Fique atento: espécie de água-viva pode queimar mesmo sem tocar em você

Indivíduos do gênero Cassiopea compensam a falta de tentáculos com a emissão de nuvens pegajosas cheias de ferrões com piloto automático.

Por Jason Bittel
Publicado 26 de fev. de 2020, 16:45 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Água-viva do gênero Cassiopea, vista de cima, no Departamento de Zoologia de Invertebrados do Museu Nacional ...
Água-viva do gênero Cassiopea, vista de cima, no Departamento de Zoologia de Invertebrados do Museu Nacional Smithsoniano de História Natural. Uma equipe liderada por cientistas do Instituto Smithsoniano, da Universidade do Kansas e do Laboratório de Pesquisa Naval dos EUA descobriu estruturas microscópicas urticantes no interior do muco secretado pelas águas-vivas do gênero Cassiopea.
Foto de Allen Collins

AO NADAR nas águas de manguezais pelo mundo, dos litorais da Flórida à Micronésia, é possível encontrar uma água-viva capaz de ferroar, apesar de não ter tentáculos. Aliás, nem é preciso tocar nessas medusas para ser atingido.

Como é possível? Segundo um estudo publicado no periódico Communications Biology, o artifício pungente faz uso de nuvens de muco repletas de “granadas” de veneno microscópico.

Essas medusas são conhecidas como águas-vivas invertidas, pois passam a vida de barriga para cima no fundo do oceano e são objeto de estudos há mais de um século. Mas ninguém havia descoberto como a mucilagem das águas-vivas funcionava até agora. A descoberta pode ajudar a explicar por que é tão comum essas águas-vivas ferirem banhistas mesmo à distância.

“Sabíamos que havia uma ligação com o muco”, afirma Cheryl Ames, bióloga marinha do Museu Nacional Smithsoniano de História Natural e coautora do novo estudo.

As águas-vivas do gênero Cassiopea produzem uma grande quantidade de muco pegajoso que aprisiona pequenas presas, como artêmias, semelhante a uma teia de aranha. Alguns peixes morrem na própria mucilagem. Além disso, quando mergulhadores humanos nadam próximos às águas-vivas, podem ter uma “sensação de água queimando” em qualquer lugar onde a pele ficar exposta, apesar de não terem contato direto com os invertebrados. A sensação é normalmente descrita como uma coceira ou queimadura irritante, mas análises de laboratório do veneno sugerem que a exposição excessiva pode provocar ferimentos.

Quando Ames e seus colegas observaram o muco sob um microscópio com grande aumento, viram que algo nadava no muco.

Água-viva do gênero Cassiopea, em exposição no Aquário Nacional.
Foto de of National Aquarium via Cheryl Ames

Os cientistas chamam as estruturas recém-descritas de cassiosomas, mas é possível pensar nelas como pedaços microscópicos de pipoca. Cada granada é formada por um núcleo repleto de muco, várias células urticantes, chamadas nematocistos, e de 60 a 100 cílios semelhantes a pelos que permitem que os cassiossomas nadem pelo muco.

“São autônomas”, afirma Ames, “movem-se como pequenos aspiradores de pó que andam sozinhos, esbarram nas artêmias que lhes fornecemos e as matam com o simples contato, passando, em seguida, para as próximas.”

O segredo da mucilagem

A princípio, os pesquisadores acreditavam que as estruturas que haviam encontrado poderiam ser parasitas. Mas, depois de examinar os glóbulos com uma série de novas tecnologias, incluindo análise de DNA e áreas de tamanho micro para observar as pequenas bolhas esponjosas em três dimensões, a equipe revelou uma origem mais inusitada. Os cassiossomas eram compostos das mesmas células urticantes e material de mucilagem que compõem o corpo dessa água-viva.

Em uma busca mais ampla, a equipe encontrou cassiossomas em outras quatro espécies de medusas, sugerindo que as estruturas não sejam peculiaridades únicas, mas talvez uma característica comum.

Muitos dos cassiossomas continham outra surpresa oculta em seu interior: algas. Certas espécies de algas servem como simbiontes para a água-viva Cassiopea, fornecendo aos animais nutrientes sintetizados a partir da luz solar por meio da fotossíntese. Essas algas dão às águas-vivas sua variedade de tons de cor-de-rosa, azul e verde.

“Não sabemos o que as algas estão fazendo dentro dos cassiossomas”, afirma Anna Klompen, bióloga de águas-vivas, doutoranda na Universidade do Kansas e coautora principal do estudo.

Essas algas podem atuar como baterias movidas a energia solar, uma vez que os cientistas sabem que os cassiossomas podem sobreviver e vagar sozinhos por até 10 dias. “Mas não conseguimos confirmar isso com as técnicas empregadas até agora”, afirma Ames.

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    Embora esteja evidente que os cassiossomas possuem certa autonomia, por assim dizer, serão necessárias mais pesquisas para saber se são capazes de detectar presas ao seu redor e se mover em direção a elas, ou se são simplesmente borbulhas urticantes em piloto automático.

    “Não sei se são capazes de procurar”, afirma Klompen, “mas certamente podem destruir”.

    “Uma adaptação extraordinária”

    Para Angel Yanagihara, bioquímica e especialista em águas-vivas da Universidade do Havaí, em Mānoa, as novas descobertas respondem perguntas de longa data sobre a sensação de água queimando.

    “A explicação mais simples de que o muco era por si só um alérgeno ou alergênico não me parecia plausível”, afirma Yanagihara, que não fez parte do novo estudo. “Portanto, é muito gratificante encontrar uma descrição mais elaborada e exata do que os animais liberam na água”.

    Yanagihara explica que essas águas-vivas são do grupamento taxonômico das medusazoas, tradicionalmente consideradas águas-vivas nadadoras. Mas curiosamente, a evolução da Cassiopea a levou para o fundo do mar da mesma forma que as anêmonas, suas primas distantes.

    Essa descoberta dos cassiossomas nos aproxima de entender como essas criaturas sésseis conseguem capturar suas presas. “Esta é uma adaptação notável”, afirma Yanagihara.

    A maneira exata pela qual essas águas-vivas utilizam seu muco letal ainda não foi descrita pelos cientistas, mas Ames afirma que seu laboratório encontrou indícios. Ao alimentar uma das águas-vivas com um punhado de artêmias, é possível observar como o muco se transforma em uma “nuvem rosa” cheia de crustáceos mortos.

    “Então, dentro de 24 horas, a nuvem rosa desaparecerá”, afirma Ames.

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