O mercado ilegal de tarântulas é um negócio “cabeludo”
Pouco estudadas, essas aranhas estão sendo contrabandeadas para virarem animais de estimação e peças de exibição.
HIPNOTIZADA, PARALISADA DE medo, observo uma tarântula-mexicana-de-pernas-vermelhas em movimento. Enorme, peluda, com pernas vermelhas, ela não está andando pela minha casa (ainda bem!), mas pela tela do meu computador, em um vídeo.
É surpreendente o fato de alguém querer ter uma tarântula-de-pernas-vermelhas apenas por diversão. Mas as pessoas querem.
Uma pernas-vermelhas estava entre o conjunto de aranhas, insetos e outros rastejantes, avaliado em mais de US$ 40 mil, roubado do Pavilhão de Insetos e Borboletas da Filadélfia no final de agosto. Suspeita-se que esses animais tenham sido roubados para serem comercializados no mercado de animais de estimação. No início desse mesmo mês, um homem em Singapura foi multado em US$ 12.800 por manter, de forma ilegal, 92 tarântulas em sua casa e por tentar contrabandear outras 6—transportadas em recipientes de plástico no banco de trás de seu carro—de Singapura à Malásia, de acordo com a mídia local.
Esses não são incidentes isolados. Cientistas relatam uma quantidade significativa de atividade ilegal envolvendo tarântulas e eles acreditam que esse mercado seja, em boa parte, impulsionado por entusiastas dispostos a pagar centenas de dólares por aranhas de estimação. De acordo com o biólogo conservacionista Sergio Henriques, o mercado de tarântulas preservadas também está impulsionando o mercado ilegal, porém, de forma menos intensa.
"O contrabando está descontrolado—espalhado pelo mundo todo", diz Henriques, presidente do grupo especializado em aranhas e escorpiões da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), que analisa a forma como os animais vivem na natureza.
O comércio de tarântulas é uma subdivisão pouco conhecida do mercado ilegal de animais silvestres, uma indústria multibilionária que está prejudicando a fauna em todo o mundo. Elefantes e rinocerontes estão entre os alvos mais difíceis, mas animais menores e menos conhecidos são procurados como animais de estimação, para uso na medicina tradicional ou apenas como uma novidade, entre outras coisas. Dentre esses animais, estão as tarântulas.
Encontradas em regiões tropicais e desertas em todo o mundo, os aracnídeos de oito olhos são altamente diversos, com mais de 900 espécies de diferentes tamanhos e cores, do azul cobalto ao rosa salmão. Alguns vivem em árvores, outros em tocas subterrâneas.
Muitos países proíbem ou exigem licenças especiais para a exportação de tarântulas e captura de determinadas espécies ou espécies em áreas específicas, como parques nacionais. Além disso, um tratado global em defesa da vida silvestre oferece algumas proteções a 22 espécies consideradas muito vulneráveis ao comércio não regulamentado. Contudo, brechas na legislação—além do crescente interesse comercial em animais exóticos, de mais pessoas viajando a regiões que possuem tarântulas e do maior conhecimento através das redes sociais—impulsionam o comércio ilegal, afirma Henriques.
Para atender a demanda, alguns comerciantes contratam moradores locais para caçarem tarântulas na natureza. As aranhas são contrabandeadas e vendidas a criadores ou colecionadores que buscam as criaturas mais inéditas, mais coloridas ou mais peculiares. Algumas tarântulas são capturadas, mortas e colocadas em caixas para exibição ou envolvidas em resina, uma substância transparente utilizada na fabricação de chaveiros, pesos de papel e outros itens decorativos.
As tarântulas são especialmente vulneráveis à caça ilegal porque vivem por muitos anos (algumas até os 30 anos de idade) e as fêmeas se reproduzem tarde e de forma infrequente. De acordo com Jorge Mendoza e Rodrigo Orozco, criadores e pesquisadores mexicanos, a caça ilegal prejudicou o gênero brachypelma, encontrado no México e que inclui a tarântula-de-pernas-vermelhas e a famosa tarântula-de-joelho-vermelho, conhecida pelas manchas vermelhas em suas pernas.
Não está claro como a caça ilegal afeta as outras tarântulas, mas cientistas temem que a captura em excesso, combinada a ameaças como mudanças climáticas e destruição do habitat, possa exterminar espécies antes de conseguirmos estudá-las na natureza.
"Elas necessitam de bastante tempo para se recuperarem de um evento de captura", afirma Henriques. "Elas não retornam rapidamente".
A redução no número de tarântulas não é uma preocupação para a maioria das pessoas. Não é nenhum segredo que muitos a consideram o indivíduo mais aterrorizante do reino animal. As tarântulas são consideradas o símbolo mais assustador do Dia das Bruxas e aparecem em filmes como assassinas, matando todos os humanos que cruzam o seu caminho.
Não há motivos para ter medo das tarântulas. A maioria se esconde ou até mesmo se finge de morta em vez de atacar, ou seja, de picar ou soltar pelos urticantes de seu abdômen. E, se realmente se sentirem ameaçadas o suficiente para enterrarem suas presas em um agressor, seu veneno é, na maioria das vezes, menos potente do que o de uma abelha.
