Divulgada primeira imagem do buraco negro no centro de nossa galáxia

Rede global de telescópios capta imagens do entorno do buraco negro supermassivo no meio da Via Láctea.

Por Nadia Drake
Publicado 12 de mai. de 2022, 10:31 BRT

A primeira foto de material superaquecido em torno do supermassivo buraco negro no cetro da Via Láctea, Sagitário A*. Nenhuma luz consegue escapar do centro do buraco negro. 

Foto de EVENT HORIZON TELESCOPE

O centro da Via Láctea é um mistério, como tantos outros. No núcleo da nossa galáxia, há um buraco negro supermassivo com o peso de quatro milhões de Sóis. Contornado por um disco brilhante de matéria turva, esse poço sem fundo do espaço-tempo normalmente é escurecido por um manto de gás, poeira e estrelas em sua órbita.

Mas cientistas, munidos de uma rede global de telescópios, finalmente tiveram um vislumbre direto do coração da galáxia e revelaram hoje a primeira imagem da silhueta desse buraco negro. As observações, feitas em 2017, foram descritas em um conjunto de artigos científicos publicados hoje no periódico Astrophysical Journal Letters.

"Hoje, o telescópio Event Horizon tem o prazer de compartilhar com vocês a primeira imagem direta do gentil gigante no centro da nossa galáxia, Sagitário A*”, afirmou Feryal Ozel, da Universidade do Arizona, nos EUA, em coletiva de imprensa ao anunciar a conquista. "Eu o conheci há 20 anos e o tenho amado e tentado entendê-lo desde então. Mas, até agora, não tínhamos a foto direta que confirmava que o Sagitário A* era, de fato, um buraco negro."

A imagem mostra um anel assimétrico de material radiante circundando um núcleo de escuridão – a sombra do buraco negro conhecido como Sagitário A* (o asterisco significa “estrela”). A imagem se estende até o horizonte de eventos do buraco negro, o ponto sem retorno além do qual estrelas, planetas, poeira e até luz são perdidos para sempre.

O projeto, denominado Telescópio de Horizonte de Eventos, é uma colaboração global dos mais dos 200 cientistas que fizeram a imagem. Em 2019, a colaboração revelou uma imagem semelhante de um buraco negro gigantesco no centro da M87, uma galáxia a uma distância de 50 milhões de anos-luz. Essa imagem foi o primeiro registro em que a sombra de um buraco negro foi observada diretamente. Ambas as imagens foram feitas combinando dados de oito observatórios em todo o mundo, que, na prática, transformaram a Terra em um grande telescópio.

Com a imagem de um segundo buraco negro disponível, cientistas podem continuar estudando se as propriedades físicas atuais – e especificamente, a teoria da relatividade geral de Einstein – se mantêm no ambiente extremo no entorno de um buraco negro supermassivo. Ao comparar essas novas observações com as da M87, os pesquisadores poderão saber mais sobre o comportamento de buracos negros de diferentes massas.

“Fiz muitas considerações sobre esse buraco negro durante meu doutorado”, afirma Sera Markoff, da Universidade de Amsterdã, na Holanda. “É um estudo bastante abstrato, mas, de repente, foram obtidas imagens do buraco negro.”

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Um telescópio do tamanho do mundo

Em abril de 2017, cientistas apontaram radiotelescópios de oito observatórios para o centro de nossa galáxia. Distribuídos em locais como o Havaí, a Espanha e o Polo Sul, os telescópios observaram Sagitário A* à medida que a rotação da Terra o deixava à vista. Depois que as observações foram feitas, a equipe combinou os dados de cada telescópio – por meio de uma técnica denominada interferometria de linha de base muito longa – e utilizou os dados para gerar a imagem.

Gerar a imagem de Sagitário A* não foi tão simples quanto gerar a imagem do buraco negro supermassivo da M87, observado durante a mesma iniciativa. A cerca de 26 mil anos-luz de distância, Sagitário A* pode ser o objeto mais massivo da galáxia, mas é bem pequeno para parâmetros de buracos negros supermassivos – possui cerca de 1/1500 da massa do buraco negro central da M87.

Se o buraco negro da M87, que possui 6,5 bilhões de vezes a massa do nosso Sol, fosse colocado no centro do nosso Sistema Solar, ele destruiria uma extensão de até 130 vezes a distância entre o Sol e a Terra; Sagitário A*, por outro lado, nem alcançaria a órbita de Mercúrio.

Sagitário A* também é extremamente escurecido pela poeira e gás existentes no centro da Via Láctea, e o ambiente local é incrivelmente instável – rodopiante, turbulento, flamejante – o que dificulta combinar as observações em uma única imagem. “Os corpos celestes no entorno de buracos negros menores se deslocam mais rápido”, afirma Dimitrios Psaltis, astrofísico da Universidade do Arizona. “Havia a preocupação de que o plasma circundante do buraco negro não estabilizasse durante as oito horas de rotação da Terra e não nos permitisse obter uma imagem.”

