Novas imagens de buracos negros contêm pistas de mistérios cósmicos

Uma grande colaboração para observar um buraco negro de diversas maneiras ajuda os cientistas a desvendarem o que acontece quando a gravidade é levada a extremos.

Por Nadia Drake
Publicado 20 de abr. de 2021, 17:00 BRT
black hole

A colaboração da equipe do Telescópio Event Horizon produziu a primeira imagem de um buraco negro, divulgada em 2019, utilizando rádio-observatórios. Agora, os astrônomos analisam o objeto em diferentes comprimentos de onda para desvendar ainda mais segredos. Nesta imagem, a visão foi criada com o uso de luz polarizada que permite aos cientistas rastrear o campo magnético do buraco negro.

Image by EHT Collaboration

No centro de uma galáxia gigantesca a 55 milhões de anos-luz de distância, um buraco negro que pesa 6,5 bilhões de sóis lança uma fonte de matéria no cosmos quase na mesma velocidade que a da luz. Com um objeto denominado Telescópio Event Horizon (EHT, na sua sigla em inglês), os cientistas fizeram uso das ondas de rádio para capturar um retrato desse buraco negro, presenteando-nos com o primeiro vislumbre na história do seu ambiente de condições extremas, próximo a sua borda, em 2019

Dois anos depois, a equipe internacional que produziu a imagem surpreendente, em conjunto com outros parceiros, publicou os resultados de uma campanha de observação de 2017 que examinou simultaneamente a galáxia hospedeira, Messier 87 ou M87, em diferentes comprimentos de onda.

O relatório, publicado no periódico The Astrophysical Journal, inclui dados de 19 observatórios terrestres e espaciais, cuja autoria é de mais de 750 cientistas. Ele descreve uma análise mais completa do buraco negro supermassivo e seu jato grandioso, permitindo aos cientistas estudar melhor como os campos magnéticos, partículas, gravidade e radiação interagem nos arredores de um buraco negro supermassivo, em múltiplas escalas.

“Ele detém todo o conhecimento da física, não é mesmo? Tudo está contido lá”, alega Daryl Haggard, da Universidade McGill, que ajudou a coordenar as observações de diferentes comprimentos de onda. “Estamos realmente começando a ver órbitas, bem ao lado do buraco negro e que sondam esse ambiente singular.”

“Acho que esse é um dos artigos que realmente conectam o EHT ao resto da comunidade — é uma amostra do verdadeiro propósito dessa instalação”, acrescenta a integrante da equipe, Sera Markoff, da Universidade de Amsterdã. “Acredito que isso seja o começo de tudo.”

Agora, a equipe do EHT está em meio a uma corrida de observação crucial de 12 dias — a primeira que conseguiram fazer desde 2018, devido a problemas técnicos e à pandemia de covid-19. Dessa vez, a colaboração adicionou três novos telescópios ao seu conjunto de observatórios, incluindo uma instalação na Groenlândia, e novamente explora o céu em comprimentos de onda que abrangem o espectro eletromagnético — contanto que o clima coopere. 

“É necessário que haja condições muito boas em todos os locais”, explica Monika Moscibrodzka, da Universidade Radboud. “E quanto mais locais de observação tivermos, menor será a probabilidade de condições perfeitas em todos eles.”

Um doce cósmico

Os buracos negros têm figurado entre os fenômenos astronômicos mais intrigantes e atrativos há mais de um século, cativando nossa imaginação com suas condições extremas da física e o fato de que o que neles entra nunca mais sai de lá. Mas esses buracos cósmicos ganharam mais destaque apenas recentemente, em grande parte devido à imagem produzida pelo EHT, além de estudos vencedores de prêmios Nobel sobre objetos que orbitam o buraco negro supermassivo, no centro da Via Láctea, e a miríade de informações adquiridas por meio da observação de buracos negros que colidem entre si.

“Nos últimos anos, evoluímos de buracos negros sendo considerados um elemento de ficção científica para buracos negros que se tornaram realidade”, comemora Marta Volonteri, do Instituto de Astrofísica de Paris.

Na verdade, o Telescópio Event Horizon engloba múltiplos radiotelescópios, dispersos por todo o planeta, da Groenlândia ao Polo Sul, que atuam juntos como um observatório do tamanho da Terra. Fazer essas imagens do buraco negro supermassivo da M87 requer a combinação de uma enorme quantidade de dados — tantos dados que a equipe não consegue transferi-los digitalmente, o que a obriga a ter de enviar arquivos de forma física, pelo correio. 

Quando a equipe divulgou a primeira imagem, em abril de 2019, os cientistas ficaram surpresos: o objeto era quase exatamente igual ao que fora previsto por uma teoria centenária.

A imagem da M87 foi uma oportunidade de testar a teoria de relatividade geral de Einstein, que postula que a nossa percepção sobre a gravidade advém da matéria, que modula o espaço-tempo. O ambiente em torno do centro da M87 é intenso — uma confusão de alta temperatura e gravidade extrema, campos magnéticos e partículas — tornando-o um dos melhores lugares do universo para desafiar a relatividade geral.

“Estamos sempre tentando romper essas teorias porque aprendemos muito quando encontramos uma hipótese que as coloca à prova”, comenta Haggard. “Adoramos contestar modelos. Mas ainda não conseguimos romper a relatividade geral.”

