Nanoagulhas e reconhecimento facial: empresas aéreas se adaptam em busca de segurança

Aviões e aeroportos estão empregando novas tecnologias futurísticas em resposta à pandemia da covid-19.

Por Jackie Snow
Publicado 20 de ago. de 2020, 17:00 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 01:56 BRT
Comissária de bordo da Buddha Air veste um traje de proteção e protetor facial durante um ...

Comissária de bordo da Buddha Air veste um traje de proteção e protetor facial durante um exercício de segurança a bordo de um avião em Kathmandu, Nepal.

Foto de Prabin Ranabhat, SOPA Images/LightRocket/Getty Images

A VIAGEM DE AVIÃO que fiz recentemente, de Washington, D.C. à Eugene, Oregon, nos EUA, não foi diferente de qualquer voo de 2019. Apesar da camiseta na loja de presentes do aeroporto com a frase “Desculpe pelo que eu disse quando estávamos em quarentena”, a experiência foi familiar — mesmo com passageiros de máscara e aviões com apenas metade da capacidade. Porém, especialistas afirmam que os voos podem ser muito diferentes no futuro.

Uma revolução tecnológica no setor de aviação já havia começado mesmo antes da pandemia, mas as demandas médicas e de materiais geradas pela covid-19 trouxeram urgência e velocidade à corrida que busca tornar as viagens aéreas dos passageiros mais seguras. No solo e no ar, robôs de limpeza, novos uniformes de EPI para comissários de bordo e exames médicos obrigatórios podem se tornar padrão de viagens aéreas futuras.

Veja como a tecnologia pode transformar sua próxima viagem.

Robôs responsáveis pela limpeza

A desinfecção ganhou um novo significado durante a pandemia e a radiação ultravioleta C (UV-C) lidera o tema. A radiação UV-C é um comprimento de onda que danifica o DNA e RNA do vírus, fazendo com que ele pare de se replicar e morra. É um ramo da ciência conhecido desde a metade do século 20, utilizado em lugares como hospitais para esterilizar quartos e aparelhos. Agora, a indústria de viagens analisa como pode aproveitar a radiação para conter a disseminação do coronavírus.

Robôs limpando o chão com luz ultravioleta no Aeroporto Internacional de Pittsburgh. Esses raios ultravioletas matam o vírus nas superfícies.

Foto de Jeff Swensen, Getty Images

Antes da pandemia, o Aeroporto Internacional de Pittsburgh já estava trabalhando com a startup local, Carnegie Robotics, no teste de robôs de limpeza autônomos que utilizam pressão de água e desinfetante químico. Depois que o vírus surgiu, a empresa ofereceu a instalação do componente UV-C.

Os quatro robôs parecem niveladores de gelo em miniatura e têm o nome de heróis voadores — Amelia, Orville, Wilbur, e Rose, em homenagem a Rose Collins, a primeira mulher a receber a habilitação de aviadora na Pensilvânia, em 1929. “O público que viaja os adora”, diz Christina Cassotis, CEO do Aeroporto Internacional de Pittsburgh. “A equipe de limpeza os adora porque conseguem focar em outras áreas”.

Os robôs funcionam de oito a 10 horas por dia até que a bateria precise ser carregada. A intensidade da luz pode ferir os olhos, mas ela fica cuidadosamente protegida para atingir apenas o chão. O teste foi tão bem-sucedido que Cassotis conta estar procurando mais robôs para limpar os corrimãos e o sistema de transporte de trem que percorre terminais.

Como a exposição à luz ultravioleta pode trazer risco de desenvolvimento de câncer, qualquer ferramenta criada deve priorizar a eficácia e a segurança, de acordo com Praveen Arany, professor da Universidade de Buffalo e especialista em usos terapêuticos de lasers e luz.

Robôs de limpeza que empregam técnicas mais tradicionais, como os da Roomba, estão trabalhando no Aeroporto Internacional de Cincinnati. O Neo — um esfregão de chão que pesa quase 500 quilos e custa US$ 50 mil, que parece ser a mistura de uma mala de rodinhas com um motor de popa — é produzido pela AvidBots, do Canadá, e utiliza tecnologia 3D e lasers para mapear suas rotas e desviar de quiosques, bancas de comida ou crianças circulando no local.

Seu rosto é o seu passaporte

Antes da pandemia da covid-19, os aeroportos já estavam investindo em tecnologia sem toque para agilizar o processo de embarque. Hoje, essas mesmas ferramentas sem toque também ajudam a impedir a transmissão do vírus.

“A tecnologia existente se popularizará mais rápido do que o esperado”, comenta Andrew O’Connor, vice-presidente de gerenciamento de portfólio da Sita, empresa de tecnologia de aeroportos. “As pessoas podem usar o rosto sem precisar tocar muito nas coisas”.

