As propostas dos candidatos a presidente para a ciência e o meio ambiente
Jair Bolsonaro e Fernando Haddad têm posições antagônicas na maioria dos temas.
Corrupção, segurança, educação, saúde, funcionalismo público são temas importantes e mais comuns nos debates e nas entrevistas com candidatos à presidência. No entanto, deixam em segundo plano as propostas referentes ao meio ambiente e à ciência – tão ou mais importantes, visto que o Brasil, com a Amazônia, é uma peça-chave no equilíbrio da vida na Terra.
Reunimos quais são as propostas e as opiniões de Fernando Haddad (PT) e Jair Bolsonaro (PSL) a respeito de temas como o Acordo de Paris, a preservação da Amazônia, a agropecuária, a produção energética e o investimento em ciência, tecnologia e inovação. Procuramos a opinião dos candidatos primeiro em seus planos de governo. Porém, como alguns temas não foram abordados nos documentos enviados à justiça eleitoral, apuramos as declarações mais recentes feitas por eles.
ACORDO DE PARIS
Fernando Haddad
Em seu plano de governo, o candidato do PT assume o compromisso com os esforços acordados na Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP-21), que ocorreu em 2015 em Paris, França. Haddad propõe a construção de uma economia de baixo carbono, “contribuindo decisivamente para conter o aquecimento global” e “profundas mudanças para manter as emissões de GEE (gases de efeito estufa) dentro de níveis seguros”.
Para isso, afirma estabelecer “práticas e inovações verdes como motores de crescimento inclusivo” e "desenvolvimento nacional”. O governo criaria “políticas de financiamento público de baixo custo”, a fim de atrair mais investidores, além de uma modalidade de financiamento não-reembolsável com foco em parcerias entre empresas e universidades, institutos e centros de pesquisa.
Outra proposta consiste na “reforma fiscal verde”, que incluiria “a desoneração de tributos sobre investimentos verdes (isenção de IPI, dedução de tributos embutidos em bens de capital e recuperação imediata de ICMS e PIS/COFINS)”. Com isso, o investimento verde seria mais atrativo, com uma economia estimada em 46,5%. O governo também estabeleceria um “tributo sobre o carbono”, para estimular que as empresas reduzam suas emissões de GEE.
Jair Bolsonaro
O candidato do PSL informou que, se eleito, deverá retirar o Brasil do Acordo de Paris, por afetar "o princípio da soberania nacional”, disse Bolsonaro a jornalistas antes de um almoço com empresários do setor de seguros, no Rio de Janeiro, segundo a Reuters.
“O que está em jogo é a soberania nacional, porque são 136 milhões de hectares que perdemos por ingerência sobre eles”, disse o candidato. O presidenciável reforçou: “Eu saio do Acordo de Paris se isso continuar sendo objeto. Se nossa parte for para entregar 136 milhões de hectares da Amazônia, estou fora sim”.
RECURSOS NATURAIS
Fernando Haddad
Haddad promete zerar a taxa de desmatamento líquido até 2022. A expansão da produção agropecuária, segundo o documento, daria-se com métodos mais eficientes de uso dos "240 milhões de hectares já abertos para agricultura e pastagens”. Para garantir o cumprimento do Código Florestal, o candidato também se compromete a enfrentar “atividades madeireiras ilegais, a expansão desordenada da pecuária e da soja, bem como a implantação de grandes projetos minerais, energéticos e viários que implicam em graves consequências para a territorialidade, cultura e sobrevivência” dos povos da Amazônia.
O programa ainda estabelece uma gestão sustentável dos recursos hídricos. Para isso, compromete-se em criar políticas públicas para evitar a contaminação e a superexploração de aquíferos e lençóis freáticos, recuperar nascentes, despoluir rios e ampliar obras de saneamento. “Vamos retomar a revitalização de bacias hidrográficas como a do São Francisco, uma prioridade de integração nacional e ampliar o programa de construção de cisternas”, afirma na proposta. “Além de exigir a punição dos responsáveis, criar novo marco regulatório da mineração, a ser construído de forma participativa, prevendo medidas para que a atividade mineradora produza com maior valor agregado e responsabilidade social e ambiental.”
Jair Bolsonaro
Em agosto, Bolsonaro se disse favorável à exploração dos recursos naturais da Amazônia, como o minério e o petróleo. A afirmação aconteceu em um café da manhã com empresários em São Paulo, segundo a Época. Na visão dele, “reinserir a Amazônia na pauta” renderia cerca de US$ 3 trilhões, conforme estimativa do general Augusto Heleno, do PRP.
Em dezembro de 2017, Bolsonaro já havia questionado a “soberania do Brasil" em relação à Amazônia e sinalizou a necessidade de parcerias com países como os Estados Unidos, com fins de explorar recursos minerais.
