Elefantes órfãos enfrentam mais um desafio: o bullying da própria espécie

Nova pesquisa revela que caça ilegal não fere apenas os elefantes que são mortos.

Por Joshua Rapp Learn
Publicado 9 de out. de 2018, 16:53 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
A forma como as elefantas órfãs se adaptam a não terem mães pode ter consequências sobre ...
A forma como as elefantas órfãs se adaptam a não terem mães pode ter consequências sobre a maneira que a espécie, como um todo, pode se recuperar da crise de caça ilegal.
Foto de Beverly Joubert, National Geographic Creative

ELEFANTAS ÓRFÃS enfrentam uma vida infeliz em comparação com as elefantas com mães sobreviventes, e isso não é um bom sinal para a capacidade da espécie de se recuperar de uma crise de caça ilegal, que mata cerca de 30 mil elefantes a cada ano.

Embora as jovens cujas mães são mortas por caçadores ilegais possam usufruir da proteção de parentes, uma nova pesquisa publicada em setembro na revista científica Animal Behavior sugere que isso não compensa a ausência da criação por suas mães biológicas.

“[As órfãs] podem se adaptar socialmente, mas o problema vai muito além”, diz Shifra Goldenberg, gerente de projetos internacionais que trabalha na preservação de elefantes no Instituto Smithsoniano de Conservação Biológica e principal autora do estudo. “Elas podem se juntar a uma família e pode até parecer que está tudo bem, mas na verdade elas podem não ter o mesmo acesso a recursos que os outros elefantes têm”.

Em outras palavras: É muito mais difícil para uma elefanta órfã crescer quando ela não tem a proteção amorosa de sua mãe biológica.

“Se elas não têm acesso aos mesmos recursos que os outros elefantes, podem levar mais tempo para se reproduzirem”, afirma Goldenberg. “Elas podem ter mais dificuldade para sobreviver a doenças e podem ser mais estressadas. Podem não ter filhotes na mesma idade. Podem não conseguir manter seus filhotes vivos, se os tiverem”.

“Legado de destruição”

O estudo monitorou o comportamento de jovens elefantas na região nordeste do Quênia, próxima à Reserva Nacional de Buffalo Springs e Reserva Nacional de Samburu. Biólogos estudaram os elefantes dessa região durante décadas. Portanto,  seus dados demográficos, movimentações e outros comportamentos já eram bem compreendidos, o que tornou essa população ideal para estudo.

Em 2009, caçadores ilegais começaram a atacar animais nessa área, com foco principal nas fêmeas mais velhas em razão de suas grandes presas, de acordo com Goldenberg. “Houve um legado de destruição na população”, conta.

Para entender quais efeitos a perda das mães causa nas jovens sobreviventes, Goldenberg e seu coautor, George Wittemyer, ambos da Universidade do Estado do Colorado, prepararam esse estudo.

Eles decidiram focar em três grupos de fêmeas jovens: as que perderam a mãe, mas continuaram na manada; as que perderam a mãe e trilharam o caminho incomum de se juntarem a outra manada e aquelas com mães, para comparação. Os pesquisadores monitoraram o comportamento delas, registrando situações amigáveis e também aquelas em que outros elefantes agiram de forma agressiva em relação às órfãs, empurrando-as ou perseguindo-as, por exemplo.

A análise de Goldenberg e Wittemyer revelou que, em comparação com as não órfãs, as órfãs enfrentaram mais agressão durante sua criação. As órfãs que foram para uma manada diferente daquela em que nasceram passaram por um nível de agressão ainda maior.

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    Além disso, embora as elefantas órfãs e elefantas com mães tenham recebido a mesma quantidade de afeto de outros elefantes da manada, as órfãs receberam menos afeto no geral, pois não tinham mães cuidando delas.

    Está tudo na cabeça delas?

    Gay Bradshaw, ecologista, psicóloga e cofundadora e diretora do Centro Kerulos Contra a Violência, uma organização sem fins lucrativos focada em inspirar uma mudança nos seres humanos que leve a um melhor bem-estar psicológico nos animais, declara que muitas dessas jovens elefantas também são mentalmente traumatizadas por perderem suas mães e outras matriarcas próximas em suas manadas.

    Bradshaw critica esse estudo sobre elefantas órfãs, que ignora a neuropsicologia dos elefantes. Ela diz que os efeitos psicológicos do trauma, que podem durar décadas, de acordo com algumas pesquisas, são disseminados em manadas de elefantes na África, e afetam tanto as órfãs quanto as fêmeas mais velhas, que podem ter perdido membros da família quando jovens.

    “Se estamos realmente tentando salvar os elefantes, temos que tratá-los como as populações sobreviventes de genocídios”, afirma. “A psique coletiva começou a desmoronar”.

    Joyce Poole, cofundadora e codiretora do ElephantVoices, não participou da pesquisa de Goldenberg, mas estudou elefantes no Quênia durante décadas. Ela diz que essa nova pesquisa não revela surpresas e contribui para o conjunto de evidências de que a caça ilegal possui efeitos duradouros.

    “A implicação é que esses níveis mais altos de agressão serão associados a níveis mais elevados de estresse, que se refletirão em níveis mais baixos de sobrevivência”, conta, acrescentando que, nas populações que estudou, a caça ilegal causa cicatrizes físicas e psicológicas detectáveis mais de 20 anos depois.

    Goldenberg diz que a investigação de trauma psicológico não estava no escopo do seu estudo, mas a etapa seguinte seria determinar se a agressão elevada que as órfãs enfrentam realmente têm consequências na sobrevivência a longo prazo e no sucesso reprodutivo.

    “O custo para os elefantes da matança em massa pelo marfim não se trata apenas de números. É uma gama de consequências nas vidas individuais dos sobreviventes e como isso impacta negativamente a rede e o funcionamento das relações em sua sociedade”, afirma Poole. “Os elefantes, no final das contas, se parecem muito com a gente”.

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