África do Sul pode exportar legalmente 1,5 mil esqueletos de leão por ano, em controversa decisão

País africano quase dobrou a quantidade de ossos de leão que podem sair de lá. Ação pode encorajar o comércio ilegal.

Por Douglas Main
Publicado 1 de ago. de 2018, 18:03 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Ameaça aos leões está aumentando devido à crescente demanda por ossos, dentes, patas e outras partes ...
Ameaça aos leões está aumentando devido à crescente demanda por ossos, dentes, patas e outras partes de seu corpo.
Foto de Jak Wonderly

Os LEÕES, JÁ EM DECLÍNIO na África, enfrentam nova ameaça: a demanda crescente pelas partes de seus corpos, incluindo ossos, dentes e garras. Elas são buscadas para o uso em remédios tradicionais e bugigangas, principalmente no sudeste da Ásia.

Embora seja ilegal caçar esses grandes felinos e o comércio da maior parte dos corpos de leões seja proibido, a África do Sul legalizou a exportação de esqueletos de cativeiros onde os leões se reproduzem e são criados. Muitos relatos sobre essa indústria apontam terríveis condições em tais criadouros. Em muitos casos, esses negócios também permitem que clientes paguem pela oportunidade de matar leões, na chamada “caça enlatada”, com a opção de levar a cabeça ou a pele como lembrança.

Em 16 de julho, a África do Sul anunciou que ia quase dobrar o número de esqueletos de leões que podem ser exportados, indo da cota anual de 800 para 1,5 mil.

Especialistas argumentam que a decisão deve ser prejudicial, por encorajar o tráfico de partes do Leão africano e outros grandes felinos, em parte por aumentar a demanda e a aparente legitimidade de tal comércio.

Leões em jaulas em um criadouro não identificado na África do Sul. Cerca de 8 mil leões são mantidos em cativeiro no país.
Foto de Paul Funston, Panthera

“Estou consternado”, diz  Luke Hunter, diretor de conservação da Panthera, grupo internacional de conservação de felinos. Ele adiciona que não há razão científica legítima para exportar esqueletos.

Até 8 mil leões vivem em fazendas e cativeiros na África do Sul, enquanto em torno de 1,3 mil a 1,7 mil adultos continuam na natureza. No máximo 20 mil leões sobrevivem na África como um todo, número que caiu 43% entre 1993 e 2014.

O departamento de assuntos ambientais da África do Sul, que não respondeu a múltiplas solicitações de comentários, disse em um novo relato que aumentar a cota de esqueletos é necessário, em parte, para se diminuir as pilhas crescentes de esqueletos de leões em cativeiros.

“Se há uma demanda atual para ossos de leão e a distribuição dos cativeiros é restrita, traficantes podem buscar fontes alternativas, seja por acesso ilegal a estoques ou por caça furtiva de leões vivendo em cativeiros ou na natureza”, disse o departamento em nota.

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    O governo não forneceu dados suficientes para embasar a ideia de que o comércio legal de ossos pode diminuir a atividade ilegal, nem para explicar o porquê de um aumento tão grande ser justificado.

    A grande maioria desses esqueletos de leão são exportados para o Vietnã ou Laos, de acordo com a Born Free Foundation, uma organização de conservação e sem fundos lucrativos. Esses países mostraram estar fortemente envolvidos com tráfico ilegal de animais selvagens, segundo a fundação. Ossos de leão são cada vez mais usados como substituto para partes altamente cobiçadas de tigres, para fazer produtos que alguns acreditam ter propriedades medicinais, como vinho de osso de tigre, que é considerado um símbolo de status e que supostamente dá força e energia.

    Os tigres estão ameaçados de extinção, e menos de 4 mil permanecem na natureza. Qualquer comércio de partes de tigre é ilegal pela Convenção sobre Comércio Internacional das Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção (CITES), o tratado regulatório internacional para o comércio de vidas selvagens. (Relacionado: “Comércio Ilegal de Tigres Sustentado por ‘Fazendas de Tigres’, Revelam Novas Evidências.”)

    Ligações criminosas

    O comércio de ossos, dentes e garras de leão, que, por serem muito similares às de tigre, muitas vezes são rotuladas como tal, aumenta a demanda e a aparente legitimidade desses produtos, diz Aaron White, pesquisador e ativista de vidas selvagens com a Environmental Investigation Agency.

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    O grupo tem evidências documentadas da apreensão de oito animais selvagens, principalmente desde 2015, em que produtos de leões foram rotulados como de tigres. Mas deve estar acontecendo com muito mais frequência, segundo White.

    A maior demanda por produtos de grandes felinos traz mais incentivo para a caça furtiva de leões e vários países africanos, como Moçambique, viram um pequeno aumento em tal atividade nos últimos anos. Kris Everatt, que trabalha como pesquisador e advogado contra a caça furtiva com a Panthera, em Moçambique, diz que o número de leões no Parque Nacional do Limpopo caiu de 67, em 2012, para 21 em 2017. Um total de 49 leões foram caçados ilegalmente e, em 60% dos casos, partes corporais como rostos e patas foram removidas, diz ele.

    As redes pelas quais as partes de leões são legalmente obtidas são notoriamente porosas, diz Hunter, e a menos que o comércio seja tenazmente regulado, é muito difícil dizer de onde as partes vêm e prevenir que a caça furtiva entre na cadeia de fornecimento. O comércio legal permite que traficantes facilmente vendam produtos ilegais como legítimos, como também já foi visto na exportação de marfim de elefantes, adiciona White.

    Em 2016, a União Internacional para a Conservação da Natureza, que garante o status de conservação da vida selvagem, alertou que “partes de leões selvagens do sul e leste da África podem ser atraídas para o grande comércio ilegal de vidas selvagens na Ásia, que é concentrado no marfim de elefantes.” E isso está acontecendo.

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    Como a National Geographic revelou em um relato sobre a caça furtiva de leões, em junho de 2017, um cidadão chinês foi preso no Aeroporto Internacional de Maputo, em Moçambique, carregando dentes e garras de leão, assim como itens produzidos com marfim. Dentes de leão também foram confiscados no Senegal no último mês de agosto, como parte da maior apreensão de marfim da história do país. Mais tarde, em novembro, autoridades da África do Sul encontraram 70 dentes e patas de leões em um carregamento contendo chifre de rinoceronte, com destino à Nigéria.

    A conexão entre ossos de leão e o tráfico ilegal não para por aí. Um relato publicado esse mês por duas organizações sul africanas em prol do bem-estar da vida selvagem, a EMS Foundation e a Ban Animal Trading, revelou diversas ligações entre importadores de ossos de leão e traficantes de animais selvagens e redes de tráfico conhecidas.

    “Todas as nossas pesquisas e dados coletados mostram claramente que o comércio legal faz parte do comércio ilegal”, diz Michele Pickover, diretora da EMS Foundation. “Eles não podem ser separados.”

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