Abelhas usam ferramenta incomum para repelir ataques de vespas-gigantes

No Vietnã, abelhas-asiáticas estão utilizando fezes para espantar as primas das “vespas-assassinas”. A descoberta pode ajudar abelhas de outros países a se protegerem de vespas invasoras.

Por Douglas Main
Publicado 11 de dez. de 2020, 12:29 BRT
Abelhas-asiáticas desenvolveram uma série de artifícios para evitar ataques de vespas-gigantes.

Abelhas-asiáticas desenvolveram uma série de artifícios para evitar ataques de vespas-gigantes.

Foto de Satoshi Kuribayashi, Minden

NO LESTE DA ÁSIA, as abelhas sofrem ataques incessantes de um inimigo implacável: vespas-gigantes. Essas predadoras matam abelhas isoladamente, mas também invadem colmeias em grupo. Em um ataque violento, essas grandes vespas inicialmente decapitam todas as abelhas encontradas, depois ocupam a colmeia e devoram sem pressa as larvas das abelhas.

Para se defender das vespas, as abelhas-asiáticas desenvolveram várias táticas criativas, como formar um enxame conhecido como “bola de abelhas” ao redor das inimigas, que eleva a temperatura e as aquece até a morte.

Mas, em uma nova pesquisa realizada no Vietnã, os cientistas descobriram um truque ainda mais inusitado das abelhas: cobrir a entrada da colmeia com excremento animal.

Essa “marcação fecal” espanta as vespas-gigantes — é o primeiro exemplo evidente de uso de ferramentas conhecido em abelhas, afirma Heather Mattila, entomologista da Faculdade Wellesley em Massachusetts e coautora do estudo, publicado em 9 de dezembro no periódico PLOS ONE.

Antes desse estudo, os pesquisadores nunca haviam investigado a causa das marcas pretas comumente observadas cobrindo as entradas das colmeias no Vietnã e em outras regiões no sudeste da Ásia. Mattila e seus colegas notaram que os materiais escuros eram, na realidade, fezes de vários animais, como galinhas e vacas. Os pesquisadores também comprovaram que as fezes espantavam as vespas da espécie Vespa soror, conhecidas popularmente como vespas-gigantes.

Segundo Mattila, cuja pesquisa foi parcialmente financiada pela National Geographic Society, “foi incrível” entender definitivamente a estratégia das abelhas. É “um dos artifícios mais interessantes já estudado por nosso grupo (de pesquisa)”.

O estudo possui ainda mais relevância porque a Vespa soror é a parente mais próxima da Vespa mandarinia, também conhecida como vespa-gigante-asiática, ou vespa-assassina, cuja descoberta recente no noroeste do Pacífico deixou o mundo todo intrigado.

Compreender como o comportamento das abelhas vietnamitas evita ataques de vespas pode ajudar a proteger abelhas em outros países, incluindo nos Estados Unidos, explica Mattila.

Além de que “a combinação de vespas-assassinas com cocô chama muita atenção”, brinca ela.

Excremento dissuasivo

Mattila e seus colegas, após centenas de horas observando abelhas em um apiário vietnamita, concluíram que as abelhas passam a colocar fezes nas entradas das colmeias após ataques naturais de vespas-gigantes. Ao analisar mais de 300 filmagens de diferentes ataques de vespas, a equipe determinou que as vespas ficavam menos propensas a permanecer na entrada da colmeia ou iniciar uma invasão se a colmeia estivesse coberta de fezes.

Os pesquisadores também constataram que colocar um papel embebido em extrato de corpos de vespas-gigantes próximo à entrada da colmeia fez com que as abelhas começassem a cobri-la com excrementos.

Ainda não se sabe ao certo como a cobertura com fezes repele as vespas. Ao que parece, os insetos não gostam desse odor, mas também podem não apreciar ter de mastigar o ninho coberto de excremento, comportamento empregado para aumentar a abertura da colmeia e assim facilitar o ataque, afirma Mattila.

