Chef Gordon Ramsay busca inspiração culinária em lugares remotos

Na série “Sabores Extremos”, Gordon explora localidades singulares para aprender os segredos culinários dos moradores de cada região – com uma dose de aventura.

Por Jill K. Robinson
Publicado 6 de ago. de 2019, 15:15 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Gordon Ramsay ao lado de Mario, um agricultor local no Peru, antes de provar uma refeição tradicional: porquinho-da-índia assado.
Foto de NATIONAL GEOGRAPHIC/ERNESTO BENAVIDES

É um dia quente e ensolarado na Ilha Stewart/Rakiura na Nova Zelândia — um daqueles dias que faz as pessoas terem vontade de faltar ao trabalho, arrumar uma cesta de piquenique e ir para a praia. Vestindo shorts, os membros do grupo alcançam o topo da colina verdejante no litoral e acompanham seu guia, enfileirados como patinhos, até a enseada isolada onde as águas calmas do oceano reluzem, convidando-os a tirarem os sapatos e sentirem a areia macia e a água fria e salgada em seus pés.

Com uma pá, na encosta acima desse cenário de férias, o chef Gordon Ramsay cava um buraco para o hāngi (forno de barro cavado na terra). No tradicional método maori de cozinhar alimentos com pedras aquecidas em um forno cavado na terra, é preciso que ele prepare tudo e se afaste assim que seu alimento estiver enterrado, confiando que o calor e o tempo farão seu trabalho. É uma exigência que deixa Ramsay desconfortável, já que não pode verificar a comida com frequência e fazer os ajustes necessários. Mas ele está aqui para o que der e vier, até mesmo para aceitar esses momentos desconfortáveis.

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    Gordon Ramsay visita um mercado repleto de produtos cultivados e colhidos à mão, em Urubamba, no Peru.
    Foto de NATIONAL GEOGRAPHIC/ERNESTO BENAVIDES

    “Suponho que quanto mais sucesso eu tenha, mais quero simplificar as coisas”, diz Ramsay. “Estou sempre disposto a aprender; quero expandir meu repertório. Ainda preciso sentir vulnerabilidade e ter contato com aquela insegurança em relação ao que não conheço”. E, no momento, ampliar seus horizontes não envolve um dia luxuoso na praia.

    Ele está na Nova Zelândia para destacar a influência da tradição maori e da comida indígena em uma recente revolução na culinária do país e nos chefs locais, como Monique Fiso, que estão modernizando os alimentos tradicionais com um toque de requinte. “Esses ingredientes merecem lugar nas melhores mesas do mundo”, diz Ramsay. “Penso que nos próximos 15 a 20 anos veremos uma nova geração de chefs na vanguarda, como a Monique, demonstrando os sabores poderosos de um dos menores países do mundo”.

    Antes de cavar o hāngi, Ramsay passou uma semana na Nova Zelândia, entre a Ilha Stewart e a região Wanaka da Ilha Sul do país, em busca de instruções enquanto coletava ingredientes dos quatro principais ecossistemas da Nova Zelândia: oceano, rios, montanhas e florestas. Apesar de os Kiwis normalmente irem ao mercado local para encontrar a maioria dos ingredientes provenientes da terra e do mar, Ramsay está indo direto na fonte, mesmo que para isso ele precise escalar uma árvore para pegar frutas silvestres, praticar mergulho livre em busca de pāua (molusco), entrar em um riacho para pegar uma enguia com as próprias mãos, provar larvas de um tronco de árvore apodrecido ou caçar cabras selvagens.

    Em nova série no National Geographic, Sabores Extremos com  Gordon Ramsay, o chef conecta exploração, aventura e culinária durante viagens a seis destinos: PeruNova ZelândiaMarrocosHavaíLaosAlasca. Chefs em ascensão em cada local (Virgilio Martinez, Monique Fiso, Najat Kaanache, Sheldon Simeon, Joy Ngeuamboupha e Lionel Uddipa) revelam os segredos da culinária da região e proporcionam a Gordon aventuras para que ele possa aprender e descobrir as coisas sozinho. Quando volta de suas breves aulas, realiza um teste no qual cozinha um banquete para os especialistas locais, que determinam se sua instrução e interpretação da cultura gastronômica local são satisfatórias.

