediatamente identificaram todos os animais e os devolveram logo em seguida para a água. Mais tarde, o lago foi drenado e os peixes – incluindo aqueles que haviam sido previamente capturados – foram todos levados vivos para o laboratório.

Em seguida, os pesquisadores conduziram uma série de experimentos com 19 dos peixes capturados, e 19 dos que haviam conseguido escapar. Eles construíram um grande aquário com duas partes separadas por uma janela transparente. Em um lado, foram colocados seis peixes do lago selecionados aleatoriamente. Do outro lado, foram colocados 38 peixes solitários.

No aquário, os peixes solitários podiam se movimentar livremente, ficando perto da janela e “interagindo” com os bluegill do outro lado, ou escondiam-se em um “abrigo” que foi colocado no lado oposto.

Os pesquisadores filmaram a movimentação de cada peixe em dois testes diferentes, analisando quanto tempo passavam perto da janela socializando e quanto tempo passavam escondidos ou na ponta oposta do aquário. Os resultados mostraram que os peixes capturados no lago eram mais sociáveis do que os que não foram capturados.

Os cientistas repararam que o bluegill era mais fácil de ser capturado e também mais sociável do que aqueles que conseguiram escapar, porém, eram apenas um pouco menos agressivos. Um estudo futuro pode fornecer mais dados para corroborar essa correlação.

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Por que os peixes mais sociáveis são mais fáceis de capturar? Peixes sociáveis andam em grupos e se você joga uma isca ou um anzol em um lago, as chances são maiores de encontrar um grupo do que um peixe solitário, Louison analisa.

A competição pode desempenhar um papel importante. No momento em que um alimento em potencial surge ao alcance do grupo, todos correm para pegá-lo, mesmo que não saibam exatamente o que é, diz Louison. “Não dá tempo de parar e analisar”, ele diz.

Mas, “se você for um solitário, você tem tempo de olhar antes” – e assim, evitar a isca, Suski conclui.

Consequências acidentais

O artigo soma-se a um grande número de trabalhos sobre os efeitos biológicos da pesca. Alguns mostram que os peixes geneticamente predispostos a crescer mais rápido são mais prováveis de serem pegos. Isso causa uma seleção natural por peixes que crescem mais lentamente.

Outro trabalho sugere que os achigãs com menos chance de serem pegos são pais ruins. Como os bluegill, os achigãs machos é quem protegem o ninho, e aqueles que ficam parados nesses lugares são os mais prováveis de serem pegos – provavelmente porque veem as iscas como possíveis predadores, Louison explica.

Apesar de cada espécie ter suas próprias idiossincrasias, os resultados obtidos com os bluegill podem ser aplicados a outros peixes com sistemas sociais parecidos, diz Shaun Killen, biólogo da Universidade de Glasgow, que não estava envolvido no estudo.

No futuro, Louison e sua equipe querem estudar como esse fenômeno pode impactar peixes na natureza, o que não está ainda muito claro.

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