AGROPECUÁRIA
Fernando Haddad
O candidato recriará as pastas do Ministério do Desenvolvimento Agrário e do Ministério da Aquicultura e Pesca. Também deseja redesenhar os Ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente, sem entrar em detalhes em seu programa de governo.
A proposta de Haddad gira em torno de um novo marco legal do Plano Safra. A ideia é estabelecer uma diretriz com uma meta para que, até 2030, os investimentos voltem-se totalmente à agricultura de baixo carbono no agronegócio e na agricultura familiar. O crédito rural não financiaria atividades produtivas que danifiquem o meio ambiente e os direitos trabalhistas.
Haverá regulação do “grande agronegócio para mitigar os danos socioambientais, impedir o avanço do desmatamento, assegurar o ordenamento da expansão territorial da agricultura de escala, corrigir as permissividades normativas, impedir excessos das subvenções públicas e subordinar sua dinâmica aos interesses da soberania alimentar do país”.
Também está na pauta a realização de políticas de reforma agrária e “o fortalecimento da agricultura familiar de base agroecológica e da agroindustrialização da sua produção”, além de “ampliação do crédito e da economia solidária”.
Será proposto um programa de redução de agrotóxicos, o incentivo ao uso de biopesticidas e a atualização da legislação brasileira conforme as novas recomendações da Organização da Nações Unidas para Agricultura e Alimentação. Uma ação será banir “os agrotóxicos que já estão proibidos nos principais mercados internacionais”, além de revisar os “incentivos fiscais e tributários” para os produtores que utilizam tais químicos. O plano também estabelece “fortalecer a avaliação e a fiscalização periódicas dos agrotóxicos autorizados no país pela Anvisa”.
A violência no campo também é pautada no programa, com esforços em esfera federal, estadual e municipal para punir “mandantes e executores”, assim como “proteger a vida dos defensores de direitos humanos” e enfrentar “a criminalização dos movimentos sociais".
Jair Bolsonaro
Em outubro, a Frente Parlamentar da Agropecuária no Congresso Nacional declarou apoio à candidatura de Bolsonaro. Ao falar sobre o suporte da bancada em vídeo divulgado pela instituição, o candidato declarou que “os problemas em grande parte, com toda a certeza, nós extinguiremos fundindo os ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente.”
Bolsonaro é crítico em relação às multas ambientais aplicadas por órgãos como o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Ele acredita que os produtores mais prejudicados são os que atuam no Rio Grande do Sul, no Mato Grosso do Sul e no Pará. Para o candidato, a união das pastas acabará com a “briga entre ministérios”. Em março, ele afirmou que quem comandará o ministério será indicado pelos “homens do campo, as entidades”.
A pasta seria composta pela seguinte estrutura, de acordo com o plano de governo: “Política e Economia Agrícola (inclui comércio); Recursos Naturais e Meio Ambiente Rural; Defesa Agropecuária e Segurança Alimentar; Pesca e Piscicultura; Desenvolvimento Rural Sustentável (atuação por programas); Inovação Tecnológica”.
No programa de governo, o candidato defende que os agricultores e suas famílias tenham liberdade para gerir o espaço rural. Caberia ao Estado avaliar as áreas onde sua presença seja realmente necessária, para atuar em “ações ou atividades específicas”, “como regulador, ou mesmo negociador”. A campanha também sugere a importação do conhecimento de Israel em relação à agricultura, além de estabelecer parcerias com países asiáticos. Outras prioridades são a garantia de “segurança no campo”, a “logística de transporte e armazenamento”, “políticas para consolidar e abrir novos mercados externos” e “diversificação”.
Na mesma ocasião em que levantou a possibilidade de tirar o país do Acordo de Paris, Bolsonaro questionou a demarcação de terras indígenas e propôs debater o tema no Congresso. “Tem muita reserva superdimensionada e os índios querem fazer na terra o que os fazendeiros fazem na deles. Queremos titularizar áreas indígenas e quilombolas também”, ele disse. E concluiu, sobre exploração comercial de terras demarcadas: "No que depender de mim, lógico que tem que passar pelo Parlamento.”
Em seu primeiro pronunciamento após a vitória no primeiro turno, em uma transmissão pelo Facebook, Bolsonaro prometeu reprimir movimentos ativistas e acabar com a “indústria de multas" por parte de órgãos como o ICMBio e o Ibama.
Presidente da União Democrática Rurallista (UDR) e articulador da campanha no segmento, Luiz Antonio Nabhan Garcia é um dos cotados para assumir a pasta, caso Bolsonaro seja eleito. Em entrevista à Folha de São Paulo, Nabhan Garcia disse que o aquecimento global “é um processo ideológico dessa esquerda que tentou dominar o mundo e está indo por água abaixo”. Ele ainda nega os impactos negativos do agronegócio: “Criou-se uma fantasia, uma lenda, onde, no Brasil, o cara que degrada o meio ambiente é o produtor rural. É exatamente o contrário. Esse produtor rural é o maior conservador do meio ambiente”.
