As propostas dos candidatos a presidente para a ciência e o meio ambiente

Jair Bolsonaro e Fernando Haddad têm posições antagônicas na maioria dos temas.

Por Kevin Damasio
Publicado 24 de out. de 2018, 11:46 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Os candidatos a presidência do Brasil Fernando Haddad e Jair Bolsonaro chegam as suas seções eleitorais para votar no 1º turno, em 7 de outubro de 2018.
Foto de Marcelo Camargo e Tânia Rêgo, Agência Brasil

Corrupção, segurança, educação, saúde, funcionalismo público são temas importantes e mais comuns nos debates e nas entrevistas com candidatos à presidência. No entanto, deixam em segundo plano as propostas referentes ao meio ambiente e à ciência – tão ou mais importantes, visto que o Brasil, com a Amazônia, é uma peça-chave no equilíbrio da vida na Terra.

Reunimos quais são as propostas e as opiniões de Fernando Haddad (PT) e Jair Bolsonaro (PSL) a respeito de temas como o Acordo de Paris, a preservação da Amazônia, a agropecuária, a produção energética e o investimento em ciência, tecnologia e inovação. Procuramos a opinião dos candidatos primeiro em seus planos de governo. Porém, como alguns temas não foram abordados nos documentos enviados à justiça eleitoral, apuramos as declarações mais recentes feitas por eles.

ACORDO DE PARIS

Fernando Haddad

Em seu plano de governo, o candidato do PT assume o compromisso com os esforços acordados na Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP-21), que ocorreu em 2015 em Paris, França. Haddad propõe a construção de uma economia de baixo carbono, “contribuindo decisivamente para conter o aquecimento global” e “profundas mudanças para manter as emissões de GEE (gases de efeito estufa) dentro de níveis seguros”.

Para isso, afirma estabelecer “práticas e inovações verdes como motores de crescimento inclusivo” e "desenvolvimento nacional”. O governo criaria “políticas de financiamento público de baixo custo”, a fim de atrair mais investidores, além de uma modalidade de financiamento não-reembolsável com foco em parcerias entre empresas e universidades, institutos e centros de pesquisa.

Outra proposta consiste na “reforma fiscal verde”, que incluiria “a desoneração de tributos sobre investimentos verdes (isenção de IPI, dedução de tributos embutidos em bens de capital e recuperação imediata de ICMS e PIS/COFINS)”. Com isso, o investimento verde seria mais atrativo, com uma economia estimada em 46,5%. O governo também estabeleceria um “tributo sobre o carbono”, para estimular que as empresas reduzam suas emissões de GEE.

Jair Bolsonaro

O candidato do PSL informou que, se eleito, deverá retirar o Brasil do Acordo de Paris, por afetar "o princípio da soberania nacional”, disse Bolsonaro a jornalistas antes de um almoço com empresários do setor de seguros, no Rio de Janeiro, segundo a Reuters.

“O que está em jogo é a soberania nacional, porque são 136 milhões de hectares que perdemos por ingerência sobre eles”, disse o candidato. O presidenciável reforçou: “Eu saio do Acordo de Paris se isso continuar sendo objeto. Se nossa parte for para entregar 136 milhões de hectares da Amazônia, estou fora sim”.

Agropecuária é um dos temas cujas opiniões dos candidatos antagonizam. Enquanto Haddad pretende recriar os ministérios do Desenvolvimento Agrário e da Aquicultura e Pesca, Bolsonaro pretende fundir o atual Ministério da Agricultura com o do Meio Ambiente.
Foto de George Steinmetz, National Geographic Creative

RECURSOS NATURAIS

Fernando Haddad

Haddad promete zerar a taxa de desmatamento líquido até 2022. A expansão da produção agropecuária, segundo o documento, daria-se com métodos mais eficientes de uso dos "240 milhões de hectares já abertos para agricultura e pastagens”. Para garantir o cumprimento do Código Florestal, o candidato também se compromete a enfrentar “atividades madeireiras ilegais, a expansão desordenada da pecuária e da soja, bem como a implantação de grandes projetos minerais, energéticos e viários que implicam em graves consequências para a territorialidade, cultura e sobrevivência” dos povos da Amazônia.

O programa ainda estabelece uma gestão sustentável dos recursos hídricos. Para isso, compromete-se em criar políticas públicas para evitar a contaminação e a superexploração de aquíferos e lençóis freáticos, recuperar nascentes, despoluir rios e ampliar obras de saneamento. “Vamos retomar a revitalização de bacias hidrográficas como a do São Francisco, uma prioridade de integração nacional e ampliar o programa de construção de cisternas”, afirma na proposta. “Além de exigir a punição dos responsáveis, criar novo marco regulatório da mineração, a ser construído de forma participativa, prevendo medidas para que a atividade mineradora produza com maior valor agregado e responsabilidade social e ambiental.”

Jair Bolsonaro

Em agosto, Bolsonaro se disse favorável à exploração dos recursos naturais da Amazônia, como o minério e o petróleo. A afirmação aconteceu em um café da manhã com empresários em São Paulo, segundo a Época. Na visão dele, “reinserir a Amazônia na pauta” renderia cerca de US$ 3 trilhões, conforme estimativa do general Augusto Heleno, do PRP.

