Ursos imitam as expressões faciais uns dos outros assim como os humanos

Os menores ursos do mundo possuem um conjunto de habilidades sociais que anteriormente eram consideradas restritas apenas a macacos e cães, e pode haver mais espécies como eles.

Por Jake Buehler
Publicado 3 de abr. de 2019, 17:35 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Ursos-do-sol conseguem imitar com destreza as expressões de outros ursos-do-sol, com habilidades de mimetismo facial que ...
Ursos-do-sol conseguem imitar com destreza as expressões de outros ursos-do-sol, com habilidades de mimetismo facial que antes eram consideradas restritas aos humanos e gorilas.
Foto de Joël Sartore, National Geographic Photo Ark

NAS INTERAÇÕES SOCIAIS, os nossos rostos podem se tornar espelhos, refletindo expressões sutis à pessoa com a qual estamos dialogando. Pode ser que isso ocorra para fins de validação ou simpatia, mas, independentemente do propósito, o mimetismo facial é uma parte importante do complexo mundo social dos humanos. Não somos os únicos animais que utilizam comunicação facial, mas o nosso grau de sutileza e precisão somente foi observado em nossos parentes gorilas. Agora, pesquisadores recentemente descobriram esse superpoder social em outra espécie, o urso-do-sol, uma espécie bem diferente dos macacos, que são hiperssociais.

Os ursos-do-sol (Helarctos malayanus) são os menores ursos do mundo, do tamanho de cães Rottweiler, e são encontrados nas florestas tropicais do sul da Ásia. Diferentemente dos primatas, que tendem a demonstrar o uso de expressões faciais de forma mais frequente e sofisticada, os ursos-do-sol não formam grandes grupos hierárquicos nos quais complexas expressões faciais teriam um importante papel na comunicação. Eles não são exatamente antissociais, mas cada urso-do-sol escolhe seguir seu próprio caminho, afirma Marina Davila-Ross, psicóloga comparativa da Universidade de Portsmouth e principal autora do estudo, publicado na revista científica Scientific Reports.

"Como animais selvagens, eles praticamente vivem por conta própria", afirma Davila-Ross. "Os machos são bastante territoriais e as fêmeas ficam com suas crias, então é uma das espécies mais solitárias".

É essa natureza solitária que torna a descoberta do mimetismo facial dos ursos-do-sol tão inesperada. As descobertas sugerem que habilidades sociais sofisticadas, como mimetismo facial, não estão limitadas a espécies inerentemente sociais. Se até mesmo os mamíferos que evoluíram para uma vida relativamente solitária podem interagir dessa forma, então, o mimetismo facial pode não ser uma característica social de elite. Talvez interações sociais complexas sejam mais comuns entre mamíferos do que se imaginava.

Mímica na floresta

Davila-Ross estava estudando orangotangos em um centro de reabilitação da vida selvagem em Sabah, Malásia, na ilha de Bornéu, quando ficou intrigada pelos ursos do Centro de Conservação de Ursos-do-Sol de Bornéu, uma organização de resgate e reabilitação próxima dali. Após observar os ursos brincarem, ela percebeu algo curioso nas interações: eles pareciam imitar as expressões faciais uns dos outros. Ao constatarem que havia poucas informações sobre o comportamento dos ursos-do-sol, Davila-Ross e seus colegas decidiram investigar mais.

Ela e sua equipe observaram 22 ursos-do-sol em seus recintos arborizados, registrando em vídeo mais de 370 episódios de brincadeiras. Os pesquisadores passaram então a trabalhar nas gravações, realizando uma análise meticulosa e apontando diferenças nas expressões faciais dos ursos e o momento em que ocorriam.

Os ursos normalmente abriam a boca de duas formas em direção ao parceiro com quem estavam brincando: com os dentes expostos ou com os dentes ocultos sob os lábios. Os pesquisadores descobriram que os ursos predominantemente produziam essas expressões com a boca aberta quando percebiam que o outro urso estava olhando para eles. Até o momento, alterar uma expressão facial sendo alvo da atenção de outro indivíduo era apenas observado em primatas e cães — sendo que esta última espécie convive com os humanos e foi domesticada por eles.

Quando viam uma expressão com a boca aberta, a maioria dos ursos copiava a expressão, normalmente em até um segundo após observá-la. Esse "rápido mimetismo facial" também somente havia sido observado em primatas e cães.

O mais interessante, os imitadores reproduziam de forma exata a expressão escolhida pelo outro urso, não apenas fazendo qualquer expressão facial envolvendo uma boca aberta. Acreditava-se que essa correspondência precisa de expressões fosse apenas dominada por humanos e gorilas. Então, observar que os ursos também usam esse recurso é algo totalmente novo.

Macacos e cães são extremamente sociáveis comparado aos ursos-do-sol, então é inesperado que os ursos possuam essas complexas habilidades de comunicação facial. Do ponto de vista evolutivo, os ursos não têm parentesco próximo com os cães, e muito menos com os macacos. Então, não se trata nem mesmo de uma questão de parentesco. Essa descoberta levanta a possibilidade de os ursos-do-sol, e outras espécies solitárias, serem capazes de interagir uns com os outros de forma mais complexa do que se imaginava.

O ambiente pode significar muito

Davila-Ross não acredita que ela e seus colegas tenham tido apenas sorte ao descobrir uma espécie não primata capaz de imitar expressões faciais. Em vez disso, ela acredita que os resultados demonstram que precisamos repensar as possibilidades entre todos os mamíferos.

"Parece provável que outras espécies também tenham essas habilidades", afirma Davila-Ross, até mesmo as espécies mais solitárias.

Para Elisabetta Palagi, etnóloga da Universidade de Pisa, Itália, que não participou do estudo, a pesquisa fornece uma importante ilustração do potencial social em toda a árvore genealógica dos mamíferos.

"Na minha opinião é um bom artigo", afirma Palagi, mas observa que é importante considerar que o ambiente dos ursos no Centro não se equipara ao ambiente natural, onde vivem mais sozinhos.

"Esses ursos são animais reabilitados, então foram obrigados a conviver uns com os outros", afirma Palagi. Essa oportunidade de conhecer uns aos outros pode facilitar a adoção de novas pistas sociais. Orangotangos, por exemplo, não são tão sociáveis na natureza, afirma ela, mas estabelecem conexões e alianças quando estão em cativeiro convivendo em grupo.

Palagi se pergunta se o grau de mimetismo facial difere de acordo com o grau de familiaridade entre os ursos que estão interagindo. Ela também considera interessante o fato de o mimetismo não influenciar a duração da brincadeira, como ocorre com os cães. Eles sinalizam para o outro uma "sincronia" na disposição para brincar, permitindo que a brincadeira prossiga por mais tempo. Então, qual é o objetivo do mimetismo facial nos ursos-do-sol?

De acordo com Davila-Ross, esse é um ramo de pesquisa que ainda necessita de mais investigação, observando que ela conhece pouco sobre comunicação facial em geral em todas as espécies. No futuro, Davila-Ross espera poder analisar como as diferenças na personalidade dos ursos podem influenciar o sucesso no retorno de animais reabilitados à natureza.

Ela espera que outros grupos investiguem expressões faciais em outros mamíferos não sociais para verificar quão comum essa habilidade de mimetismo pode ser. É possível que muito mais esteja acontecendo aos olhos de nossos distantes e desajeitados primos do que imaginávamos.

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