'Cat Tracker': estudo revela passeios secretos de 900 gatos domésticos

É importante entender o destino dos felinos quando saem de casa para garantir a segurança deles e de outros animais selvagens nativos.

Por Jonathan Losos
Publicado 18 de mar. de 2020, 17:00 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Cada gato que participou do estudo utilizou uma espécie de coleira com GPS durante uma semana ...
Cada gato que participou do estudo utilizou uma espécie de coleira com GPS durante uma semana para monitorar seus passeios.
Foto de Heidy Kikillus

O OBJETIVO DO extenso projeto internacional Cat Tracker era simples: descobrir aonde os gatos de estimação vão quando estão fora de casa. Pesquisadores já tentaram abordar essa questão no passado, seja seguindo os gatos a pé (é preciso contar com a sorte!), seja colocando radiotransmissores em suas coleiras. Mas o Cat Tracker chama a atenção por sua escala: quase mil gatos em quatro países usaram rastreadores com GPS durante uma semana para dar uma pista da distância que percorrem e aonde vão.

Seis anos depois, os resultados foram publicados em um novo relatório na revista científica Animal Conservation. A equipe do Cat Tracker compilou dados de diversos continentes para constatar que a maioria dos gatos prefere seu próprio lar.

“Fiquei surpreso como esses gatos se movimentavam pouco”, diz o autor principal Roland Kays, do Museu de Ciências Naturais da Carolina do Norte, nos EUA. “A maioria deles ficava, quase o tempo todo, em um raio de 100 metros do quintal.” Embora seja uma boa notícia que a maior parte dos gatos não perambule em áreas naturais, o estudo revela que gatos de estimação podem causar um caos ecológico e até mesmo se colocarem em risco.

Michael Cove, especialista em gatos do Instituto Smithsoniano de Biologia da Conservação, que estudou os efeitos que gatos selvagens e de livre circulação exercem nos pequenos mamíferos ameaçados em Florida Keys, enalteceu o estudo como sendo “uma grande conquista”.

“Não conheço nenhum estudo que tenha investigado a ecologia espacial de tantos gatos domésticos ou de qualquer espécie domesticada, nesse sentido”, conta ele.

Trajetos longos e curtos

Katniss Everdeen — uma gata de pelos longos, olhos azuis e com um ano de idade, de Durham, na Carolina do Norte — foi uma participante típica. Assim como a maioria dos gatos do estudo, ela ficava principalmente nos arredores de sua casa e no terreno baldio atrás dela. No entanto ela fez diversas visitas aos complexos de apartamentos dos dois lados da casa e, em três ocasiões, atravessou a rua de mão dupla em frente à sua casa. Certa vez, andou mais de 135 metros até um estacionamento industrial. O GPS preso à sua coleira registrava sua localização a cada três minutos e revelou uma área de alcance de cerca de 1,6 hectare.

Na verdade, Katniss passeava um pouco mais que a maioria. Mais da metade dos gatos ficou dentro de aproximadamente 1 hectare, o equivalente à área de um campo de futebol.

Mas isso não quer dizer que todos os gatos sejam sedentários, 7% deles perambularam em uma área de mais de 10 hectares e vários gatos cobriram distâncias enormes. A recordista foi Penny, uma jovem fêmea de um bairro fora da zona central de Wellington, na Nova Zelândia, que percorria as montanhas atrás de sua casa, cobrindo uma área de quase oito quilômetros quadrados.

Outro destaque foi um macho castrado do sudoeste da Inglaterra, cujos passeios eram diferentes dos de todos os outros gatos que participaram do estudo. Max andava por uma estrada do vilarejo de St. Newlyn East até Trevilson, uma distância de mais de 1,6 quilômetro, e depois dava meia volta e retornava para casa. Não se sabe por que ele fez essa viagem duas vezes durante os seis dias em que foi rastreado.

O estudo constatou que, com exceção desses intrépidos exploradores, a maioria dos gatos de estimação percorre distâncias bem menores do que gatos selvagens ou espécies não domesticadas, como a jaguatirica. A explicação parece óbvia — os animais de estimação são alimentados em casa e não precisam explorar locais distantes para encontrar a próxima refeição. Além disso, a maioria dos animais domésticos é castrada, por isso não há a necessidade de encontrar um parceiro para acasalar.