Ao passo que a relatividade geral foi constatada com a M87, a imagem do EHT foi eficaz na rápida disseminação de seu significado entre a população geral. O XKCD ilustrou diversas vezes a equipe em suas tirinhas sagazes e sobrepôs o sistema solar sobre a abertura do buraco negro para representar sua escala. Outros, compararam seu anel brilhante com o Olho de Sauron, da trilogia O Senhor dos Anéis. Mas o debate mais polêmico se deu em torno da sua semelhança com uma sobremesa.

“É mais parecido com uma rosquinha ou um sonho doce com um furo no meio?” Volonteri pergunta.

Uma atualização da imagem original, montada por Moscibrodzka e seus colegas, encerrou a discussão no mês passado: o buraco negro parece um cruller, que é uma rosquinha trançada. Na imagem mais recente, as assinaturas do campo magnético do buraco negro são dispostas em camadas no anel reluzente original, revelando um padrão suave e organizado que envolve o enorme objeto. Moscibrodzka e seus colegas estudaram partículas carregadas que traçam linhas de campo magnético para fornecer uma visão mais detalhada das condições físicas extremas que cercam o buraco negro.

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Saiba como se formam e o que podem fazer os buracos negros.

Colorindo um lugar que não projeta nenhuma luz

Recentemente, conforme relatado no novo estudo, as observações em diferentes comprimentos de onda estão colorindo ainda mais essa imagem saborosa.

Os cientistas esperam que essas observações combinadas ajudem a revelar a física que alimenta o gigantesco jato de partículas em erupção no núcleo da M87. O jato se difunde por milhares de anos-luz, estendendo-se pela galáxia e, de alguma forma, é lançado de uma poça de plasma borbulhante, campos magnéticos retorcidos e outros tipos de matéria que giram ao redor do buraco negro.

Os cientistas suspeitam que esses jatos possam ser responsáveis por uma população de partículas cósmicas de energia extremamente alta que chegam até nossa galáxia, onde são conhecidas como raios cósmicos. Embora o sol lance uma bolha protetora em torno de grande parte do sistema solar, partículas energéticas ainda podem escapar, e algumas das que se chocam com a atmosfera da Terra estão viajando a velocidades tão absurdas que não podem ter se originado dentro da Via Láctea.

“Uma das principais questões que estamos tentando investigar é de onde vêm as partículas de alta energia”, complementa Markoff. “Como esses jatos são lançados, o que há dentro deles e de que forma os raios cósmicos de alta energia — que parecem se originar em jatos de buracos negros — são acelerados? Não conseguimos responder a essas perguntas apenas com o EHT.”

Com as novas observações, os cientistas podem entender melhor o jato — que emite luz em todos os comprimentos de onda, de ondas de rádio a raios gama — e entender se ele está, de fato, lançando matéria no espaço a uma velocidade a que os maiores aceleradores de partículas da Terra nunca poderiam se igualar.

Da mesma forma, uma imagem melhor da anatomia do jato poderia revelar algumas propriedades ainda misteriosas sobre o buraco negro da M87, como a velocidade com que ele está girando e em que direção. Essas medições oferecerão pistas sobre como o buraco negro supermassivo cresceu e se ele ganhou massa nos últimos bilhões de anos, principalmente por meio de colisões com outros buracos negros supermassivos ou se alimentando do gás que o circunda.

“De certa forma, as rotações carregam uma memória melhor de como os buracos negros crescem em massa do que a medição da massa em si”, conclui Volonteri.

No horizonte do EHT

Com o desenrolar da campanha de observação desta semana, os cientistas estão novamente mirando seus telescópios à galáxia M87 para observar de que forma o buraco negro pode ter mudado. Ele estava em um estado quiescente e adormecido durante a campanha de observação de 2017, o que permitiu que a equipe analisasse seu núcleo. No momento, “estamos muito curiosos para ver como a M87 evoluirá em escalas de tempo mais longas — queremos saber o que vamos descobrir desta vez”, complementa Moscibrodzka.

A equipe do EHT também tem observado o buraco negro supermassivo mais próximo da Terra: Sagitário A*, ou SgrA *, que está estacionado no centro da Via Láctea. Com uma massa igual a cerca de quatro milhões de sóis, o SgrA* é menos pesado do que o objeto supermassivo da M87, mas também está muito, muito mais perto da Terra e do EHT, apenas 25,6 mil anos-luz de distância.

No entanto nosso buraco negro supermassivo também é mais temperamental. Com frequência, movimenta-se e se espalha ao engolir material, às vezes suas explosões duram uma única noite. Essas oscilações na sua atividade são uma das razões pelas quais leva-se mais tempo para montar uma imagem.

“De uma perspectiva observacional, isso nos impõe diversos desafios”, explica Haggard. “Como é possível obter uma imagem estável de algo que varia o tempo todo?”

É um árduo desafio, mas uma imagem do SgrA* está sendo produzida — e, em breve, com as muitas observações em mãos, estaremos próximos de compreender os enigmas agitados que se escondem no cerne das galáxias e que criam uns dos fenômenos mais extremos no universo observável.

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