Nova rã-de-vidro transparente ameaçada por corrupção e extração de ouro

O limitadíssimo habitat da rã-de-vidro-de-manduriacu está situado em uma área de concessão de mineração — e conservacionistas afirmam que ela precisa de proteção urgente para sobreviver.

Por Douglas Main
Publicado 29 de mar. de 2019, 17:17 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
A rã-de-vidro-de-manduriacu (Nymphargus manduriacu) vive em uma reserva no norte do Equador e é ameaçada pela ...
A rã-de-vidro-de-manduriacu (Nymphargus manduriacu) vive em uma reserva no norte do Equador e é ameaçada pela mineração.
Foto de José Vieira, Tropical Herping, USFQ

AO LONGO Do riacho intocado no sopé dos Andes equatorianos, uma equipe de pesquisadores encontrou uma graciosa rã-de-vidro até então desconhecida pela ciência.

Ao contrário de seus parentes próximos, esse anfíbio possui abundantes pontos amarelos nas costas e dedos únicos sem membranas. Como ocorre com outras rãs-de-vidro, essa espécie possui pele um pouco translúcida, vive a maior parte da vida em árvores e desce para a água para procriar.

Os pesquisadores a apelidaram rã-de-vidro-de-manduriacu (Nymphargus manduriacu), em homenagem a seu lar: a Reserva Río Manduriacu. Ela é encontrada apenas em um pequeno fragmento de um único vale do rio, a uma altitude de mais de 1,2 mil metros. Os machos da espécie emitem gorjeios agudos para encontrar parceiras.

Como todas as rãs-de-vidro, a criatura refém encontrada possui a pele um pouco translúcida e vive nas árvores.
Foto de José Vieira, Tropical Herping, USFQ

Embora o animal viva em uma reserva privada, a área faz parte de uma concessão de mineração. A exploração de ouro e cobre já ameaça a continuidade de sua sobrevivência segundo o estudo, publicado no periódico PeerJ.

A concessão de áreas para mineração “aumentou em um ritmo alarmante” no país, afirma Juan Manuel Guayasamin Ernest, autor principal do estudo, pesquisador da Universidade San Francisco de Quito. Essa rã é uma das inúmeras espécies que poderia ser ameaçada por essa atividade, que ocorre em grande parte nos Andes, lar de muitas espécies endêmicas e ainda nem sequer registradas.

Minando a preservação

No Equador, as empresas podem obter direitos do governo para explorar recursos subterrâneos como o ouro mesmo em terras que não sejam de sua propriedade. Entretanto elas são obrigadas legalmente a consultar os proprietários: neste caso, um grupo conservacionista chamado Fundacion EcoMinga — e a comunidade local.

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    A consulta não ocorreu nesse caso. O governo vendeu a concessão à Cerro Quebrado, subsidiária da maior mineradora do mundo, a BHP situada na Austrália (a BHP não respondeu ao pedido de comentários).

    Isso permitiria que a empresa entrasse com uma ação judicial, afirma Esteban Falconi, advogado de direitos humanos e ambientais no Equador. Contudo, o sistema judiciário é influenciado pelo poder executivo, que fez pressão em favor da mineração nos últimos anos depois que a exploração de petróleo não conseguiu reanimar a economia como esperado, explica Roo Vandegrift, ecologista da Universidade do Oregon, que trabalhou no país.

    A corrupção é um problema no Equador e grandes empresas exercem influência no país que, até hoje, tinha sido poupado dos projetos de mineração de larga escala observados nos países vizinhos: na Colômbia e no Peru. Jorge Glas, ex-vice-presidente do Equador foi sentenciado em dezembro de 2017 a seis anos de prisão por corrupção. Nesse caso, Glas foi condenado por aceitar US$ 13,5 milhões em suborno de uma construtora brasileira.

    A nova pressão em favor da mineração deixa conservacionistas alarmados, pois esse tipo de extração teve "impactos devastadores" em outros países da Bacia Amazônica, conta Vandergrift. E também contraria a constituição do Equador que, como nenhum outro país, concede certos direitos inalienáveis à natureza.

    Os pesquisadores recomendam que a rã-de-vidro recém-descoberta seja listada como criticamente ameaçada pela União Internacional para a Conservação da Natureza.

    Para os conservacionistas envolvidos, ela é o ícone da maior ameaça enfrentada pelos raros animais do Equador trazida pela mineração.

    Existem quase 600 espécies de anfíbios conhecidas no país e talvez 20% ou mais permaneçam sem descrição, afirma Luis Coloma, diretor do Centro Jambatu de Pesquisa e Conservação de Anfíbios no Equador, que não fez parte da equipe responsável pelo estudo.

    O estudo serve como “um forte clamor para proteger essa nova espécie e outros anfíbios criticamente ameaçados, especialmente por atividades de mineração”, afirma Coloma.

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