Uma surpresa psicodélica pode estar prosperando em seu jardim

Potentes cogumelos do gênero Psilocybe estão crescendo em canteiros urbanos no noroeste dos Estados Unidos – o que sugere que seu futuro está ligado às pessoas.

Por Daniel Merino
Publicado 10 de mai. de 2022, 12:41 BRT
Das cerca de uma dúzia de cogumelos urbanos comuns, espécies amantes de lascas de madeira, que ...

Das cerca de uma dúzia de cogumelos urbanos comuns, espécies amantes de lascas de madeira, que crescem no noroeste da América do Norte, há três que são de particular interesse para os caçadores de cogumelos mágicos: potencialmente psicodélicos Psilocybe cyanescens, Psilocybe allenii e Psilocybe ovoideocystidiata (foto). Quando cogumelos contendo psilocibina são esmagados ou machucados, eles ficam com uma cor azul arroxeada profunda. Basta comer alguns cogumelos, frescos ou secos, para embarcar em sua própria aventura psicodélica.

Foto de Michael Christopher Brown

Todo inverno e primavera, quando as condições são perfeitas, algo mágico começa a acontecer nos estados americanos da Califórnia, Oregon e Washington. Depois de algumas boas chuvas, noites frescas e um pouco de sol, teias de micélio branco começam a produzir cogumelos em inúmeros leitos de lascas de madeira.

Passeando por qualquer bairro de São Francisco, na Califórnia, não é incomum ver uma dúzia de espécies de cogumelos urbanos crescendo em jardins e áreas ajardinadas de prédios de escritórios ou complexos de apartamentos. Três espécies são de particular interesse: os potencialmente psicodélicos Psilocybe cyanescens, Psilocybe allenii e Psilocybe ovoideocystidiata

P. cyanescens e P. allenii são duas das centenas de espécies de cogumelos do gênero Psilocybe que contêm o composto alucinógeno psilocibina. Pesquisas sobre esses fungos psicodélicos ainda estão em sua infância, mas a maioria dos trabalhos atuais está focada em explorar seu potencial para tratar problemas de saúde mental, como transtorno de estresse pós-traumático e depressão. Ainda há muito a aprender sobre sua biologia, ecologia e história evolutiva.

Jordan Jacobs mostra a um colega forrageiro um Psilocybe ovoideocystidiata em um pequeno parque que fica entre uma casa e uma escola, perto de Bellevue, Washington.

Foto de Michael Christopher Brown

Para começar, onde eles crescem na natureza é realmente um mistério. “Você pode andar pela floresta para sempre na Califórnia e não os verá”, diz Alan Rockefeller, micologista-chefe da empresa farmacêutica internacional Mimosa Therapeutics. E, no entanto, eles são de longe as espécies psicodélicas mais comuns nos Estados Unidos, em parte porque o Noroeste Pacífico (região noroeste da América do Norte) tornou-se o epicentro desses cogumelos mágicos, amantes das madeiras que surgem em paisagens urbanas.

Esses cogumelos “se alimentam de madeira que já teve muitas das coisas nutritivas retiradas dela”, explica Jason Slot, biólogo que estuda genética evolutiva de fungos na Universidade Estadual de Ohio. Eles não querem a madeira recém-caída, mas sim coisas um pouco mais velhas, diz ele. “Os açúcares se foram há muito tempo, e outros fungos já tiveram sua chance com os carboidratos mais simples, como a celulose.” Simplificando, eles adoram lascas de madeira.

Assim como ratos, pombos e baratas, esses psicodélicos mais potentes não apenas sobrevivem, mas prosperam em ambientes urbanos e suburbanos cheios de restos, que são como camas de adubo.

“Os seres humanos fazem coisas extremamente antinaturais – erguem grandes selvas de concreto onde depositam grandes quantidades de restos de madeira”, diz Jordan Jacobs, um caçador de fungos e químico que administra um laboratório no estado americano de Oregon que testa cogumelos mágicos. “É fascinante que um cogumelo psicoativo que tem potenciais efeitos duradouros na consciência humana tenha decidido que esse nicho ecológico se adapta bem a ele.”

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      Um Psilocybe ovoideocystidiata se projeta ao lado de outros fungos em forma de dedos, Xylaria, que coabitam uma lasca de madeira. O Xylaria cresce em madeira podre e é usada comercialmente para adicionar cores e padrões à madeira – um processo chamado ‘spalting’.

      Foto de Michael Christopher Brown

      Habitat exposto e uma defesa psicodélica

      O P. cyanescens e o P. allenii são ambos pequenos – nunca crescem mais do que 5 ou 7 cm de altura – e têm chapéus castanhos, caules brancos e esporos roxos-escuros. A única diferença entre os dois é que os chapéus do P. cyanescens desenvolvem uma borda ondulada característica, razão pela qual são comumente chamados de chapéus ondulados. P. ovoideocystidiata, também chamados de ovóides, parecem semelhantes, mas são um pouco maiores, com caules mais grossos. Como a maioria das espécies de Psilocybe, esses cogumelos ficam com um azul arroxeado profundo quando são esmagados ou machucados.

