Dermatite alérgica a ectoparasitas: um guia básico

A saliva de alguns parasitas possui substâncias que desencadeiam processos de hipersensibilidade. Prevenir ou eliminar o contato de pets com pulgas e carrapatos é o primeiro passo para garantir o bem-estar dos animais.

Prevenir ou eliminar o contato de pets com pulgas e carrapatos é o primeiro passo para garantir o bem-estar de animais portadores da DAPE.

Foto de Getty Images
Por National Geographic Creative Works
Publicado 19 de jul. de 2022, 15:38 BRT, Atualizado 20 de jul. de 2022, 10:50 BRT

Os quadros alérgicos em cães e gatos são comumente desencadeados por picadas de pulgas e também de carrapatos. Por isso, o que antigamente era denominado DAPP (dermatite alérgica à picada de pulgas) é hoje denominado DAPE (dermatite alérgica a ectoparasitas): uma condição que acomete cães de qualquer localização geográfica, incluindo grandes centros urbanos.

A saliva desses parasitas possui substâncias que funcionam como antígenos, ou seja, alérgenos que desencadeiam processos de hipersensibilidade. O quadro alérgico, porém, pode não acontecer imediatamente após o contato, e sim depois de uma exposição prolongada a esses parasitas. A coceira — que chamamos de prurido — é bastante intensa e incômoda para o animal. Na rotina das consultas dermatológicas, durante a entrevista com o tutor — chamada anamnese — costumamos perguntar qual é a classificação dessa coceira numa escala de zero (não coça) a dez (coça o tempo inteiro), sendo que uma nota dez indica um animal que chega a acordar ou parar de brincar ou comer para se coçar. É comum tutores darem uma nota acima de oito, o que mostra como a coceira é uma manifestação clínica que causa extremo desconforto, muitas vezes exigindo o uso de medicações para promover alívio.

Além disso, a coceira desencadeia lesões como escoriações, que são autoinduzidas pelas garras dos cães, e crostas hemorrágicas, formadas pelo sangramento causado por mordidas, além da ausência de pelos principalmente na região dorsal das costas — chamada de região lombo sacra. Isso também pode ocorrer quando o animal esfrega essa área em móveis ou paredes no ato de coçar, o que vai progressivamente eliminando os pelos — uma manifestação denominada alopecia.

Nos gatos, a coceira nem sempre é tão óbvia para os tutores. Em vez de coçarem com as patas e se esfregarem, os gatos, na maioria das vezes, manifestam o prurido pela lambedura excessiva da região lombo sacra. Dessa forma, com o tempo, podem surgir lesões de autotraumatismo ou, mais comumente, a alopecia. Porém, como lamber-se faz parte da higienização normal dos gatos, tutores podem acabar só percebendo a condição após o surgimento de alguma lesão na pele.

Considerando que, para os pacientes alérgicos, esses parasitas diminuem muito seu bem-estar e provocam inúmeras manifestações e incômodos, é importante pensar em um protocolo de tratamento que inclua não apenas medicamentos para a manifestação, ou seja, a coceira, mas também que enderecem a causa, ou seja, que eliminem e previnam o contato com pulgas e carrapatos.

Não existe um teste cutâneo ou sorológico confiável para que a DAPE seja diagnosticada ou excluída com confiabilidade, portanto os veterinários devem tratar esse paciente durante um período médio de três meses, com uso contínuo de preventivo contra ectoparasitas. Dessa forma, cobre-se todo o ciclo da pulga por um tempo seguro, garantindo que o paciente esteja livre desse parasita em todas as suas formas. Somente após esse período, que também inclui prevenção contra carrapatos, fecha-se ou exclui-se o diagnóstico de DAPE.