    Essa pode ser a primeira vez que o público televisivo vê Ramsay fora de uma cozinha, mas esse não é o seu primeiro programa sobre comida e aventuras. A série Gordon’s Great Escape foi exibida no Canal 4 britânico entre 2010 e 2011, e revelou em detalhes as tradições culinárias da Índia, Tailândia, Camboja, Malásia e Vietnã. O episódio especial de 2011, Gordon Ramsay: Shark Bait, investigou a história, cultura e as controvérsias envolvendo a indústria da pesca de tubarões.

    É um aspecto diferente da personalidade de Ramsay que o público televisivo está acostumado a ver, longe do temperamento impetuoso e dos comentários ofensivos. O foco de Ramsay de ir além com os alimentos o coloca na posição de aluno na série Sabores Extremos. “Trata-se de colocar a comida de volta ao mapa com o National Geographic, onde ela merece estar”, diz. “É o planeta Terra da comida que proporciona inspiração para a sua próxima viagem”.

    Embora Ramsay desempenhe o papel principal, o público acompanha a série para saber mais sobre seis culturas diferentes ao redor do mundo. O chef local determina a tarefa e também escolhe as pessoas que, no fim, irão dizer se Ramsay conseguiu entender a culinária do país. Todas essas pessoas são da região e Ramsay valoriza suas opiniões sobre a comida local.

    No Marrocos, Ramsay trabalha com a chef Najat Kaanache, que está mudando o conceito de gastronomia do país em seu restaurante, Nur. No Havaí, temos o chef Sheldon Simeon, que imprime uma cara moderna a pratos clássicos do Havaí em seus dois restaurantes: Lineage e Tin Roof. Em Laos, o chef Joy Ngeuamboupha se concentra em celebrar o legado culinário de seu país em um dos restaurantes mais bem conceituados nacionalmente, o Restaurante e Escola de Culinária Tamarind.

    “Quero que o programa restabeleça a importância de preservar a comida local e sazonal, e que consiga descobrir as mais valiosas cartas que esses chefs e especialistas locais têm nas mangas”, diz Ramsay. “Fomos a seis lugares e conseguimos algo incrivelmente especial em cada um deles. Isso torna a experiência um pouco mais profunda e vai além do que apenas eliminar um destino da lista de viagens”.

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      Gordon Ramsay e a chef Najat Kaanache preparam um banquete para a celebração do Ano Novo marroquino.
      Foto de NATIONAL GEOGRAPHIC/MARK JOHNSON

      Ex-jogador de futebol, Ramsay está habituado a maratonas, triatlos e até mesmo aventuras mais ousadas ao redor do mundo. Para ele, a aventura faz parte do que é necessário para chegar até a origem e entender a cultura — até mesmo quando anda de caiaque por corredeiras em Laos para chegar a um vilarejo remoto, pratica rapel ao lado de uma cachoeira no Marrocos para encontrar caçadores de cogumelos locais, se pendura na borda de um penhasco no Peru para colher uma planta e obter larvas de insetos, pratica pesca subaquática em Maui ou quando escala um pilar rochoso de mais de 18 metros no Alasca para fazer chá de barba-de-velho.

      “Para mim, essa jornada é sobre comida e descobrir o que realmente existe por trás de um destino”, diz Ramsay. “É sobre se aprofundar e chegar ao desconhecido, ter uma atitude aventureira sobre o que acontece em cada região. Isso faz você ter um entendimento muito melhor do local”.

      Nem todas as aventuras são fáceis, e mesmo com o desejo de buscar alguns dos ingredientes mencionados no programa, algumas das aventuras de Ramsay ultrapassaram o limite do conforto. “Escalar a Chimney Rock no Alasca foi bem tenso e difícil”, conta. “Quando me senti incrivelmente cansado e meus braços estavam realmente me matando, pensei que havia chegado no meu limite’. Alcancei uma rocha e me segurei em um galho e, em segundos, a coisa toda desmoronou e eu caí para trás.” Por sorte, ele conseguiu se recompor e por fim escalou a rocha para colher o líquen que precisava para o chá.