No fim, entretanto, Sagitário A* cooperou para que seu retrato fosse possível.

Fosso no centro da galáxia

A nova imagem revela alguns detalhes importantes sobre o enorme ralo gravitacional no centro de nossa galáxia, incluindo a direção de sua rotação, o que sugere que o topo do buraco negro – ou o fundo, dependendo da sua perspectiva – esteja direcionado quase diretamente para a Terra. Sua massa também condiz com estimativas anteriores feitas a partir do estudo de estrelas na órbita do buraco negro.

De certo modo, surpreendentemente, os dados ainda revelaram que esse buraco negro supermassivo não parece lançar um jato de partículas para o cosmos, característica relativamente comum de tais objetos, incluindo o buraco negro da M87.

“A revelação suscitou um novo debate: será que Sagitário A* de fato lança esse jato e é difícil observá-lo no ambiente complexo por ser tão pequeno e tênue?”, indaga Markoff. “Com base nas observações, os modelos preveem que haveria um jato.”

No que diz respeito a buracos negros supermassivos, Sagitário A* é o objeto mais subalimentado que o Telescópio de Horizonte de Eventos pôde observar. Em vez de devorar furiosamente tudo que se aproximar demais, Sagitário A* está adormecido e se contenta com emissões de vento estelar liberadas por estrelas próximas, roubando apenas o suficiente para formar um anel visível. Ainda assim, diversas linhas de evidências sugerem que Sagitário A* tenha sido muito mais ativo no passado.

“Sabe-se que buracos negros passam por ciclos de atividade. É possível identificar diretamente esse comportamento ao observar buracos negros supermassivos em aglomerados de galáxias”, explica Markoff. “As observações indicam que eles explodem bolhas durante seus ciclos ativos no gás circundante, o que parecem fazer a cada cem milhões de anos ou mais. Portanto, há um gatilho para esse mecanismo.”

Essa irregularidade no comportamento de Sagitário A* deixou marcas em moléculas no meio interestelar que sugerem que sua atividade varia – ao menos moderadamente – em escalas de tempo de milênios, ou até mesmo séculos. E embora os cientistas saibam que a atividade de um buraco negro varia em função da quantidade de material consumido, não se sabe ao certo como é o funcionamento desse processo.

Um dos métodos pelos quais os cientistas cientistas tentam desvendar o turbilhão caótico que envolve Sagitário A* é por sua comparação com o Sol. O Sol possui massa significativamente menor, mas sua turbulência borbulhante, campos magnéticos distorcidos, explosões, erupções e gases borbulhantes podem ajudar astrônomos a saber mais sobre as propriedades físicas em torno de buracos negros supermassivos.

“Evidentemente, é um sistema mais extremo”, observa Markoff. “Mas é incrível que os conhecimentos obtidos a partir das propriedades físicas do Sol possam ser aplicados de diversas maneiras a buracos negros – e, aliás, foram aproveitadas algumas das técnicas empregadas.”

Todos os formatos e dimensões

Os cientistas esperam que informações adicionais sobre a M87 e Sagitário A* – suas semelhanças e diferenças – contribuam para uma compreensão maior sobre um conjunto mais amplo de buracos negros. Se forem válidas as mesmas teorias para objetos de dimensões tão distintas, os cientistas poderão ter uma confiança maior de que essas teorias explicam com exatidão objetos que não possam ser observados com tanta clareza.

“Nesse campo científico, é muito difícil obter confirmações. Não é possível viajar até um buraco negro para observar. Mas foi quase algo assim que pôde ser feito”, comenta Markoff.

Os dois buracos negros também permitirão que físicos testem a teoria da relatividade geral de Albert Einstein de 1916. Os buracos negros são uma das previsões dessa teoria – e um resultado do qual o próprio Einstein estava cético. Contudo, além de alguns mistérios dentro do campo quântico, a relatividade geral ainda não foi refutada até o momento, até mesmo em ambientes astrofísicos extremos, nos quais os cientistas esperavam que a teoria não se confirmasse.

“Dois objetos no universo que tenham uma diferença de massa de 1,5 mil vezes parecem discrepantes – é algo como um planeta gigante e um pequeno asteroide, ou uma galáxia grande e uma galáxia pequena, uma formiga e um elefante, uma pedrinha e uma montanha”, ilustra Psaltis.

“Todas as teorias do mundo apresentam uma escala e, ao alterar a escala, parecem se distinguir, à exceção da relatividade geral. É a única teoria que não se aplica a uma escala. Do minúsculo ao colossal, o comportamento é exatamente o mesmo.”

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