Em dezembro de 2017, Bolsonaro já havia questionado a “soberania do Brasil" em relação à Amazônia e sinalizou a necessidade de parcerias com países como os Estados Unidos, com fins de explorar recursos minerais.

AGROPECUÁRIA

Fernando Haddad

O candidato recriará as pastas do Ministério do Desenvolvimento Agrário e do Ministério da Aquicultura e Pesca. Também deseja redesenhar os Ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente, sem entrar em detalhes em seu programa de governo.

A proposta de Haddad gira em torno de um novo marco legal do Plano Safra. A ideia é estabelecer uma diretriz com uma meta para que, até 2030, os investimentos voltem-se totalmente à agricultura de baixo carbono no agronegócio e na agricultura familiar. O crédito rural não financiaria atividades produtivas que danifiquem o meio ambiente e os direitos trabalhistas.

Haverá regulação do “grande agronegócio para mitigar os danos socioambientais, impedir o avanço do desmatamento, assegurar o ordenamento da expansão territorial da agricultura de escala, corrigir as permissividades normativas, impedir excessos das subvenções públicas e subordinar sua dinâmica aos interesses da soberania alimentar do país”.

Também está na pauta a realização de políticas de reforma agrária e “o fortalecimento da agricultura familiar de base agroecológica e da agroindustrialização da sua produção”, além de “ampliação do crédito e da economia solidária”.

Será proposto um programa de redução de agrotóxicos, o incentivo ao uso de biopesticidas e a atualização da legislação brasileira conforme as novas recomendações da Organização da Nações Unidas para Agricultura e Alimentação. Uma ação será banir “os agrotóxicos que já estão proibidos nos principais mercados internacionais”, além de revisar os “incentivos fiscais e tributários” para os produtores que utilizam tais químicos. O plano também estabelece “fortalecer a avaliação e a fiscalização periódicas dos agrotóxicos autorizados no país pela Anvisa”.  

A violência no campo também é pautada no programa, com esforços em esfera federal, estadual e municipal para punir “mandantes e executores”, assim como “proteger a vida dos defensores de direitos humanos” e enfrentar “a criminalização dos movimentos sociais".

Jair Bolsonaro

Em outubro, a Frente Parlamentar da Agropecuária no Congresso Nacional declarou apoio à candidatura de Bolsonaro. Ao falar sobre o suporte da bancada em vídeo divulgado pela instituição, o candidato declarou que “os problemas em grande parte, com toda a certeza, nós extinguiremos fundindo os ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente.”

Bolsonaro é crítico em relação às multas ambientais aplicadas por órgãos como o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Ele acredita que os produtores mais prejudicados são os que atuam no Rio Grande do Sul, no Mato Grosso do Sul e no Pará. Para o candidato, a união das pastas acabará com a “briga entre ministérios”. Em março, ele afirmou que quem comandará o ministério será indicado pelos “homens do campo, as entidades”.

A pasta seria composta pela seguinte estrutura, de acordo com o plano de governo: “Política e Economia Agrícola (inclui comércio); Recursos Naturais e Meio Ambiente Rural; Defesa Agropecuária e Segurança Alimentar; Pesca e Piscicultura; Desenvolvimento Rural Sustentável (atuação por programas); Inovação Tecnológica”.

No programa de governo, o candidato defende que os agricultores e suas famílias tenham liberdade para gerir o espaço rural. Caberia ao Estado avaliar as áreas onde sua presença seja realmente necessária, para atuar em “ações ou atividades específicas”, “como regulador, ou mesmo negociador”. A campanha também sugere a importação do conhecimento de Israel em relação à agricultura, além de estabelecer parcerias com países asiáticos. Outras prioridades são a garantia de “segurança no campo”, a “logística de transporte e armazenamento”, “políticas para consolidar e abrir novos mercados externos” e “diversificação”.

Na mesma ocasião em que levantou a possibilidade de tirar o país do Acordo de Paris, Bolsonaro questionou a demarcação de terras indígenas e propôs debater o tema no Congresso. “Tem muita reserva superdimensionada e os índios querem fazer na terra o que os fazendeiros fazem na deles. Queremos titularizar áreas indígenas e quilombolas também”, ele disse. E concluiu, sobre exploração comercial de terras demarcadas: "No que depender de mim, lógico que tem que passar pelo Parlamento.”

Em seu primeiro pronunciamento após a vitória no primeiro turno, em uma transmissão pelo Facebook, Bolsonaro prometeu reprimir movimentos ativistas e acabar com a “indústria de multas" por parte de órgãos como o ICMBio e o Ibama.

Presidente da União Democrática Rurallista (UDR) e articulador da campanha no segmento, Luiz Antonio Nabhan Garcia é um dos cotados para assumir a pasta, caso Bolsonaro seja eleito. Em entrevista à Folha de São Paulo, Nabhan Garcia disse que o aquecimento global “é um processo ideológico dessa esquerda que tentou dominar o mundo e está indo por água abaixo”. Ele ainda nega os impactos negativos do agronegócio: “Criou-se uma fantasia, uma lenda, onde, no Brasil, o cara que degrada o meio ambiente é o produtor rural. É exatamente o contrário. Esse produtor rural é o maior conservador do meio ambiente”.