      Em todo o mundo, os cogumelos mágicos são comumente encontrados em esterco de herbívoros, onde o animal e outros fungos já absorveram a maioria dos nutrientes. Slot acha que é essa preferência por habitats expostos, como lascas de madeira e pilhas de estrume, que pode ter levado à evolução de compostos psicodélicos.

      “Os fungos são realmente nutritivos para alimentação”, diz Slot, e como nem esterco nem pedaços soltos de madeira oferecem muita proteção, ele acredita que os cogumelos provavelmente desenvolveram a capacidade de produzir compostos psicoativos como defesa contra animais de pastoreio. A pesquisa mostrou que a psilocibina se liga a certos receptores no cérebro de ratos, então Slot levanta a hipótese de que “altas populações de pequenos mamíferos poderiam fornecer pressão de seleção suficiente no cogumelo para apoiar a evolução de um composto neuroativo”.

      Os pesquisadores ainda precisam investigar seriamente se os animais experimentam alguma reação psicodélica ao comer psilocibina, mas, considerando como os humanos respondem a eles, Slot aponta com uma risada que “não é necessariamente verdade que todos os animais não gostam de ficar chapados”.

      Jordan Jacobs, um colhedor de cogumelos mágicos recreativos, vasculha lascas de madeira em busca de sua recompensa em fungos.

      Foto de Michael Christopher Brown

      Espécies globais

      As origens geográficas desses cogumelos mágicos são igualmente misteriosas. O P. cyanescens foi descrito pela primeira vez em um artigo de 1946 escrito por Elsie Wakefield, um micologista e patologista de plantas que os encontrou no Kew Gardens, na Grã-Bretanha. Kew é um extenso jardim botânico com uma coleção de dezenas de milhares de espécies vivas de plantas e fungos coletadas de todo o mundo, além de milhões de amostras secas.

      “Certamente não foi aí que ele evoluiu”, diz Rockefeller, da Mimosa Therapeutics, um dos micologistas que estudam espécies de Psilocybe mais reconhecidos. Ele pode recitar nomes latinos mais rápido do que a maioria das pessoas pode entendê-los e tem um conhecimento quase enciclopédico de cogumelos da costa oeste dos Estados Unidos.

      Ele diz que a evidência genética aponta para a Austrália ou o Noroeste Pacífico como o lar ancestral do cogumelo. Mas hoje, o P. cyanescens é uma espécie global cuja história natural está fundamentalmente entrelaçada com as pessoas. Eles foram documentados na maior parte dos Estados Unidos, em toda a Europa, na África do Sul, na Nova Zelândia e na Austrália.

      A história de origem do P. allenii é similarmente encoberta. Mas no artigo de 2012 que descreveu pela primeira vez o P. allenii, Rockefeller e seus colegas o chamam de sinantropo, um organismo que prospera em lugares construídos por e para humanos. Embora a origem do P. ovoideocystidiata seja menos misteriosa – cresce selvagem no vale do rio Ohio – hoje todas as três espécies de fungos estão em sintonia com a expansão humana.

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        À esquerda: No alto:

        Um punhado de lascas de madeira de um jardim em Portland é colorido de branco com o micélio de outro cogumelo psicodélico, o Psilocybe azurescens.

         

        À direita: Acima:

        Jordan Jacobs vasculha lascas de madeira em um bairro urbano onde já encontrou psilocibos antes.

        fotos de Michael Christopher Brown

        “Eles existem por causa dos ambientes que criamos. De onde quer que tenham vindo, quem sabe se algum dia saberemos”, diz Slot. “Os cyanescens estão apenas seguindo para onde nós ‘adubamos’.”

        Lascas de madeira, umidade, cogumelos

        Em áreas relativamente frias e úmidas como os estados americanos de Washington e Oregon, o P. cyanescens e ovóides podem ser encontrados crescendo em ambientes mais naturais, incluindo gramíneas costeiras e ao longo de riachos, mas o que eles realmente amam são lascas de madeira regadas regularmente. E uma vez que você se move mais para o sul da Califórnia, todas as três espécies se tornam fungos exclusivamente urbanos.

        Rockefeller passou mais tempo do que a maioria procurando por cogumelos mágicos e traz a perspectiva única de um naturalista para sua busca.

        “Eles gostam muito que as lascas de madeira sejam irrigadas”, diz ele. “Eu definitivamente os vejo nos leitos de lascas de madeira do parque Golden Gate (São Francisco). Os jardins de torres de escritórios também são um habitat muito bom.” Os complexos de apartamentos na Bay Area também servem o mesmo propósito. E em uma reviravolta maravilhosa, de acordo com Rockefeller, “você os verá na delegacia e na prefeitura”.