      Com seu respeito pelas culturas e culinárias locais, em Sabores Extremos, Ramsay teve que sair de cena e deixar os especialistas de cada destino no comando. Uma coisa é visitar restaurantes que servem a culinária da região, mas para realmente entender os ingredientes e as pessoas que dependem deles, é essencial fazer parte do processo de coleta. Na comunidade Tlingit do Alasca, a maior parte da coleta é feita durante a efêmera temporada de verão, e o tesouro resultante é utilizado durante todo o inverno. “Se ao menos as pessoas pudessem passar um tempo com a comida daqui, tanto a colhida quanto a caçada, perceberiam que não há escolha — trata-se de sobrevivência”, diz. “É uma lição de vida crucial que ultrapassa qualquer coisa que as redes sociais e um estilo de vida glamoroso podem ensinar.”

      “Ele veio numa boa época do ano”, diz o chef Lionel Uddipa, o terceiro chef de sua família no Alasca e chef executivo do Restaurante Salt, em Juneau, parte de uma nova onda de chefs que estão redefinindo a culinária do Alasca. “O inverno mostra do que os povos do Alasca são feitos. Você precisa ser forte e ter a pele grossa. É quase como o antigo estilo de vida, dos primeiros habitantes.”

      No processo de descoberta, os desafios fazem parte da aventura tanto quanto os sucessos. A vida selvagem não segue um cronograma. Com frequência, lugares remotos e precários fazem parte dos esforços de colheita e caça. E o clima nem sempre ajuda. Não há tantas horas de luz no dia. Para os especialistas de cada destino, que dependem desses ingredientes, os desafios lhes permitiram conhecer os melhores métodos e o momento certo de obtê-los. Ramsay está descobrindo esses detalhes no curto período de uma semana, em vez de uma vida inteira.

      Em alguns casos, esses desafios resultaram na perda dos ingredientes que Ramsay queria, forçando-o a contornar a situação, mudar suas expectativas e criar um novo caminho. “Não obter os ingredientes não significa falhar, é a natureza”, diz Ramsay. “Mesmo que eu não tenha sucesso em conseguir um ingrediente, ainda assim quero tentar. A cena de mergulho no Mekong, a olho nu, não parece muito rápida. Sou um nadador experiente e completei a prova do Ironman em Kona. Mas entrar naquela corrente e tentar manter uma posição por 30 segundos sem cair, aquilo me deixou esgotado.”

      Mas para cada desafio há grandes realizações, ainda que a busca não tenha sido fácil. Após a dificuldade inicial de coletar pāua na Nova Zelândia entre algas espessas, Ramsay voltou do mergulho com vários pāua, e também com ouriços-do-mar, pois conseguiu manter o controle apesar da forte corrente marítima, sempre vigiando para detectar a aproximação de qualquer tubarão, e prender a respiração embaixo d’água.

      “Trouxe memórias de quando eu tinha 22 anos e estava em Paris, e minha primeira tarefa antes das nove horas da manhã era abrir três caixas de ouriços-do-mar”, diz Ramsay. “Eles eram bem pequenos, e os daqui são do tamanho de uma bola de rúgbi. Zane acabou de abrir um, limpando-o no mar, e ele é cremoso, salgado, delicioso — uma iguaria excepcional.”

      A conexão com os especialistas locais em todos os seis destinos de Sabores Extremos é essencial. “A região andina no Peru apresenta grande biodiversidade, mas a história real sobre a busca de ingredientes aqui tem mais a ver com o respeito às tradições e à conexão com os produtores e caçadores locais para obtenção do alimento de maneira mais próxima da fonte”, diz o chef Virgilio Martinez, cujo restaurante em Sacred Valley, Mil, é metade restaurante centrado na culinária ancestral e metade laboratório de pesquisa culinária. Entrar em um restaurante pode ser suficiente para se obter uma refeição incrível, mas a imersão completa é o que enriquece a experiência.

      No Peru, Ramsay visitou uma família e a auxiliou na cozinha — preparando uma refeição em um fogão pequeno, mas potente, abastecido com estrume de vaca e equipado com um tubo de metal para soprar oxigênio e aumentar o calor, tudo isso enquanto porquinhos-da-índia corriam ao seu redor. “Essa experiência, combinada com o uso da pedra de esmeril, é o que há de mais distante de nossos utensílios de cozinha modernos, obtidos por um catálogo da Williams Sonoma e, mesmo assim, há momentos que nunca irei esquecer”, conta.