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    Ambos os candidatos prometem incentivar a produção de energia limpa.
    Foto de Mark Thiessen, National Geographic Creative

    ENERGIA

    Fernando Haddad

    O programa visa “a modernização do modelo energético existente” e “o aumento da eficácia energética”. Interromper as privatizações e retomar o controle público da produção de energia, estimulando maior participação da Eletrobras no setor. Outra questão é a “diversificação da matriz elétrica”, com investimento em maior produção de energias renováveis, a exemplo da solar, da eólica e de biomassa.

    “As mudanças terão como meta zerar as emissões de GEE da matriz elétrica brasileira até 2050. Também será perseguida a meta de instalar kits fotovoltaicos em 500 mil residências por ano”, afirma o candidato, no plano de governo. “A micro e minigeração de energia renovável será impulsionada pela venda do excedente de energia gerada por residências, comércio e indústria.”

    Com as obras dos futuros empreendimentos energéticos, as pessoas afetadas, sobretudo povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos, “não apenas serão compensados pelo dano ambiental, como também poderão se tornar sócios dos empreendimentos, recebendo, por exemplo, royalties”.

    Jair Bolsonaro

    O programa de governo do candidato afirma que o "sucateamento da Eletrobrás e subsidiárias, conflitos de interesses, ineficiências na geração, excessivos encargos tributários e influência política”, Bolsonaro considera o setor energético extremamente centralizado e dependente de ações e decisões do governo. "É preciso um choque liberal”, acredita.

    Entre as transformações que pretende realizar no setor energético está o investimento em “uma nova matriz energética limpa, renovável e democrática” no Nordeste. Além da expansão da produção de energia, quer alterar a “produção, instalação e manutenção de painéis fotovoltaicos”, realizar “parcerias com universidades locais para o desenvolvimento de novas tecnologias”, e priorizar o “surgimento ou instalação de outras indústrias que sejam intensivas no uso de energia elétrica”.

    O candidato também tem como objetivo acabar com “monopólio da Petrobras no gás natural”. Na visão dele, trata-se de uma potencial vertente na matriz energética nacional, cuja expansão pode combinar com as “energias fotovoltaicas e eólica”. Para Bolsonaro, este é um meio para reduzir as emissões de dióxido de carbono e para auxiliar na integração de “outras fontes renováveis intermitentes”.

    Em relação às pequenas centrais hidrelétricas, Bolsonaro é crítico em relação ao processo do licenciamento ambiental, com “barreiras quase intransponíveis” e “casos que superam quase dez anos". Ele pretende reduzir o prazo para avaliação de licenciamento a no máximo três meses.

    CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO

    Fernando Haddad

    Primeiramente, Haddad quer recriar o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, atualmente fundido com o Ministério das Comunicações. Seu programa propõe “investir pesado” nestas três áreas, por meio de universidades, institutos e centros de pesquisa. Entre as “tecnologias verdes modernas, flexíveis e inteligentes” em que pretende focar, estão a biotecnologia, a nanotecnologia, a agricultura de baixo carbono e a economia circular.

    "Serão feitos fortes investimentos no fortalecimento das competências verdes já acumuladas (agroecologia, biocombustíveis, energia eólica, química verde etc.)”, promete, "e na construção de capacidades produtivas, tecnológicas e inovativas que garantam a competitividade e geração de soluções sustentáveis adequadas às especificidades brasileiras.”

    Além disso, o candidato propõe investir em infraestrutura de transporte limpo, tanto para cargas como para passageiros. Isso inclui tornar as ferrovias e hidrovias “meios menos poluentes”, a fim de melhorar “a eficiência operacional no escoamento da produção ao mercado interno e exportação”.

    Jair Bolsonaro

    O candidato quer incentivar “estratégias descentralizadas” que observou em países como Estados Unidos, Israel, Taiwan, Coreia do Sul e Japão. Isso traduz-se na criação de “hubs" tecnológicos, nos quais "jovens pesquisadores e cientistas das universidades locais são estimulados a buscar parcerias com empresas privadas para transformar ideias em produtos”, informa no plano de governo. “Nos países que têm liderado tal dinâmica, há grande ênfase em cursos técnicos e carreiras de exatas.”

    Bolsonaro deseja “criar um ambiente favorável ao empreendedorismo no Brasil”, com tal incentivo presente nas formações universitárias. “Assim, valorizaremos talentos nacionais e atrairemos outros do exterior para gerar novas tecnologias, emprego e renda.” Ele também cita em seu programa o nióbio – um metal branco importante na indústria automotiva, de aviação, em gasodutos, etc – e o grafeno – uma das formas cristalinas do carbono que pode ser utilizada para construir até um submarino nuclear, segundo Bolsonaro. Para ele, o Brasil deve se tornar um "centro mundial de pesquisa e desenvolvimento" desses materiais.

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