Carneiros ensinam uns aos outros como migrar em longas distâncias
Carneiros-selvagens migram em jornadas longas, seguindo a onda verde do desabrochar da vegetação. O instinto não ensina isso, mas a tradição sim.
Grandes migrações são alguns dos maiores espetáculos da natureza. Gnus e zebras seguem as chuvas pelo ecossistema da região de Mara todo ano, borboletas-monarca seguem o trajeto do México ao Canadá, e pequenos pássaros cantores voam sem parar durante dias. E agora, cientistas estão começando a entender como eles sabem para onde e quando ir.
Eles descobriram que alguns desses animais têm seus trajetos de migração escrito em seus genes. Um pássaro nascido em laboratório, sem nenhum conhecimento do mundo natural, ainda tentará começar a migrar no momento certo do ano na direção cardinal correta.
Mas grandes mamíferos, como o carneiro-selvagem e o alce, contam uma história diferente. Pesquisadores da vida selvagem há muito suspeitavam que esses animais requerem experiência para migrar com eficiência, e que suas jornadas anuais são resultado do que aprendem uns com os outros, e não de herança genética. Um novo estudo, publicado na Science, sugere que esses palpites podem estar certos. Alguns animais precisam aprender a migrar.
A existência de informações e conhecimentos coletivos, que podem ser passados dos animais mais velhos para os mais jovens, é uma forma de “cultura”, explicam os pesquisadores. E, quando os animais aprendem como resultado de interações sociais e a transferência de informações, esse é um tipo de intercâmbio cultural, e não um processo genético.
Nas montanhas e planícies da América do Norte, grandes bandos de ungulados, animais de casco como o caribu, veado, alce e carneiro-selvagem, migram de seus locais de reprodução em altitudes altas para altitudes mais quentes e baixas durante o inverno, seguindo o desabrochar da vegetação. Ecologistas chamam isso de “surfar a onda verde”, e o novo estudo constatou que carneiros-selvagens e alces precisam aprender a surfar.
As mães sabem mais
Devido à caça comercial e a transmissão de doenças de ovelhas domésticas, as populações de carneiros-selvagens começaram a decair no fim do século 19. Com início na década de 1970, oficiais da vida selvagem e grupos de caça começaram a restabelecer as populações de carneiros-selvagens ao mover indivíduos dos bandos sobreviventes para áreas que um dia fizeram parte do território da espécie.
A história dessas translocações, combinada à mais nova tecnologia disponível de rastreio por GPS, permitiu que o ecologista da Universidade de Wyoming Matthew Kauffman e sua equipe traçassem o desenvolvimento do comportamento migratório. Liderada pelo estudante de pós-graduação Brett Jesmer, a equipe fixou coleiras com GPS em 129 carneiros-selvagens de populações bem estabelecidas com pelo menos 200 anos, além de 80 ovelhas e 189 alces que haviam sido movidos recentemente.
“Para os ungulados, a teoria é de que não há uma programação genética. Eles apenas precisam aprender a como fazer isso” diz Kauffman. E se esse for o caso, ele diz, os animais que foram movidos não deveriam migrar, uma vez que ainda não teriam aprendido a nova rota migratória.
E foi exatamente o que constataram.
“Em relação aos carneiros e alces, o que também é válido para cervos e veados, os mais jovens são muito dependentes de suas mães. Por quase todo o seu primeiro ano de vida, eles basicamente seguem as mães” diz Kauffman. “Assim, eles desenvolvem uma memória espacial da rota migratória da mãe”.
E, das 80 ovelhas deslocadas, apenas sete tentaram algum tipo de migração, indivíduos esses que foram integrados a bandos pré-existentes de centenas de ovelhas migratórias. Isso sugere que o conhecimento da migração pode ser transferido horizontalmente entre adultos, e não apenas verticalmente entre gerações.
Isso não quer dizer que os ungulados não possam ter alguma motivação inata para buscar novas oportunidades. O problema é saber como fazer isso e manter-se seguro. “Saber como chegar do ponto A ao B geralmente envolve atravessar habitats onde há um maior risco de predação, onde talvez as condições de forragem não sejam muito boas, então os animais precisam saber para onde ir” diz o biólogo da Universidade de Sherbrooke Marco Festa-Bianchet, que não participou do estudo. “Essa é a parte que precisa ser aprendida”.
Aprendendo a surfar
Uma migração ideal deve estar alinhada perfeitamente ao pico da onda verde, com os animais movendo-se para novas áreas assim que a vegetação começa a crescer, enquanto também evitam áreas perigosas repletas de predadores. O novo estudo mostra que os carneiros e os alces aprendem a otimizar novas rotas com o tempo. Quanto mais tempo uma população sobrevive em um novo habitat, mais eficientes são seus membros no surfe.
Esses animais, que herdam uma estratégia migratória mais eficiente, sobrevivem por mais tempo e deixam para trás mais descendentes. Os jovens desses grupos aprendem a migrar com suas mães, adquirindo novos conhecimentos ao longo do caminho para refinar ainda mais suas estratégias migratórias. Quando combinados, isso significa que a migração de ungulados é uma forma de cultura cumulativa, diz Kauffman, um sistema de comportamentos passado de geração a geração, onde cada bando se desenvolve com o conhecimento de seus precursores.
Mas há um porém. Para um novo bando de carneiros-selvagens deslocados, pode levar de 50 a 60 anos até que metade do grupo se torne proficiente em surfar a onda verde. Para os alces, talvez por serem criaturas mais solitárias com menos oportunidades de aprendizagem social, poderia levar um século, ou até mais.
“Reintroduções de vida selvagem, para todos os tipos de espécies diferentes, muitas vezes fracassam. Isso nos dá a visão sobre o porquê elas falham” diz Kauffman. “Elas falham, em parte, porque os animais não têm conhecimento sobre como explorar os novos terrenos”.
Assim, quando uma estrada, uma cerca ou um novo empreendimento imobiliário desestrutura o trajeto migratório já estabelecido de um mamífero, há consequências não apenas para a sobrevivência do bando, mas também para seu conhecimento coletivo. E caso as estratégias de mitigação, como cercas adequadas para a vida selvagem e viadutos e mergulhões para rodovias, não forem implementados rapidamente, poderá levar décadas ou até mesmo um século para que a população se recupere.