Contudo, há boas razões para cuidarmos delas. As proteínas encontradas em seu veneno ajudaram os cientistas a entenderem mais sobre dor e doenças, como a epilepsia. As tarântulas produzem seda, coletada pelos beija-flores para construção de seus ninhos, e elas ajudam a controlar pragas agrícolas, como grilos e besouros, pois se alimentam desses insetos.
APAIXONADOS POR TARÂNTULAS
Ao passo que alguns temem as tarântulas, outros não se cansam delas.
Os membros do Arachnoboards.com, por exemplo, se recusam em nomear uma espécie favorita. "Eu amo todos os meus bebês e não consigo escolher", escreveu um aficionado por tarântulas no quadro de discussões. "Não me obrigue a escolher apenas uma", escreveu outro.
Bob Herndon, inspetor do Serviço Norte-Americano de Pesca e Vida Selvagem, também tem essa paixão. Ele trabalha no porto de Louisville, Kentucky e se considera o homem da lei para todos os assuntos envolvendo tarântulas. Herndon, 61, diz que chegou a ter centenas de tarântulas, mas que agora só possui 18, que ele comprou ou ganhou de presente de amigos que criam aranhas.
Ele se apaixonou por aranhas após ler A teia de Charlotte na infância.
"Para mim, são mais do que apenas animais", afirma ele. "São criaturas realmente belas".
Herndon afirma que a caça ilegal começou nos anos 1970, quando surgiu interesse por tarântulas como animais de estimação. Para atender a demanda, as pessoas começaram a criar tarântulas e comercializá-las de forma legal entre países. Contudo, isso exige a obtenção de licenças, seguro para os animais, pagamento de inspeções e coisas do tipo. Como disse Herndon, é mais barato e mais fácil violar as regras.
"Isso sempre foi um problema, e não é um problema apenas para as tarântulas", comenta ele. "Com qualquer animal, quando há um bom valor de mercado, há pessoas que não querem seguir as regras".
Herndon menciona a aranha ornamental Gooty safira—uma atraente tarântula de cor azul metálica, criticamente ameaçada, descoberta em um único local da Índia, em 2001. Traficantes começaram a contrabandeá-la para a Europa, onde foram colocadas à venda.
Há ainda o caso da tarântula psicodélica, outra espécie da Índia, colocada à venda em mercados online de animais exóticos nos EUA e na Europa apenas oito meses após sua descoberta ter sido descrita em uma revista científica em 2014. "Foi de cortar o coração", contou ao The Hindu Zeeshan Mirza, biólogo silvestre que ajudou na descoberta.
As autoridades confiscam tarântulas em todas as partes do mundo, da Austrália à Holanda e ao Brasil. Elas já foram encontradas dentro de fitas de Nintendo, escondidas em caixas de sapatos, embrulhadas em pacotes de canudinhos. Porém, muitas provavelmente atravessam as fronteiras sem serem detectadas: algumas aranhas jovens são menores do que uma borracha de lápis e tarântulas adultas podem ser facilmente colocadas em bagagens ou caixas de encomendas.
Carol Fukushima, pesquisadora do Museu Finlandês de História Natural, em Helsinque, que estudou tarântulas, afirma que conter os contrabandistas de aranhas pode não ser uma prioridade para as autoridades. "Talvez eles não se importem muito com o tráfico de tarântulas quando estão cuidando de coisas maiores que consideram mais importantes", afirma ela.
No entanto, para Bob Herndon, entender o comércio de tarântulas é uma missão. Em janeiro, ele foi contatado para ajudar a abrir uma caixa em Cincinnati, Ohio, após o Serviço de Pesca e Vida Selvagem ter recebido uma pista de que a remessa poderia conter animais contrabandeados. A carga, originária das Filipinas, estava identificada como 'brinquedos'.
Quando Herndon abriu a caixa, ele encontrou 17 tarântulas filhotes em dois copos de isopor sem fundo que haviam sido presos um ao outro. Elas sobreviveram e foram enviadas a zoológicos no Tennessee e Kentucky.
As aranhas também são impopulares entre os cientistas. Para aqueles que optam por estudá-las, é difícil conseguir recursos financeiros para pesquisar sobre um animal que decididamente não é nada bonito, fofinho ou relacionável.
"É triste dizer isso, mas não conhecemos a ecologia desses animais", diz Fukushima. "Não sabemos quantos desses animais existem na natureza, a variedade desses animais."
De acordo com Sergio Henriques, das mais de 900 espécies de tarântulas, a IUCN avaliou o estado de preservação de apenas 15. Isso significa que ninguém sabe como mais de 99 por cento das espécies de tarântulas vivem na natureza.
Com tão poucos recursos dedicados à ciência das tarântulas, Henriques diz que é difícil descobrir o que mais as prejudica. Fukushima, que assim como ele deseja descobrir como o comércio está afetando as tarântulas, lançou um projeto de pesquisa de vários anos para aprender tudo o que conseguir sobre o assunto, incluindo regiões de captura, as rotas de comércio e detalhes sobre o que impulsiona o contrabando.
É um trabalho ambicioso, admite Fukushima, mas as tarântulas precisam ser protegidas. "Elas são super, super importantes", afirma ela.