Rãs saudáveis podem mudar de sexo misteriosamente
Foi demonstrado que rãs mudam de sexo em lagoas poluídas no entorno de áreas urbanas. Agora, o fenômeno foi descoberto também em florestas intocadas.
O QUE DETERMINA se um animal será macho ou fêmea? Para as rãs, o sexo é algo muito mais complexo do que se pensava.
Para algumas criaturas, como répteis e peixes, o sexo pode ser extremamente afetado pelo ambiente. As tartarugas marinhas que crescem em areias mais quentes são mais propensas a se tornarem fêmeas, por exemplo. Os mamíferos, entretanto, são muito mais ligados à genética: se um indivíduo tem um genótipo macho no útero, é provável que seu exterior se desenvolva assim também.
Já anfíbios como as rãs estão em uma posição intermediária. São influenciados principalmente pela genética, porém o ambiente também exerce um papel. Em laboratório, verificou-se que certos poluentes como estrógenos sintéticos e herbicidas induzem geneticamente rãs machos a se desenvolverem externamente como fêmeas.
Pesquisas também começaram a sugerir que o fenômeno ocorre na natureza. Em 2014, um estudo da revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences constatou que águas poluídas escoadas a lagoas no entorno de áreas urbanas dos Estados Unidos podem estar transformando larvas machos de anfíbios em fêmeas.
No entanto o prosseguimento dos estudos pelo mesmo grupo de pesquisadores demonstrou que a inversão sexual também está ocorrendo em mais lagoas de florestas intocadas — sugerindo ser também um fenômeno natural, ao menos nesta espécie.
Um estudo publicado em fevereiro no periódico PeerJ encontrou rãs com sexo invertido na maioria dos corpos d’água estudados. Além disso, não foi encontrada relação entre o grau de desenvolvimento humano na área ao redor das lagoas e a proporção de animais com sexo invertido.
“Não se trata apenas de poluição – pelo contrário, há indícios de que as rãs possam estar ajustando seu destino sexual às circunstâncias locais”, o que pode ocorrer em função de variações de temperatura ou de algumas outras variáveis ambientais, afirma Rick Shine, pesquisador da Universidade de Macquarie e Universidade de Sydney, ambas na Austrália.
“Isso parece ridiculamente sofisticado para uma simples rã, porém estudos recentes documentaram exatamente o mesmo grau de sofisticação em algumas espécies de lagartos” e outros animais, afirma Shine, que não participou da pesquisa.
Inspeções em lagoas
Na pesquisa, os autores estudaram rãs-verdes (Rana clamitans) em 18 lagoas de Connecticut que apresentavam paisagens com diferentes graus de desenvolvimento no entorno de áreas urbanas; quatro estavam localizadas em regiões totalmente cobertas por florestas.
A equipe analisou o sexo genotípico das rãs, empregando uma nova técnica genética e o comparou com o sexo externo ou fenotípico do animal. Foram procuradas também células semelhantes a ovos nos testículos das rãs.
As rãs-verdes fêmeas possuem dois cromossomos X, ao passo que os machos têm um X e um Y. Os pesquisadores verificaram que havia mais machos que fêmeas em todas, exceto uma das 18 lagoas analisadas. Em sete das lagoas, encontraram rãs com genótipo fêmea que tinham se desenvolvido como machos (machos XX) e, em oito, registraram rãs geneticamente machos que se desenvolveram como fêmeas (fêmeas XY). A proporção de animais com sexo invertido ficou geralmente abaixo de 5%, mas chegou a um máximo de 10% em uma lagoa.
Onze das lagoas apresentaram quantidades significativas de rãs machos com células semelhantes a ovos nos testículos. Em uma, situada em uma região predominantemente florestada, 44% das rãs continham essas chamadas características “intersexuais”, embora, na maioria, a proporção fosse menor.
Os pesquisadores não conseguiram explicar por que algumas lagoas apresentaram níveis mais elevados de rãs com sexo invertido ou rãs intersexuais que outras. Ao que parece, não há relação direta com a temperatura, composição química sintética ou outra variável que a equipe tenha avaliado, afirma Max Lambert, pesquisador de pós-doutorado da Universidade da Califórnia, em Berkeley, e autor de ambos os estudos.
Genes mais saudáveis?
Lambert explica que rãs machos às vezes podem desenvolver naturalmente células de fêmeas. Imagine um indivíduo XX que começa a desenvolver ovários, mas então, logo no início da vida larval, vira macho — mas permanecem algumas das células semelhantes a ovos. Entretanto pode ser que condições ambientais ainda desconhecidas estejam fazendo com que algumas células de fêmeas se desenvolvam normalmente em testículos.
“Acreditamos que provavelmente ambas as alternativas estão corretas e, no momento, permanece um mistério sexual que determina cada uma”, afirma Lambert, que publicou a pesquisa quando era aluno de Ph.D. da Universidade de Yale.
Em rãs, o desenvolvimento (e inversão) sexual ocorre(m) quando os animais ainda são larvas ou girinos. Quando as rãs chegam à idade adulta, não podem trocar de sexo, segundo nos consta, acrescenta Lambert.
Embora possa parecer pouco natural, a inversão do sexo em rãs pode ter ao menos uma função: promover a diversidade genética, afirma Jodi Rowley, bióloga de anfíbios da Universidade de Nova Gales do Sul na Austrália e Exploradora da National Geographic.
“Em geral, os machos passam apenas o cromossomo Y a sua prole e ele não tem chance de se recombinar como os cromossomos X”, explica Rowley.
“Então a procriação com uma fêmea com cromossomo Y permite uma alteração para que o cromossomo Y crie novas versões 'mais saudáveis' e possivelmente se livre de algumas mutações ruins.”
A poluição ainda assim prejudica as rãs
As descobertas não exoneram de maneira alguma poluentes como o herbicida amplamente utilizado atrazina, advertem os cientistas.
Em laboratório, os estudos mostraram, por exemplo, que a exposição mínima de ovos de rãs a 0,1 parte por bilhão de atrazina já provoca uma proporção de fêmeas maior que em um grupo de controle de ovos de rãs em que não ficou exposto a nenhum produto químico artificial, afirma Tyler Hoskins, pesquisador da Universidade de Purdue.
“Não há dúvida de que estamos despejando poluentes em cursos d'água e que esses produtos químicos podem causar inversão sexual”, afirma Rowley.
“Embora agora, com esse estudo, pareça que a inversão sexual ocorra com relativa frequência em uma espécie, é muito cedo para saber se esse é um fenômeno predominante na natureza... e nas cerca de 7 mil espécies de rãs conhecidas.”
Para Shine, o estudo é só mais um exemplo de "como sabemos pouco sobre alguns dos animais mais comuns do planeta”.