Reprodução do peixe mais raro do mundo foi impedida por besouros mortais
Pesquisadores fizeram uma descoberta inovadora durante esforços para salvar o peixinho-do-buraco-do-diabo que, em 2018, produziu o maior número de ovos já registrado.
OLIN FEUERBACHER NÃO CONSEGUIU acreditar no que via. Era dezembro de 2017 e ele estava revendo uma gravação feita na noite anterior de peixinhos-do-buraco-do-diabo, o peixe mais raro do mundo, mantidos em cativeiro.
Esse peixe elétrico azul com cerca de 2,5 cm de comprimento vive em uma caverna submersa de calcário no deserto de Nevada desde a última Era Glacial. O peixe vive apenas um pouco mais de um ano e, dessa forma, a população está suscetível a grandes oscilações. Porém, recentemente, sua situação ficou bastante sombria: em 2013, a população foi reduzida a apenas 35 peixes.
Desde então, o Serviço Norte-Americano de Pesca e Vida Selvagem inaugurou o Centro de Conservação de Peixes de Ash Meadows, que abriga uma réplica gigantesca, com cerca de 378 mil litros, do Buraco do Diabo, que pode ser controlada e protegida. O objetivo foi criar uma "população resgate" de peixes que pudesse suplementar ou substituir os encontrados na natureza caso eles sejam extintos.
Conforme Feuerbacher assistia à gravação em infravermelho, capaz de mostrar objetos no escuro, uma minúscula larva do peixe, menor do que um grão de pimenta, apareceu na tela. Isso foi uma grande surpresa. Quando uma população é reduzida a um número tão baixo quanto o observado nesses peixes, todo animal, encontrado na natureza ou em cativeiro, larva ou adulto, é importante para a sobrevivência da espécie.
"Fiquei muito animado em ver que a reprodução estava acontecendo no tanque e eu apenas assisti à cena por alguns minutos", afirma Feuerbacher, biólogo de peixes do Serviço Norte-Americano de Pesca e Vida Selvagem. "Então, observei um besouro passar nadando".
Ele começou a rodear o peixe, chegando mais perto.
"Então, ele apenas mergulhou e praticamente dividiu o peixe ao meio enquanto eu assistia", diz Feuerbacher.
Do terror à esperança
Há décadas, os cientistas sabem que besouros mergulhadores compartilham com esses peixes a caverna submersa de calcário, conhecida como Buraco do Diabo. Com mais de 4,3 mil espécies conhecidas pela ciência de todos os continentes, exceto a Antártica, não há muitos corpos de água doce que os besouros mergulhadores não tenham colonizado. Na verdade, Feuerbacher diz que quando ele e outros cientistas entram na caverna para fazer a contagem dos peixes, eles conseguem sentir os insetos mordendo suas pernas.
E ao construírem o tanque de Ash Meadows, os cientistas tentaram recriar o Buraco do Diabo, o que significou trazer água, substrato e algas do ambiente natural. Então, inicialmente, o fato de alguns besouros mergulhadores terem pegado carona não parecia algo ruim.
Ao longo do tempo, os cientistas começaram a suspeitar que os besouros mergulhadores poderiam estar se alimentando dos ovos dos peixes. Mas conseguir pegar uma larva o dobro do seu tamanho? Isso era surpreendente.
Mas também era um alívio. Os esforços de reprodução em cativeiro desde a inauguração do centro não iam bem e ninguém sabia o motivo. Agora, eles sabiam o que precisava ser feito.
Batalha contra os besouros
Em março de 2018, os cientistas começaram a remover ativamente os besouros mergulhadores do tanque utilizando armadilhas que capturavam os insetos conforme eles subiam para respirar.
Durante a primeira coleta de besouros, a gerente do centro, Jennifer Gumm, disse que eles pegaram 500 besouros em 3 horas. E na próxima coleta de ovos de peixe, que é realizada por meio de pedaços de carpete nos quais os peixes gostam de botar seus ovos, a equipe recuperou quase 40 ovos.
Antes disso, eles só haviam conseguido pegar quatro ou cinco ovos durante uma coleta no tanque. Normalmente, não conseguiam pegar nada.
Os pesquisadores concluíram que os besouros estavam se alimentando dos ovos e, removendo mais desses insetos, mais peixes poderão sobreviver. Infelizmente, estamos falando de um besouro do tamanho de uma semente de papoula em um tanque de mais de 378 mil litros, o que significa que erradicá-lo totalmente pode ser impossível.
Atualmente, a equipe não está removendo besouros do verdadeiro Buraco do Diabo por algumas razões. Primeira, os pesquisadores não sabem como isso poderá impactar outros aspectos do ecossistema, afirma Gumm. Segunda, ainda não foram observados besouros se alimentando de ovos na natureza. Terceira, parece haver menos besouros no Buraco do Diabo do que no tanque, e pode ser que no ambiente artificial, eles tenham menos alimentos e consigam comer mais ovos.
Desde a última primavera, a equipe conseguiu pegar os ovos produzidos no tanque e permitir que se tornem peixes adultos em um laboratório separado, graças também a um novo tratamento antimicrobiano que impede que os ovos desenvolvam fungos nocivos.
"Isso é algo que as pessoas tentam fazer há 40 anos", diz Feuerbacher.
Hoje, há cerca de 50 peixes em cativeiro no tanque, diz Gumm, e outros 10 a 20 em desenvolvimento no laboratório de propagação, alguns dos quais também começaram a produzir ovos. Isso significa que os cientistas estão agora coletando ovos de três fontes. E mais, a equipe contou 187 peixes na natureza na última primavera, um recorde em 15 anos.
"O ano de 2018 foi um ano realmente bom para os peixinhos-do-buraco-do-diabo", conta ela.
O besouro de número 10 mil
Ao passo que as recentes novidades sejam interessantes para uma espécie ameaçada, elas também podem render importantes descobertas científicas.
Quando os peixes evoluem isolados, eles podem desenvolver adaptações estranhas, diz Prosanta Chakrabarty, ictiólogo da Universidade do Estado da Louisiana.
Os peixinhos-do-buraco-do-diabo (Cyprinodon diabolis) não possuem barbatanas peitorais, por exemplo, e evoluíram para sobreviver em um habitat mais quente e com menos oxigênio do que pode ser suportado pela maioria dos peixes.
"Como eles conseguem viver em um espaço que é menor do que o escritório de muitas pessoas?", pergunta Chakrabarty. "A maioria dos animais não teria a diversidade genética para viver em um espaço tão pequeno com uma população tão baixa. Então, descobrir como eles sobrevivem é importante para os biólogos evolucionários".
O problema é que não é possível realizar estudos experimentais em uma espécie que luta para sobreviver. Mas se as coisas continuarem como estão considerando a população no tanque, Feuerbacher e Gumm afirmam que um dia pode ser possível realizar os estudos controlados necessários para descobrir não apenas como os peixes persistiram todos esses anos, mas também como é possível ajudá-los melhor no futuro.
Enquanto isso, a batalha contra os besouros continua. Desde março do ano passado, a equipe removeu do tanque milhares de insetos que se alimentam dos peixes.
"O nosso técnico monitora tudo", diz Gumm. "Vou comprar um bolo para ele quando ele capturar o besouro de número 10 mil".