      Ao final de cada episódio de Uncharted temos o Big Cook, no qual Ramsay avalia sua semana de educação imersiva sobre a culinária da região. Os convidados de cada Big Cook avaliam se Ramsay realmente aprendeu o que lhe foi ensinado, pois são especialistas na culinária de sua cultura. E Ramsay se esforça não apenas para entender as tradições e os novos ingredientes, mas também para apresentar esses ingredientes de uma forma diferente, e talvez também impressionar os especialistas.

      “Nós competimos com nós mesmos porque queremos nos sair bem com os ingredientes que temos”, diz Martinez. “Às vezes, competir faz bem. Eu queria que ele aprendesse, mas que também apreciasse e se divertisse com a comida.”

      E apesar de o Big Cook ter chefs que trabalham com agilidade para preparar um menu cheio de significado, ainda assim é uma oportunidade de se divertir, na qual os colegas se ajudam, brincam e se envolvem em uma competição amigável. “Acho que meu momento favorito foi a filmagem do Big Cook,” diz a chef Monique Fiso, que teve um papel central na elevação da gastronomia maori na Nova Zelândia por meio de seu restaurante, Hiakai. “Esperava que essa parte fosse estressante e, para dizer a verdade, não tão divertida de gravar por causa da grande quantidade de cenas que precisávamos fazer em um dia, mas acabou sendo o oposto — além disso, foi muito divertido trabalhar com o Gordon.”

      É sempre uma sensação boa quando alguém diz que você fez algo certo, mas a educação também é válida quando você erra. “Uma coisa que os agricultores no Peru não gostaram foi o coração de alpaca”, diz Ramsay. “Eles queriam mais cozido. Isso não é super legal? Agricultores saindo das montanhas e me dizendo que o coração estava tão cru que ainda podiam senti-lo batendo em suas bocas? Há muitos outros desses momentos em Sabores Extremos. É bom estar sempre atualizado, mas nem sempre acertamos. Não se trata de mostrar a um jovem chef como eu sou bom; mas sim, de aprender através dos olhos de um jovem chef local. Estou de volta ao início e aos desafios”.

      Como os agricultores no Peru, os convidados de cada Big Cook não tinham vergonha de dizer a Ramsay o que pensavam sobre os pratos e, em alguns casos, ficaram surpresos por terem gostado de algumas adições influenciadas por culturas bastante diferentes, ainda que com elementos obtidos nas proximidades. Em Maui, os convidados se espantaram por terem gostado de algo tão diferente quanto uma torta, no estilo da torta de carneiro britânica, mas feita com carne de veado local, e descobriram que o uso não tradicional de seus ingredientes pode ser algo bastante positivo.

      Embora Sabores Extremos ilustre culturas gastronômicas do mundo todo, Ramsay tem metas mais ambiciosas para o programa. “Gostaria que as pessoas tivessem uma sensação bem próxima de aventura”, diz. “Isso me leva ao início de minha jornada. Era inseguro quando comecei a cozinhar, pois tudo acontecia em uma magnitude na qual nunca pensei que pudesse atuar. Meu primeiro uniforme de chef e minha primeira faca foram comprados por uma instituição de caridade para que eu pudesse frequentar a faculdade. Isso me forçou a aprender mais rápido, a me sentir melhor e mais confiante. É algo muito raro eu poder me conectar novamente com essa experiência — com a profundidade e a vulnerabilidade que tocam o meu íntimo.”

      Não há dúvida de que se jogar no rio Mekong para pegar lesmas em Laos, colher taro em um campo em Maui ou trocar palmito por mel com uma avó no Marrocos tornou Ramsay aberto a vivenciar a essência de cada cultura. Para ele, tudo isso faz parte de sua visão em longo prazo sobre sua vida e carreira.

      “Quero expandir meu repertório”, diz Ramsay. “Não quero beber sempre da mesma fonte, sem nunca mudar. Para mim, é como um quebra-cabeça culinário de 2,5 mil peças. Quando você chega nas últimas 10 peças e completa o belo desenho, você vai lá, desfaz e começa a montar tudo de novo”.

      Sabores Extremos com Gordon Ramsay
      Este chefe pensava que já havia provado de tudo.
      Sabores Extremos com Gordon Ramsey estreia 14 de agosto, às 21h30, no National Geographic.
       

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