“Sem motivações como comida e acasalamento, a maior parte dos gatos parece se contentar com uma vida mais caseira”, explica Kays.

Os pesquisadores esperavam descobrir diferenças nos passeios de gatos em cada país. Nos Estados Unidos, por exemplo, eles tinham a teoria de que a presença disseminada de coiotes talvez fizesse com que os gatos não fossem muito longe para sua própria segurança. Porém, na verdade, os gatos ficaram perto de casa em todos os lugares estudados, apesar de as distâncias dos gatos australianos terem sido menores do que as de gatos de outros locais. Kays conclui que os “gatos são universalmente preguiçosos”.

Outras descobertas do estudo incluem que machos passeiam mais extensamente do que as fêmeas, gatos férteis mais do que os castrados, bichanos jovens mais do que os idosos e gatinhos do interior mais do que os da cidade.

Caçadores à espreita

Recentemente, existe uma preocupação crescente sobre como os gatos têm um impacto mortal sobre os répteisaves e outros animais selvagens. Os dados de GPS são úteis por mostrarem não apenas a distância que os gatos percorrem, como também quais tipos de lugares visitam. Entre os diferentes países, três quartos dos gatos passam a maior parte do tempo nos quintais e em outros locais modificados por humanos. À primeira vista, parece ser uma boa notícia — em quantas enrascadas Bella poderia se meter estando no quintal e no jardim? Entretanto o artigo ressalta que, por concentrar sua caçada a uma área restrita, os gatos têm um efeito descomunal nas populações selvagens locais. Além disso, considerando o imenso número de gatos de estimação — quase 100 milhões nos Estados Unidos, na última contagem — esses efeitos locais podem se acumular e resultar em um enorme impacto geral.

 “As zonas urbanas têm uma vida selvagem que já é afetada pelo desenvolvimento humano e pela fragmentação da paisagem”, afirma Troi Perkins, uma das autoras do estudo, que liderou a coleta de dados nos EUA quando era estudante de graduação na Universidade Estadual da Carolina do Norte.

“Quanto mais gatos de estimação houver por aí, mais estresse e vítimas fatais serão vistos entre as espécies selvagens locais”, conta ela. “O impacto ecológico dos gatos domésticos que passeiam ao ar livre pode ser ainda mais negativo quando houver fauna selvagem ameaçada ou em risco nas proximidades.”

Perigos externos

Cerca de 10% dos gatos saíam dos jardins e passavam a maior parte do tempo em habitats naturais. Esses felinos, que exploram florestas e pântanos, não apenas poderiam ir atrás de espécies que não são encontradas nas paisagens dominadas por humanos, como também poderiam acabar virando a presa — sabe-se que coiotes e dingos têm uma predileção especial por caçar gatos.

A pesquisa destacou outro perigo que os gatos enfrentam: os carros. Em média, um gato atravessou a rua 4,5 vezes durante os seis dias de monitoramento. “Muitas pessoas, quando receberam os dados de seus gatos, ficaram mais preocupadas com o fato de eles atravessarem as ruas do que com seu efeito na fauna selvagem”, conta Heidy Kikillus, líder da equipe na Nova Zelândia. Quando ela foi verificar, meses após o término do monitoramento, de fato, diversos gatos haviam sido atropelados.

Embora o estudo Cat Tracker tenha aprimorado nosso conhecimento sobre as vidas dos gatos de estimação ao ar livre, os pesquisadores dizem que ainda há muito mais a ser aprendido. Saber aonde os gatos vão é um avanço importante, mas para entender de verdade seu impacto no meio ambiente e a vulnerabilidade a ameaças, precisamos saber o que eles realmente fazem.

As câmeras felinas, que fazem vídeos do ponto de vista dos gatos, são uma forma de descobrir o que os gatos andam aprontando. Uma abordagem complementar é pegar emprestado a tecnologia desenvolvida para estudar a velocidade alcançada pelos guepardos ao caçar. “Estamos desenvolvendo uma nova tecnologia que combinará GPS de maior resolução com acelerômetros para mapear com mais precisão o comportamento dos gatos, em especial, com que frequência eles caçam”, conta Kays.

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