Relembre a história do leão africano que desafiou a morte

O icônico C-boy viveu mais que a média de sua espécie e foi admirado por sua tenacidade e espírito feroz.

Por David Quammen
Publicado 4 de set. de 2018, 12:02 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
C-Boy, com sua juba escura característica, no Parque Nacional do Serengeti na Tanzânia. Ele era amado ...
C-Boy, com sua juba escura característica, no Parque Nacional do Serengeti na Tanzânia. Ele era amado por aqueles que o conheciam.
Foto de Michael Nichols, National Geographic Creative

Falecido: leão macho adulto, com cerca de quatorze anos de idade, com juba escura, conhecido por pesquisadores - e leitores da revista National Geographic - como C-Boy. Morto por causas naturais, seu corpo foi descoberto por um motorista de excursões no interior do Parque Nacional do Serengeti, na Tanzânia, no início de junho de 2018. Seu falecimento deixou de luto aqueles que o conheciam e liam a seu respeito; sua longevidade e força de caráter os maravilhava.

A categoria “causas naturais”, no caso de leões africanos, inclui os assassinatos e ferimentos que ocorrem rotineiramente entre os membros competidores da espécie. Como o especialista em leões Craig Packer me contou uma vez: “a principal causa de morte de leões, em um ambiente intocado, são outros leões.” Isso foi há cinco anos, quando eu e o fotógrafo Mike (Nick) Nichols fomos à Tanzânia fazer um trabalho de campo para uma matéria sobre ecologia e comportamento dos leões. C-Boy, um belo macho na sua juventude, com uma juba com franjas pretas, tornou-se a figura central daquela matéria, “A breve vida feliz de um leão do Serengeti”, por ele ser uma exceção a essa regra mortal.

Vários anos antes, C-Boy tinha sobrevivido por pouco a um ataque conjunto de três outros machos, que tentaram matá-lo pelo direito de copular com um grupo de fêmeas. Esses três machos ambiciosos, juntos, eram conhecidos como os Assassinos. Ingela Jansson, assistente de campo do estudo de longo prazo de Packer, testemunhou a briga de três contra um de perto em seu Land Rover, viu as feridas de C-Boy e o considerou como morto. Neste mês, esse acontecimento completa nove anos. Contudo, C-Boy se arrastou para fora do campo de batalha e, com seu único parceiro aliado, um sedutor menos propenso a disputas conhecido como Hildur, seguiu por outras bandas em busca de território novo, fêmeas novas e perspectivas novas.

C-boy viveu mais que os 12 anos considerados o máximo para leões machos.
C-boy viveu mais que os 12 anos considerados o máximo para leões machos.
Foto de Daniel Rosengren

Diz a lenda que gatos têm sete vidas. C-Boy tinha ao menos duas. Ele enfrentou o ataque repentino, escapou de uma morte lenta causada por feridas infecionadas e mais tarde se tornou o personagem principal de nossa matéria. Por que eu e Nick optamos por nos concentrarmos nele? Por ele ser tudo que um leão africano devia ser: engenhoso, rabugento, paciente, orgulhoso, porém pragmático, aparentemente indestrutível, em perigo o tempo todo e grandioso de ser contemplado.

Durante nosso trabalho de campo, os Assassinos apareceram em uma área próxima, demonstrando interesse por outro grupo no qual C-Boy e Hildur cuidavam de seus filhotes. Os Assassinos estavam novamente forçando novas conquistas, ameaçando expandir seu domínio. Outro assistente do estudo de Packer, um jovem sueco chamado Daniel Rosengren, os avistou no alvorecer uma manhã, enquanto andávamos juntos. Eles estavam à beira de um riacho, na grama, cuidando de suas feridas no rosto causadas por uma luta recente. Com quem tinham lutado? Nosso palpite era com C-Boy, de novo. Ele tinha sobrevivido mais uma vez? E, se tivesse, como estava?

Não houve respostas durante um longo dia de buscas sem sucesso. A equipe de Nick não conseguiu encontrá-lo, tampouco nós conseguimos. Mais tarde, naquela noite, eu e Daniel nos equipamos com binóculos com visão noturna e sacos de dormir e então nos esgueiramos atrás dos Assassinos no Land Rover dele durante a noite inteira, nos alternando entre dormir e vigiar, enquanto os leões rondavam, descansavam e se deslocavam de novo. Chamei essa de “Noite da Longa Perseguição”.

Esses leões ambiciosos marcharam pelo território de C-Boy e Hildur e queríamos saber para onde iam, o que faziam e se sua ousada incursão - além de suas feridas de batalha - significava que matavam tudo por seu caminho para dominar essa região também. Com o nascer do sol, os Assassinos caminharam corajosamente por uma estrada com duas trilhas e, por mais dois dias, ainda nenhum sinal de C-Boy. Escrevi em meu diário que ele estava “desaparecido, provavelmente morto.”

Mas ele não estava morto. Na terceira manhã, próximo a um grupo de afloramentos rochosos conhecidos como Zebra Kopjes, nós o encontramos, ileso e vigoroso, copulando com uma fêmea disponível. No diário desse dia, 17 de dezembro de 2012, escrevi: “Ah que leão feliz!” Sua juba tinha uma aparência escura e viril à luz do início da manhã. Ele estava muito vivo. Mas nem C-Boy poderia viver para sempre.

Semana passada, recebi um e-mail de Daniel Rosengren, agora contratado como fotógrafo itinerante da vida silvestre pela Sociedade Zoológica de Frankfurt. Daniel confirmou o que eu tinha ouvido falar. “Sim, C-Boy foi encontrado morto por um motorista de excursões que o conhecia bem”, escreveu. “Não sei dizer muito mais que isso. Ao que parece, ele já tinha morrido há alguns dias quando o encontraram (seguindo os abutres que comeram a carcaça).” Não havia sinal de ter sido morto pelas lanças dos vaqueiros Maasai, determinados a proteger suas vacas, ou baleado por um caçador.

 “Ele tinha cerca de 14 anos de idade”, escreveu Daniel, “estava beirando o recorde de idade para um leão macho em toda a história do projeto de leões”. Doze anos é, em geral, a expectativa de vida máxima de um macho. O parceiro de C-Boy, Hildur, também ultrapassando os limites, ainda estava inacreditavelmente vivo.

Foi triste, disse Daniel, perceber que C-Boy tinha morrido. “Mas, ao mesmo tempo, ele viveu mais que o esperado para um leão macho. Uma vida que quase acabou há cerca de uma década quando os Assassinos o pegaram. Ele teve uma segunda chance e certamente a aproveitou muito.” Daniel acrescentou: “Queria tê-lo visto mais uma vez.”

Desejei o mesmo e sabia que não poderia, então fiz a segunda melhor coisa que podia: abri a edição da revista de agosto de 2013, nas páginas 28-29, e lá estava o magnífico retrato preto e branco de C-Boy feito por Nick, com sua juba com franjas escuras, me encarando pela noite da Tanzânia. Eu me consolei com a lembrança de que a vida de C-Boy, breve ou longa, feliz ou atormentada, incorporava uma vontade absoluta de sobreviver.

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