Por que nunca devemos soltar animais de estimação exóticos na natureza

Tal ação pode ser cruel e perigosa para o próprio animal e também para as espécies nativas.

Por Annie Roth
Publicado 24 de jul. de 2019, 11:34 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Um teiú-gigante (Salvator merianae) no Brasil, sua terra natal. Teiús se tornaram animais de estimação populares ...
Um teiú-gigante (Salvator merianae) no Brasil, sua terra natal. Teiús se tornaram animais de estimação populares nos EUA, onde indivíduos que escaparam ou foram soltos viraram uma espécie invasora na natureza.
Foto de Bernd Rohrschneider, Minden Pictures

NO DIA 10 DE JUNHO, a Polícia Ambiental de Massachusetts, nos Estados Unidos, recebeu uma ligação estranha. “Era o telefonema de uma pessoa dizendo que tinha um lagarto de quase um metro em seu quintal", conta a tenente Tara Carlow.

Ao chegar ao local, os oficiais encontraram o dono da casa insatisfeito e um teiú-gigante adulto. Também conhecidos como lagarto-marau, esses lagartos exóticos podem chegar a 1,2 metro e são nativos de florestas tropicais e savanas da América do Sul. Ainda assim, para Carlow, não foi nenhuma surpresa que um deles tenha aparecido em Chicopee.

“Recebemos esse tipo de telefonema pelo menos uma vez ao ano”, ela conta.

No estado de Massachusetts, teiús-gigantes são amplamente comercializados, e os residentes não precisam de autorização para ter um deles. Os teiús são mestres na arte de escapar, conta Carlow, e essa definitivamente não foi a primeira vez que um deles se perdeu em Massachusetts.

As pessoas normalmente compram animais de estimação exóticos sem saber o que as espera, diz Carlow. Teiús, pítons, papagaios, petauro-do-açúcar e muitos outros bichos vendidos como animais de estimação exóticos podem viver mais de 20 anos, quase o dobro de um cão comum. Cuidar de um animal de estimação exótico que vive por tantos anos é um compromisso caro e, em alguns casos, arriscado — pois esses animais não são domesticados, e seu comportamento pode ser imprevisível. Nos Estados Unidos, pelo menos 300 pessoas já foram atacadas por um animal de estimação exótico desde 1990, de acordo com a organização sem fins lucrativos Born Free USA.

Segundo Carlow, é por todos esses motivos que as fugas — inclusive a soltura intencional de animais de estimação exóticos — não são incomuns.

Uma píton-birmanesa cruza uma estrada na Flórida. Nativa do sudeste da Ásia, agora estima-se que dezenas ...
Uma píton-birmanesa cruza uma estrada na Flórida. Nativa do sudeste da Ásia, agora estima-se que dezenas de milhares delas vivam em Everglades, onde estão dizimando os mamíferos nativos.
Foto de Melissa Farlow, Nat Geo Image Collection

Quando isso acontece, o resultado pode ser catastrófico. Se o animal não morrer devido à predação, exposição ou inanição, ele pode encontrar um parceiro, se reproduzir e se tornar uma espécie invasora.

O comércio de animais de estimação exóticos é atualmente uma das principais causas da disseminação de espécies invasoras, de acordo com uma nova revisão acadêmica publicada no último mês na revista científica Frontiers in Ecology and the Environment. Essa revisão constatou que o comércio de animais de estimação exóticos contribuiu com a instauração de centenas de espécies invasoras e que certamente contribuirá para que mais delas se fixem na natureza.

“Acredito que a maioria das pessoas ainda não entende a proporção que esse comércio tomou”, segundo declaração de Julie Lockwood, principal autora do estudo e professora do Departamento de Ecologia, Evolução e Recursos Naturais da Universidade Rutgers. “O volume de animais vertebrados que são comercializados em todo o mundo é chocante, até para os biólogos especialistas em invasões”.

