Abelhas mamangavas estão entrando em extinção em meio ao caos climático

A perda de agentes polinizadores imprescindíveis, causada em parte por flutuações e picos nas temperaturas, pode surtir efeitos terríveis para os ecossistemas e a agricultura.

Por Douglas Main
Publicado 7 de mar. de 2020, 09:00 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Mamangavas como as da espécie Bombus impatiens são imprescindíveis por seu papel como agentes polinizadores, porém ...
Mamangavas como as da espécie Bombus impatiens são imprescindíveis por seu papel como agentes polinizadores, porém muitas espécies estão ameaçadas pelo calor extremo e outros fatores.
Foto de Clay Bolt, Minden Pictures

A MAMANGAVA, uma das polinizadoras mais importantes, está em risco. Com seus pelos e zumbidos, as mamangavas se sobressaem ao espalhar pólen e fertilizar diversos tipos de flores silvestres, além de culturas agrícolas cruciais como o tomate, o mirtilo e a abóbora.

Mas sua população está em declínio. Novas pesquisas que compilam um conjunto enorme de dados concluíram que os insetos são muito menos comuns do que eram. Na América do Norte, a chance de avistar uma mamangava é 50% menor em qualquer local em comparação a antes de 1974.

Além disso, várias espécies anteriormente comuns desapareceram de muitas regiões onde eram encontradas, extinguindo-se de forma pontual nesses locais. Por exemplo, a mamangava da espécie Bombus affinis, antes abundante em Ontário, não é mais encontrada em todo o Canadá — nos EUA, está em risco de extinção.

Em um artigo publicado na revista científica Science, os pesquisadores utilizaram um processo de modelagem complexo que insinua que seu declínio é provocado predominantemente pelas mudanças climáticas.

Especificamente, os cientistas descobriram que, nas regiões que se tornaram mais quentes na última geração ou que sofreram oscilações mais extremas de temperatura, as mamangavas ficaram menos abundantes. Na Europa, estão 17% mais raras do que no início do século 20. Os cientistas analisaram a população de 66 espécies nos dois continentes.

O estudo sugere que o “caos climático” seja o principal fator causador do declínio das mamangavas, afirma Peter Soroye, líder do estudo e doutorando na Universidade de Ottawa.

“Essas reduções nas populações ocorrem porque as espécies estão sendo expulsas para regiões fora das faixas de temperaturas toleradas por elas”, afirma Soroye. Seu desaparecimento em uma região significa que se mudaram para outro local ou morreram.

Especializadas em frio

É de amplo conhecimento que as mamangavas são mais adaptadas ao clima frio por causa de seus corpos peludos e da capacidade de gerar calor durante o voo, o que geralmente lhes permite que sejam as primeiras abelhas a aparecer na primavera. Ainda não se sabe ao certo a vulnerabilidade da maioria das espécies a ondas de calor e flutuações climáticas, embora esse estudo insinue que há um limite para sua capacidade de adaptação.

E, de fato, está esquentando. Os últimos cinco anos foram os mais quentes já registrados durante os 139 anos em que a Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos EUA vem monitorando as temperaturas globais.

Existem vários mecanismos em ação, afirma Jeremy Kerr, coautor do estudo. Os insetos podem simplesmente superaquecer, como demonstrado por experimentos em laboratório, mas também talvez haja efeitos indiretos sobre a vegetação e as flores que podem fazer com que as abelhas morram de fome, acrescenta ele.

As mamangavas polinizam muitas plantas silvestres, além de plantações importantes como tomate, abóbora e muitos tipos de frutas vermelhas.
Foto de Antoine Morin

As mamangavas vivem por apenas um ano no máximo e as rainhas costumam passar o inverno no solo ou sob a cobertura de folhas mortas. Nesses locais, elas ainda estão vulneráveis a variações de temperatura e a ocorrências como o derretimento do gelo antes do normal e seu recongelamento, afirma Kerr.

O declínio é perigoso em termos ambientais, uma vez que os serviços de polinização das mamangavas são necessários para a reprodução de muitas plantas floríferas, afirma Matthew Austin, doutorando e pesquisador da Universidade de Missouri, em St. Louis, que não participou do estudo publicado.

“Como essas plantas são utilizadas por inúmeros outros organismos, o declínio na população de mamangavas pode surtir efeitos ecológicos em cascata com o potencial de acarretar uma redução na biodiversidade”.

Também pode haver perdas econômicas. Segundo uma avaliação, as abelhas contribuem com mais de US$ 15 bilhões para a economia dos EUA por meio da polinização das plantações.

Outros fatores de declínio

As mudanças climáticas não são o único fator responsável pelo declínio dos insetos. Eles também são ameaçados por agrotóxicos como os neonicotinoides (extremamente tóxicos para todas as abelhas), a destruição de seu habitat causada pela urbanização, a devastação de matas para uso na agricultura, a disseminação de patógenos e a liberação de abelhas não nativas para polinização comercial.

“Esse estudo servirá para chamar a atenção dos cientistas para o papel que o clima pode exercer no declínio dessas abelhas”, afirma Heather Hines, pesquisadora da Universidade Estadual da Pensilvânia, que não participou da pesquisa. “Assim sendo, seus dados mostram que, embora o clima possa explicar em grande parte os declínios populacionais, não é o único responsável pela redução generalizada na abundância de espécies observada ao longo do tempo”.

Os autores concordam e ressaltam que o artigo indica que a perda de habitat também provoca extinções locais. Kerr enfatiza que “não estamos afirmando que a perda de habitat e o uso indevido de agrotóxicos não exerçam influência no declínio... acreditamos que tenham grande importância nesse aspecto, porém de outra maneira”.

“O que estamos destacando é que há um sinal evidente de mudanças climáticas”, acrescenta ele. “Se for ignorado o sinal das mudanças climáticas, não será possível compreender de forma clara o risco das extinções”.

“Embora as abelhas sejam capazes de suportar um fator de estresse isolado, a combinação de vários desses fatores pode levar uma população a um ponto sem retorno”, afirma Matthias Becher, ecologista da Universidade de Exeter, no Reino Unido.

Alguns pesquisadores foram além. Jamie Strange, chefe do departamento de entomologia da Universidade Estadual de Ohio, afirma que o enfoque nas mudanças climáticas pode ser problemático porque ignora muitas outras causas do declínio.

Strange afirma que “a preocupação não é que as conclusões científicas deles estejam erradas, mas que esse estudo tire a atenção de alguns problemas que precisam ser solucionados urgentemente para que as populações de abelhas sejam salvas”, “todos com efeitos tão graves quanto as mudanças climáticas, ou ainda maiores, sobre as populações de abelhas em todo o mundo”.

Como ajudar

Mas há boas notícias, acrescenta Soroye.

Como o artigo sugere que temperaturas extremas podem afetar as mamangavas, a criação de mais parques ou a plantação de árvores e arbustos em ambientes urbanos — oferecendo locais geralmente mais frios do que os espaços construídos ao redor — poderia lhes proporcionar refúgios contra o calor, afirma ele.

É possível fazer ainda mais para ajudar as abelhas.

Entre as soluções mais simples estão o plantio de áreas verdes para as abelhas, com flores nativas que sirvam de alimento às mamangavas, e evitar o uso de agrotóxicos como neonicotinoides. Criar canteiros de flores que floresçam continuamente também pode ajudar, afirma Austin, além de esperar até a primavera para remover as folhas secas do solo, o local ideal para os insetos fazerem tocas.

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