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    Uma agente de embarque da United Airlines auxilia os passageiros posicionada atrás de um escudo plástico protetor no Aeroporto Internacional O’Hare, em Chicago.

    Foto de Brian Cassella, Chicago Tribune/Tribune News Service/Getty Images

    Em vez de entregar seu passaporte ou bilhete de embarque, seu rosto será escaneado por um dispositivo biométrico. A maioria utiliza sensores que permitem que as feições únicas de cada pessoa — a curva da orelha, o formato da testa — comprovem sua identidade. Companhias aéreas como a Delta, Air France e JetBlue já haviam começado a implantar processos de embarque biométrico antes da pandemia e O’Connor relata que o interesse de outras companhias aéreas e aeroportos aumentou. E embora as ferramentas de reconhecimento facial tenham sido criadas antes de o uso de máscaras ser obrigatório, ele diz que a tecnologia é capaz de identificar os passageiros mesmo com o rosto meio coberto.

    Ainda que essas tecnologias prometam tornar as viagens mais seguras, elas podem ameaçar a segurança das informações se não forem protegidas contra violações de dados.

    Não é apenas o processo de embarque que está entrando no mundo da fantasia: quiosques de autoatendimento, entrega de bagagens e portões também estão sendo preparados para o uso de biometria a fim de reduzir as interações entre a equipe e os viajantes, além de reduzir o número de vezes em que você precisará mostrar seus documentos.

    Exames de saúde tornam-se rotina

    Os exames de saúde também podem se tornar parte da experiência sem contato físico dos aeroportos. A maioria das pessoas já viu imagens de passageiros tendo sua temperatura aferida com um termômetro portátil em portões de embarque ou locais de controle de segurança. Mas cada vez mais os aeroportos estão utilizando (ou testando) câmeras de triagem térmica, as quais detectam o calor que emana do corpo de uma pessoa e, em seguida, aferem a temperatura corporal. O objetivo de ambos os dispositivos é detectar pessoas com febre que possam estar infectadas com a covid-19. As companhias aéreas solicitaram ao governo dos Estados Unidos que fossem realizadas verificações de temperatura nos aeroportos para oferecer aos passageiros mais segurança e confiança nas viagens de avião .

    Mas os especialistas — incluindo a Organização Mundial da Saúde — indicam que essas triagens não detectarão indivíduos assintomáticos que têm covid-19 e aqueles infectados que não tiveram febre.

     

    Uma oficial de segurança do Aeroporto de Istambul utiliza um leitor de temperatura para escanear os passageiros. Embora os dispositivos possam ajudar a identificar pessoas com febre, não conseguem detectar a covid-19.

    Foto de Yasin Akgul, Xinhua, Eyevine, Redux

    Um novo dispositivo chamado Symptom Sense pode oferecer às companhias aéreas uma melhor noção do estado de saúde de um passageiro do que uma leitura de temperatura. A engenhoca se parece e funciona como o portão com detector de metais pelo qual os viajantes passam a caminho de seus voos. Em cinco segundos (e sem contato físico), o aparelho afere a temperatura do passageiro, os níveis de oxigênio no sangue, a frequência cardíaca e a frequência respiratória.

    Derek Peterson, CEO da Soter Technologies, desenvolvedora do Symptom Sense, diz que a tecnologia foi lançada em junho e que já está em negociações com aeroportos, companhias aéreas e com a agência de Administração de Segurança de Transporte (TSA) dos Estados Unidos sobre a compra do dispositivo para verificar sinais vitais dos passageiros como parte dos procedimentos de triagem.

    “É basicamente como uma simulação de uma consulta médica”, resume Peterson. “O objetivo é criar uma abordagem em etapas para detectar se a pessoa está saudável ou não”.

    Isso pode inclusive significar a desinfecção de passageiros na chegada. Ao pousar no Aeroporto Internacional de Hong Kong, os futuros visitantes talvez precisem entrar em uma cápsula de pressão negativa, que parece a fusão de uma cápsula espacial de ficção científica com um pequeno elevador. O dispositivo, chamado de CLeanTech, realiza um tratamento de 40 segundos com “nanoagulhas”, tecnologia fotocatalítica e um spray higienizador, tudo para proteger os viajantes e funcionários do aeroporto de possíveis infecções virais. O dispositivo estava em fase de testes no início deste ano. Porta-vozes do aeroporto dizem que ele poderá ser amplamente utilizado até 2021.

    Viagens sem contato físico com a ajuda de aplicativos

    Os passageiros utilizam smartphones há mais de uma década para realizar o check-in em voos, verificar se perderão conexões rápidas ou trocar de assento, mas os dispositivos móveis se tornarão ainda mais essenciais na experiência de voo durante a pandemia de covid-19.