        Jacobs, o coletor de cogumelos recreativos que administra um laboratório de testes, encontrou seus primeiros cogumelos mágicos no campus da Universidade Estadual de Humboldt, na Califórnia, onde era estudante. “Eu estava saindo de uma prova na sexta-feira, caminhando para casa, para meu apartamento, e no caminho encontrei um afloramento de Psilocybe allenii. E bem, isso é mais barato e melhor que cerveja.”

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          Os caçadores de cogumelos, com cestas na mão, começam sua busca em um parque em Seattle, estado americano de Washington.

          Foto de Michael Christopher Brown

          De acordo com Rockefeller, os cogumelos mágicos urbanos não são exatamente raros, mas não vão brotar de cada pedaço de palha.

          “Se você tem apenas alguns metros quadrados de lascas de madeira, você tem menos de 1% [de chance] de encontrá-las lá. Mas, se você encontrar algum tipo de jardim com 2 km² de restos de madeira, então você pode caminhar a tarde toda e haverá vários afloramentos.”

          Como os cogumelos se espalham

          Os P. cyanescens, P. allenii e P. ovoideocystidiata provavelmente se originaram no Noroeste Pacífico e Meio-oeste dos Estados Unidos, respectivamente. Mas agora eles crescem na maior parte dos EUA, Europa e em algumas outras partes incrivelmente distantes do globo. Isso levanta uma pergunta óbvia: como eles estão se locomovendo?

          A resposta mais direta é a natural, explica Jessie Uehling, bióloga de fungos da Universidade Estadual de Oregon: os esporos são carregados pelo vento.

          “Os esporos são como as sementes de um cogumelo”, diz ela. “O ar entra e gira fisicamente sob o chapéu do cogumelo, coleta os esporos e depois segue seu caminho.” Esses esporos pousam em um pedaço não colonizado de restos de madeira e, se as condições forem adequadas, começam a crescer. “Eles estão prontos para colonizar um recurso assim que ele estiver disponível.”

          Há outra teoria na comunidade dos cogumelos – parte lenda, parte ciência – sobre como o P. cyanescens consegue aparecer em tantos lugares. Em 2001, dois micologistas britânicos publicaram um estudo sobre como cogumelos que prosperam em lascas de madeira, incluindo o P. cyanescens, estavam se espalhando pela Inglaterra. Nele, eles escrevem que essas espécies podem ter infestado a cadeia de fornecimento de pedaços de lenha.

          Essencialmente, o pensamento é o seguinte: o micélio, a estrutura semelhante a uma raiz que decompõe o material e da qual os cogumelos nascem, está vivendo e se espalhando em grandes pilhas nos centros de produção ou distribuição de lenha. Sempre que essas lascas de madeira são enviadas para algum lugar novo, os cogumelos acompanham.

          Há apenas evidências anedóticas disso acontecendo nos Estados Unidos e, sem um estudo genético abrangente, é impossível fazer afirmações fortes de uma forma ou de outra. Mas, como diz Uehling, “sempre que lascas de madeira estiverem disponíveis, você verá fungos de decomposição de madeira, incluindo Psilocybe”.

          Jacobs diz não ter dúvidas de que os cogumelos mágicos estão na cadeia de fornecimento de lenha. Ele ouviu histórias sobre P. cyanescens crescendo ao longo de uma estrada perto de uma fábrica de fertilizantes onde madeira recém-cortada caía de caminhões. Ele também diz que conhece pessoas que compraram plantas de grandes lojas e viveiros apenas para ter um cogumelo Psilocybe crescendo em casa.

          Embora a questão da cadeia de suprimentos de lenha permaneça sem resposta, todos os especialistas entrevistados para a reportagem concordaram com uma maneira pela qual os cogumelos mágicos certamente se espalham: humanos. Rockefeller e Jacobs são, eles mesmos, polinizadores desses fungos. 

          “Quando eu os encontro, arranco a base do caule e a planto em alguma lasca de madeira fresca nas proximidades”, diz Rockefeller. Leva apenas um pequeno pedaço do caule e micélio para iniciar um afloramento totalmente novo. “Esses cogumelos são realmente eficazes em transformar lascas de madeira em adubo, então voltarei um ou dois anos depois e o local original não terá cogumelos. Mas todas as que plantei nas redondezas vão dar frutos.”

          A cada inverno, a variedade relatada desses cogumelos se expande, para o deleite dos colhedores de cogumelos. À medida que os movimentos de legalização ganham força e as evidências se tornam cada vez mais fortes para o uso de cogumelos mágicos como poderosas intervenções de saúde mental, será interessante ver onde a colheita urbana se encaixa no cenário cultural e médico em evolução.

          “As pessoas estão percebendo o quão legal é caçar cogumelos”, diz Rockefeller, “e o motivo disso é certamente psicodélico”.

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