O tratamento para essa doença dermatológica é eliminar o contato com ectoparasitas, ou seja, receber preventivo contra pulgas e carrapatos durante o ano inteiro. Há uma analogia com seres humanos que facilita bastante o entendimento do tutor: é comum que humanos tenham alergia a frutos do mar; essas pessoas manifestarão a alergia ao comerem um único camarão ou uma torta de camarão inteira. O mesmo ocorre na relação dos pets com pulgas e carrapatos: um paciente alérgico vai manifestar a alergia ao receber a picada de uma única pulga ou de uma infestação. Sendo assim, o cão e o gato e todos os seus contactantes, mesmo os não alérgicos e que não apresentam parasitas visíveis, precisam receber preventivos.

Outro ponto importante é que, em grande parte dos pacientes que são alérgicos a esses parasitas, não encontramos pulgas ou carrapatos durante o exame físico, justamente porque apenas 5% das formas de vida são pulgas adultas. Se considerarmos que a maior parte do ciclo acontece no ambiente, realmente não é comum observarmos pulgas adultas nos cães. Nos gatos, isso é ainda menos provável, já que o hábito comportamental da lambedura para higienização acaba fazendo com que eles engulam grande parte dos parasitas.

Dizer a um tutor que seu animal é alérgico a algo que ele não vê é uma tarefa desafiadora, inclusive porque há uma falsa correlação entre pulga e falta de higiene. É muito importante esclarecer ao tutor que se trata apenas de um parasita extremamente resistente, difícil de combater sem o uso de produtos adequados, e explicar todo o prejuízo que os parasitas trazem ao animal e ao ser humano.

Além disso, tutores tendem a achar que apenas o paciente alérgico deve receber o preventivo, mas deve-se ressaltar que, como os ovos são invisíveis e se espalham facilmente pelo ambiente a partir das pulgas que estão nos animais, todos os cães e gatos presentes na casa devem receber preventivos durante o ano todo. Os contactantes podem favorecer a perpetuação desses parasitas no ambiente, fazendo com que o paciente alérgico volte a entrar em contato com a pulga e desenvolva todo o desconforto decorrente do quadro.

Mesmo pacientes que não saem de casa correm o risco de entrar em contato com pulgas, pois os tutores podem trazer ovos aderidos em seus sapatos e roupas. Por isso, a DAPE pode ocorrer em todos os animais: tanto os que têm histórico de passeios quanto aqueles que vivem o tempo todo em ambientes internos.

Os carrapatos, em termos de ocorrência, são mais importantes em cães. Seus tutores deve saber que esse parasita também está presente em centros urbanos, ainda que muitos acreditem que só existem carrapatos em áreas rurais. Além dos quadros de alergia, o carrapato transmite doenças sistêmicas que podem até levar à morte, portanto, a prevenção é essencial.

Os quadros alérgicos em cães e gatos são responsáveis pela maior porcentagem das doenças dermatológicas em todo o mundo. Como o Brasil é um país de clima tropical, isso favorece ainda mais a permanência desses ectoparasitas por todo o ano. Mesmo para aqueles pacientes que não têm alergia a ectoparasitas, mas apresentam alergias alimentares ou dermatite atópica — uma alergia a inalantes —, recomenda-se a prevenção contra ectoparasitas durante o ano todo, pois a presença de pulgas e carrapatos por si só já pode ser um fator somatório de coceira, o que é muito prejudicial a um paciente com qualquer quadro dermatológico.

No passado, pelo tipo de relação homem–animal, não havia uma preocupação tão grande com ectoparasitas e considerava-se normal a presença de pulgas e carrapatos em cães e gatos, já que viviam em quintais ou mais distantes. Hoje em dia, pets são parte da família, muitas vezes dormindo na cama dos tutores, o que torna essencial a preocupação com zoonoses — doenças transmissíveis por esses parasitas ao ser humano.

Por todas essas razões, a prevenção contra ectoparasitas é recomendada desde as primeiras consultas do filhote, prescrita no momento da vacinação, para que esses animais possam ter uma vida mais livre e mais feliz, envolvendo passeios, contato com a natureza e bons momentos junto aos seus tutores, com segurança e tranquilidade.

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