As espécies invasoras representam o segundo principal causador de perda da biodiversidade do mundo, e estima-se que os EUA gastem com elas cerca de US$ 120 bilhões por ano, e mais de 40% das espécies listadas como ameaçadas ou em risco de extinção nos EUA receberam esse status devido às espécies invasoras. As espécies invasoras alteram habitats, acabam com cadeias alimentares, consomem todas as populações de presas e reduzem as populações de predadores.

De animais de estimação a pragas

O comércio de animais de estimação exóticos é uma indústria multibilionária que envolve milhões de indivíduos de diversas espécies, incluindo répteis, anfíbios, peixes, pássaros e mamíferos. Nas últimas décadas, o comércio ficou cada vez mais difundido, em partes devido à ascensão de mercados não tradicionais, como websites, feiras e mídias sociais. Grande parte das pesquisas sobre esse tipo de comércio está voltada ao papel desempenhado na disseminação de doenças ou na perda de biodiversidade, e pouca atenção foi dada ao seu papel na proliferação de espécies invasoras, segundo os autores do estudo.

“Para tratarmos da ameaça de invasão de animais de estimação exóticos, é crucial aprendermos mais sobre as forças socioeconômicas que impulsionam o grande crescimento do mercado de animais de estimação exóticos”, diz o estudo, além de compreendermos o motivo pelo qual as pessoas soltam seus animais de estimação exóticos na natureza.

Como e por que os animais de estimação exóticos são introduzidos em ambientes estrangeiros ainda não está claro, diz Mark Hoddle, diretor do Centro de Pesquisa de Espécies Invasoras da Universidade da Califórnia em Riverside, que não participou do estudo.

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    “Às vezes os animais escapam de suas jaulas. Em outras ocasiões, as pessoas se cansam de cuidar deles e os soltam”, ele diz. As pessoas também deliberadamente soltam os animais exóticos por motivos religiosos e para que a vizinhança fique “mais interessante”, ele conta.

    Contendo a proliferação

    “A melhor forma de conter a proliferação de qualquer animal inserido na natureza por meio do comércio de animais de estimação é por meio da educação, identificação precoce e rápido combate”, diz Christina Romagosa, bióloga de espécies invasoras do Departamento de Ecologia e Conservação da Universidade da Flórida e coautora do estudo.

    Infelizmente, na Flórida, o teiú já se estabeleceu. Normalmente eles atacam ninhos de espécies que botam ovos, incluindo a tartaruga-do-deserto, que está ameaçada, uma espécie-chave cujas tocas servem como abrigos para centenas de outros animais. Trata-se apenas da última espécie invasora a impactar as aves e os répteis nativos do estado. As infames pítons-birmanesas da Flórida, que se tornaram definitivamente uma espécie invasora no estado por volta do ano 2000, foram consideradas responsáveis  por reduzir a diversidade de mamíferos no estado.

    De modo semelhante, o peixe-leão-vermelho, um peixe de aquário altamente venenoso introduzido nas águas da Flórida no fim da década de 1980, reduziu de forma significativa a abundância e a diversidade da vida marinha nos recifes de coral do estado.

    "Onde quer que eles estiverem, com certeza haverá menos peixes na área — principalmente peixes bons para pesca submarina", conforme contou o pescador submarino Jarrad Thomason  anteriormente à National Geographic.

    Romagosa enfatiza que educar as pessoas é especialmente importante. Ela descobriu que os consumidores que sabem exatamente suas responsabilidades ao comprar um animal de estimação exótico têm menos chances de soltá-los. Pesquisas são igualmente importantes, afirma ela.

    "Simplesmente não possuímos muitas informações sobre quais fatores levam uma espécie a ser incorporada ao comércio [de animais de estimação], ou quais fatores levam à fuga ou à soltura", afirma Lockwood. "Sem essas informações, é muito difícil identificar políticas para que as pessoas ainda gostem de cuidar e interagir com animais de estimação exóticos, e reduzir as chances de o comércio gerar mais espécies invasoras nocivas".

    Ainda não sabemos como — ou por que — aquele teiú fugiu. O fugitivo exótico atualmente mora em uma unidade de preservação de répteis enquanto a polícia tenta encontrar seu proprietário.

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