    Quando o reconhecimento facial não estiver disponível, os aplicativos podem interagir com quiosques e portões de embarque para reduzir o contato físico. Os alertas móveis podem reduzir aglomerações, enviando uma notificação para que os clientes embarquem e não se aglomerem ao redor do portão de embarque ou na fila da ponte de embarque — uma zona de perigo sem muita circulação de ar que coloca as pessoas em risco de contato próximo com outras pessoas sem nenhuma ventilação— um modo primário de transmissão da covid-19.

    “Tudo o que puder ser feito para reduzir a quantidade de pessoas reunidas é uma boa ideia”, afirma Paloma Beamer, professora de saúde pública da Universidade do Arizona.

    No Aeroporto Internacional de Miami e em diversos outros aeroportos dos Estados Unidos, o software de detecção de movimento, denominado Safe Distance, está sendo instalado para ajudar os passageiros a praticarem o distanciamento físico e coletar dados sobre como as pessoas se reúnem e se movimentam nas filas. O sistema utiliza câmeras para rastrear movimentos e computadores para processar números. Atualmente, o sistema é utilizado apenas como uma ferramenta para as autoridades aeroportuárias verificarem se precisam de melhor sinalização de distanciamento físico ou procedimentos de segurança mais eficazes para distanciar as pessoas. Mas no fim das contas, esse sistema (ou um semelhante) pode ser utilizado em aplicativos de embarque de smartphones ou exibido nos painéis da TSA.

    A mudança mais significativa nos smartphones pode ser um segundo procedimento de check-in. As principais companhias aéreas dos Estados Unidos estão trabalhando em um projeto de rastreamento de contatos em toda a indústria, que contaria com um aplicativo de terceiros para coletar dados sobre os passageiros antes de eles viajarem. Beamer, que está ajudando a desenvolver um aplicativo de rastreamento de contato físico para a Universidade do Arizona, analisa como essa ideia será especialmente útil para o setor de aviação civil. “Se esses aplicativos puderem ser utilizados de forma mais ampla, poderão ser úteis nos voos, por exemplo”, explica. “Há muitas oportunidades para uso dessa tecnologia.”

    Comissários de bordo ganham novos uniformes

    As companhias aéreas costumavam considerar os corredores de aviões como mini-passarelas da moda, com comissários de bordo bem vestidos (pense nas aeromoças da Pan Am de terninhos azuis modernos por volta de 1971). Contudo, as tripulações de cabine de hoje e do futuro talvez utilizem equipamento de proteção individual (EPI), que já é necessário para os viajantes de alguns voos da Qatar Airways, AirAsia, Thai Airways e Philippine Airlines.

    Há um certo toque futurista em algumas das roupas de segurança: os novos uniformes de EPI da AirAsia parecem roupas de proteção de risco biológico, na cor vermelha chamativa. As tripulações da Philippine Airlines agora utilizam protetores faciais e macacões brancos com um arco-íris em um dos ombros.

    Essa moda funcional é aceitável, segundo o Dr. Niket Sonpal, gastroenterologista e professor da Faculdade de Medicina da Universidade Touro, mas os comissários de bordo devem vestir essas roupas como se estivessem em um ambiente médico. “É necessário haver treinamento de EPI”, acrescenta. “Saber como não colocá-lo, como não mexer nele e, em seguida, como retirá-lo”.

    O objetivo continua sendo proteger os passageiros e os comissários de bordo, que estão altamente expostos à covid-19 no trabalho. Pelo menos um comissário de bordo faleceu após contrair o vírus durante o treinamento profissional. Outros, que contraíram a doença estão com a suspeita de terem adoecido no trabalho. Outras centenas foram internadas.

    Um conjunto completo de EPI pode ser um exagero ou “teatro de higiene”, especialmente com alguns hospitais ainda batalhando para manter o equipamento de proteção em estoque, de acordo com Sonpal. Os comissários de bordo e outros trabalhadores essenciais precisam do apoio de seus locais de trabalho e das pessoas ao seu redor para seguirem as diretrizes de saúde, como usar máscaras e higienizar as mãos. “Ainda resta muito a ser descoberto a respeito desse novo coronavírus”, explica. “Estamos viajando por nossa conta e risco”.

    E quanto à qualidade do ar que circula dentro de um avião? É um risco teórico, uma vez que as membranas mucosas em nossas vias nasais podem secar durante o voo, tornando-as mais suscetíveis a um vírus. Entretanto, os especialistas acreditam que os filtros HEPA em sistemas de ventilação em funcionamento neutralizam o vírus, tornando o ar (que se renova a cada três minutos) seguro para respirar — de preferência através de uma máscara N95 limpa.

    “As tecnologias podem realmente nos proporcionar mais segurança”, afirma Kacey Ernst, epidemiologista e professora da Universidade do Arizona, “mas se, em resposta a isso, nossos comportamentos se tornarem mais arriscados, os benefícios da tecnologia podem ser anulados”.

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