Buraco negro recém-descoberto pode ser o mais próximo da Terra
Apelidado de “unicórnio”, o singular objeto também está entre os menores buracos negros já encontrados e pode ajudar a solucionar um dos mistérios mais duradouros da astrofísica.
Um pequeno buraco negro orbita com uma estrela gigante vermelha a cerca de 1,5 mil anos-luz da Terra. Foi a atração dele sobre a estrela que revelou o objeto invisível aos astrônomos.
Quão pequeno pode ser um buraco negro? Por várias décadas, astrônomos trabalharam para responder a essa pergunta calculando os buracos negros em nossa região do universo.
Foram encontrados diversos desses objetos, de tamanhos grandes e médios, ao longo dos anos — incluindo um buraco negro supermassivo no coração de nossa galáxia. Mas até recentemente, não havia sinais de buracos negros pequenos, e isso representou um mistério de longa data na astrofísica.
Agora, astrônomos descobriram um buraco negro com apenas três vezes a massa do Sol, o que o torna um dos menores já encontrados — e também é o buraco negro mais próximo conhecido, a apenas 1,5 mil anos-luz da Terra.
A descoberta “implica que há muitos outros [pequenos buracos negros] que poderíamos encontrar se aumentássemos a área do espaço que pesquisamos”, afirma Tharindu Jayasinghe, astrônomo da Universidade Estadual de Ohio e principal autor de um novo artigo que detalha a descoberta na revista científica Monthly Notices of the Royal Astronomical Society. A descoberta “deve produzir um esforço para encontrar esses sistemas”.
Jayasinghe e seus colegas apelidaram o objeto de “unicórnio”, em parte por ser único e por ter sido encontrado na constelação de Monoceros, batizada por antigos astrônomos com a palavra grega para unicórnio. Ao estudar esse unicórnio e outros objetos semelhantes, os pesquisadores esperam obter um entendimento mais claro do que acontece com as estrelas nos momentos finais de suas vidas e por que algumas delas colapsam e se tornam buracos negros, enquanto outras deixam para trás densas cascas estelares chamadas estrelas de nêutrons.
Procurando pelo invisível
Uma vez que nenhuma luz pode escapar de um buraco negro, eles só podem ser detectados por meios indiretos. A maioria dos buracos negros conhecidos foi encontrada procurando pelos raios-X emitidos quando o objeto invisível atrai o material de uma estrela companheira em órbita. À medida que esse material se aquece em um anel denso ao redor do buraco negro, conhecido como disco de acreção, ele emite radiação que pode ser detectada com telescópios de raios-X.
O unicórnio, no entanto, foi encontrado por um método diferente. A equipe de Jayasinghe usou dados de diversos observatórios para medir mudanças periódicas no brilho e espectro de luz provenientes de uma estrela gigante vermelha conhecida como V723 Mon. Esses tipos de observações têm sido usados há várias décadas para procurar por exoplanetas, que podem ser extremamente difíceis de serem localizados diretamente.
A equipe deduziu que há um objeto companheiro invisível atraindo a gigante vermelha, distorcendo-a no formato de uma gota. Os dados fornecem a massa combinada de ambos os objetos e, se a estrela for mais pesada do que a estimativa da equipe, é possível que o objeto invisível seja uma estrela de nêutrons. Mas os pesquisadores acreditam que esse companheiro é provavelmente um pequeno buraco negro.
Embora o unicórnio esteja mudando a forma da gigante vermelha, ele não está extraindo material dela. Isso significa que não há disco de acreção e, portanto, também não há raios-X, razão pela qual ele passou despercebido até agora. Essa falta de emissões de raios-X em buracos negros “silenciosos” pode explicar por que foram encontrados tão poucos de tamanho pequeno até agora.
Buracos negros com mais de cinco vezes a massa do nosso sol parecem ser abundantes, mas abaixo desse número, eles se tornam escassos. Os astrônomos se referem à intrigante falta de buracos negros pequenos como a “lacuna de massa”.
Preenchendo a lacuna de massa
Antes da descoberta do unicórnio, vários outros candidatos a buracos negros dentro da lacuna de massa tinham sido considerados. Em 2019, a mesma equipe anunciou que havia encontrado um objeto escuro orbitando uma estrela gigante — no entanto suas estimativas para a massa do objeto eram menos precisas e eles só puderam concluir que era um buraco negro “ou uma estrela de nêutrons inesperadamente massiva”.