As fezes também podem funcionar como uma espécie de camuflagem olfativa. “Colmeias normalmente possuem um aroma doce de mel” e as vespas podem usar esse aroma para encontrá-las, afirma Lars Chittka, que estuda a percepção e o comportamento das abelhas na Universidade Queen Mary de Londres. “É possível que o odor desagradável das fezes mascare esse aroma.”

Ataque de vespas-gigantes-asiáticas (Vespa mandarinia) a abelhas no Japão. Uma nova pesquisa mostra que os membros da espécie Vespa soror, os parentes mais próximos das vespas-gigantes, cuja aparência e comportamentos são semelhantes, são repelidos por excrementos depositados pelas abelhas perto da entrada das colmeias.

Foto de Mark MacEwen, Nature Picture Library, Alamy

Pânico de vespas-assassinas

Desde o primeiro avistamento de vespas-gigantes-asiáticas no noroeste do estado de Washington no fim de 2019, entomologistas vêm trabalhando freneticamente para evitar que a espécie se estabeleça e tudo indica que tiveram certo êxito. Em outubro, biólogos do estado encontraram e removeram o primeiro ninho vivo conhecido desses insetos vorazes.

Um dos motivos pelos quais a invasão vem recebendo tanta atenção é que as vespas-gigantes-asiáticas são conhecidas por atacar as abelhas-europeias que, ao contrário das abelhas-asiáticas, são indefesas contra as predadoras.

As abelhas-europeias são as abelhas mais comuns nos Estados Unidos e são responsáveis pela polinização de muitas espécies de plantas. Também compõem a maioria das colmeias comerciais e são mais eficientes na produção de mel do que suas congêneres asiáticas.

Mattila explica que, após ser determinado o papel exato dos excrementos na prevenção de ataques de vespas, os apicultores poderão utilizar essa substância para cobrir as entradas das colmeias e desencorajar ataques de vespas. Mas ainda faltam muitas informações.

Talvez esse comportamento possua algumas desvantagens. As abelhas normalmente são bastante limpas e meticulosas — uma das razões pelas quais a descoberta foi chocante, segundo Mattila — então é possível que usar excrementos como fator de dissuasão possa dificultar o cumprimento dos padrões sanitários empregados na produção de mel.

Alvoroço em relação  às ferramentas

Esse uso recém-descoberto de excrementos animais é considerado uma forma de uso de ferramentas pelas abelhas porque os animais “seguram e manipulam algo” para moldar seu ambiente. É uma “descoberta bastante inovadora”, afirma Susan Cobey, geneticista independente da Califórnia, especializada em melhoramento genético de abelhas e que não participou do estudo.

Artigos científicos sobre o uso de ferramentas por animais são complexos e às vezes polêmicos, dependendo da definição convencionada de “ferramenta”, afirma Mattila. Foi demonstrado o uso de ferramentas também por outros insetos; por exemplo, algumas vespas-solitárias utilizam pedras para compactar o solo e proteger seus ninhos. As ferramentas não precisam necessariamente ser objetos como paus ou pedras, também podem ser materiais como excrementos.

Contudo alguns pesquisadores não sabem ao certo se a marcação fecal seria considerada uma ferramenta: “é um pouco de exagero afirmar que essa seja a primeira demonstração de uso de ferramentas”, escreveu por e-mail Stephen Martin, entomologista da Universidade de Salford, no Reino Unido. “A espécie também utiliza folhas para marcar as entradas das colmeias e seus ninhos são feitos de papel” — comportamentos que, segundo ele, também podem ser classificados como uso de ferramentas.

Bob Jeanne, especialista em vespas da Universidade de Wisconsin-Madison, afirma que os autores estão “corretos em considerar esse o primeiro exemplo de uso de ferramentas por uma abelha... Acredito que foi utilizada uma definição razoável”.

Tanto Martin quanto Jeanne concordam que o comportamento é fascinante. “A capacidade dos insetos sociais de nos surpreender parece não ter fim”, afirma Martin. “Ainda são muito escassos nossos conhecimentos sobre seu comportamento e esse é mais um grande exemplo disso.”

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