ENERGIA
Fernando Haddad
O programa visa “a modernização do modelo energético existente” e “o aumento da eficácia energética”. Interromper as privatizações e retomar o controle público da produção de energia, estimulando maior participação da Eletrobras no setor. Outra questão é a “diversificação da matriz elétrica”, com investimento em maior produção de energias renováveis, a exemplo da solar, da eólica e de biomassa.
“As mudanças terão como meta zerar as emissões de GEE da matriz elétrica brasileira até 2050. Também será perseguida a meta de instalar kits fotovoltaicos em 500 mil residências por ano”, afirma o candidato, no plano de governo. “A micro e minigeração de energia renovável será impulsionada pela venda do excedente de energia gerada por residências, comércio e indústria.”
Com as obras dos futuros empreendimentos energéticos, as pessoas afetadas, sobretudo povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos, “não apenas serão compensados pelo dano ambiental, como também poderão se tornar sócios dos empreendimentos, recebendo, por exemplo, royalties”.
Jair Bolsonaro
O programa de governo do candidato afirma que o "sucateamento da Eletrobrás e subsidiárias, conflitos de interesses, ineficiências na geração, excessivos encargos tributários e influência política”, Bolsonaro considera o setor energético extremamente centralizado e dependente de ações e decisões do governo. "É preciso um choque liberal”, acredita.
Entre as transformações que pretende realizar no setor energético está o investimento em “uma nova matriz energética limpa, renovável e democrática” no Nordeste. Além da expansão da produção de energia, quer alterar a “produção, instalação e manutenção de painéis fotovoltaicos”, realizar “parcerias com universidades locais para o desenvolvimento de novas tecnologias”, e priorizar o “surgimento ou instalação de outras indústrias que sejam intensivas no uso de energia elétrica”.
O candidato também tem como objetivo acabar com “monopólio da Petrobras no gás natural”. Na visão dele, trata-se de uma potencial vertente na matriz energética nacional, cuja expansão pode combinar com as “energias fotovoltaicas e eólica”. Para Bolsonaro, este é um meio para reduzir as emissões de dióxido de carbono e para auxiliar na integração de “outras fontes renováveis intermitentes”.
Em relação às pequenas centrais hidrelétricas, Bolsonaro é crítico em relação ao processo do licenciamento ambiental, com “barreiras quase intransponíveis” e “casos que superam quase dez anos". Ele pretende reduzir o prazo para avaliação de licenciamento a no máximo três meses.
CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO
Fernando Haddad
Primeiramente, Haddad quer recriar o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, atualmente fundido com o Ministério das Comunicações. Seu programa propõe “investir pesado” nestas três áreas, por meio de universidades, institutos e centros de pesquisa. Entre as “tecnologias verdes modernas, flexíveis e inteligentes” em que pretende focar, estão a biotecnologia, a nanotecnologia, a agricultura de baixo carbono e a economia circular.
"Serão feitos fortes investimentos no fortalecimento das competências verdes já acumuladas (agroecologia, biocombustíveis, energia eólica, química verde etc.)”, promete, "e na construção de capacidades produtivas, tecnológicas e inovativas que garantam a competitividade e geração de soluções sustentáveis adequadas às especificidades brasileiras.”
Além disso, o candidato propõe investir em infraestrutura de transporte limpo, tanto para cargas como para passageiros. Isso inclui tornar as ferrovias e hidrovias “meios menos poluentes”, a fim de melhorar “a eficiência operacional no escoamento da produção ao mercado interno e exportação”.
Jair Bolsonaro
O candidato quer incentivar “estratégias descentralizadas” que observou em países como Estados Unidos, Israel, Taiwan, Coreia do Sul e Japão. Isso traduz-se na criação de “hubs" tecnológicos, nos quais "jovens pesquisadores e cientistas das universidades locais são estimulados a buscar parcerias com empresas privadas para transformar ideias em produtos”, informa no plano de governo. “Nos países que têm liderado tal dinâmica, há grande ênfase em cursos técnicos e carreiras de exatas.”
Bolsonaro deseja “criar um ambiente favorável ao empreendedorismo no Brasil”, com tal incentivo presente nas formações universitárias. “Assim, valorizaremos talentos nacionais e atrairemos outros do exterior para gerar novas tecnologias, emprego e renda.” Ele também cita em seu programa o nióbio – um metal branco importante na indústria automotiva, de aviação, em gasodutos, etc – e o grafeno – uma das formas cristalinas do carbono que pode ser utilizada para construir até um submarino nuclear, segundo Bolsonaro. Para ele, o Brasil deve se tornar um "centro mundial de pesquisa e desenvolvimento" desses materiais.