No ano passado, outra equipe de astrônomos descobriu o que acreditavam ser um sistema triplo, a cerca de 1,1 mil anos-luz da Terra, contendo um buraco negro de cerca de quatro massas solares orbitando com duas estrelas. Se esse sistema realmente contiver um buraco negro, seria o mais próximo da Terra conhecido, mas outras pesquisas geraram dúvidas sobre a descoberta.
Outros resultados tentadores vieram de detectores de ondas gravitacionais, como o Observatório de Ondas Gravitacionais por Interferômetro Laser, ou Ligo, na sigla em inglês. Em 2019, astrônomos observaram uma fonte de ondas gravitacionais conhecida como GW190814, criada pela colisão de dois objetos. Um deles pesava apenas 2,6 massas solares — o que significa que deve ter sido uma estrela de nêutrons extremamente pesada ou o buraco negro mais leve conhecido. Além disso, acredita-se que a fusão de duas estrelas de nêutrons, observada como um evento de onda gravitacional em 2017, tenha criado um buraco negro de cerca de 2,8 massas solares.
Infelizmente, objetos detectados por ondas gravitacionais são difíceis de estudar a longo prazo. Eles tendem a ficar muito além de nossa galáxia, o que significa que só são descobertos pelos astrônomos quando emitem uma breve explosão de ondas gravitacionais. Depois disso, eles se tornam impossíveis de serem detectados.
O unicórnio, por outro lado, está em nossa região da galáxia e poderá ser estudado por muitos anos. “O fato de seu companheiro ser uma gigante vermelha, e de estar perto de nós, torna a observação mais precisa e confiável”, explica Vicky Kalogera, astrônoma da Universidade Northwestern que não participou da nova pesquisa.
Colapso no espaço-tempo
Os astrônomos esperam que o unicórnio e outros objetos semelhantes possam ajudar a esclarecer a física que comanda a formação de buracos negros e estrelas de nêutrons. Ambos os objetos se formam quando uma estrela chega ao fim de sua vida, esgotando seu suprimento de combustível nuclear. Mas o que acontecerá com qualquer estrela depende de sua massa.
Se a estrela for um pouco maior que o nosso sol, ela explode em uma supernova. O que restar dela é comprimido pela gravidade para formar uma estrela de nêutrons — um objeto tão denso que o material é compactado com a força de um núcleo atômico.
Porém, se o objeto for muito mais pesado, ele irá desmoronar ainda mais sob a força da gravidade, criando um buraco negro. Mesmo que a estrela tenha vivido por 10 milhões de anos, esses momentos finais se desenrolam numa velocidade incrível.
“Em um intervalo de um a cinco segundos, a estrela ou explode como uma supernova e produz uma estrela de nêutrons, ou entra em colapso e forma um buraco negro”, explica Todd Thompson, astrônomo da Universidade Estadual de Ohio e um dos coautores do artigo sobre o unicórnio. “Ou pode haver um caso intermediário, em que a estrela sofre uma leve explosão, mas ainda possui material desmoronando, produzindo um buraco negro. Tudo isso ocorre em pouquíssimo tempo.”
Um dilema para os pesquisadores é que é impossível estudar a física relevante diretamente. “Ainda não entendemos totalmente como a matéria se comporta em densidades nucleares”, afirma Kalogera. “Esse é o desafio da astronomia: não podemos simular essas densidades em laboratório.”
Buracos negros menores, como o unicórnio, podem ajudar os cientistas a montar esse quebra-cabeça cósmico.
Um entendimento mais claro pode surgir quando mais dados forem liberados pela espaçonave Gaia, da Agência Espacial Europeia, projetada para mapear as posições das estrelas no céu com extrema precisão, talvez revelando outros pequenos buracos negros atraindo suas estrelas companheiras.
Os astrônomos também aguardam ansiosamente pela próxima divulgação de dados do Sloan Digital Sky Survey, programa de levantamento de dados astronômicos que utiliza um telescópio no Novo México para fornecer visões detalhadas de milhões de objetos celestes e que, dessa forma, pode revelar o movimento das estrelas conforme respondem a companheiros invisíveis. Pequenos buracos negros também podem ser encontrados pelo Observatório Vera C. Rubin, atualmente em construção no Chile.
À medida que mais dados se tornarem disponíveis, os astrônomos esperam descobrir se a escassez de buracos negros pequenos aponta para algum aspecto novo da física estelar — ou se eles estão, na verdade, espalhados por toda a galáxia, impossíveis de serem encontrados até então porque só agora desenvolvemos os meios para procurá-los.