Infecções por covid-19 estão aumentando – e o medo das crianças também

Como ajudar os mais novos a lidar com a ansiedade durante a pandemia?

Por Gulnaz Khan
Publicado 5 de dez. de 2020, 08:00 BRT
Foto de Jose Luis Pelaez Inc / Getty Images

A primeira vez que a filha de sete anos de Melanie Randall viu seu professor durante uma videoaula gravada no primeiro semestre, ela começou a chorar pensando que ele estivesse doente. O choque inicial foi forte, mas com o tempo ela entendeu o que estava acontecendo.

Quando Randall soube que os especialistas estavam prevendo um avanço da covid-19 em todo o país no fim deste ano, ela quis proteger seus dois filhos de sofrerem mais uma vez com outra mudança traumática. Decidiu, então, que a melhor abordagem era estabelecer expectativas realistas: os casos estão aumentando e isso significa que nossa família precisa permanecer dentro de casa por mais algum tempo.

“Sempre conversei abertamente com meus filhos”, afirma ela. “Não quero isolá-los de acontecimentos externos, pois este é o nosso mundo e eles precisam se ajustar a ele.”

Assim como Randall, muitos pais estão tentando ajudar seus filhos a lidar com um mundo imprevisível e às vezes assustador. De acordo com as pesquisas, as crianças são especialmente vulneráveis à depressão e ansiedade durante e após o isolamento forçado. E, no fim deste ano, o aumento de casos de covid-19 está gerando uma nova onda de grandes mudanças — as escolas estão fechando novamente, os estados estão aumentando as restrições e os planos de férias estão sendo cancelados.

A mudança em si pode causar ansiedade em muitas crianças. Mas, combinada com o medo crescente e as realidades assustadoras da pandemia, as crianças podem ficar completamente amedrontadas. Segundo os especialistas, trabalhar esses sentimentos é um exercício de resiliência — algo a que todos nos acostumamos nos últimos meses.

“É normal os pais não terem todas as respostas”, explica Tamar Chansky, psicóloga e autora de Freeing Your Child from Anxiety (Libertando seu filho da ansiedade, em tradução livre). “Ainda há muito o que os pais podem fazer para tornar esse momento seguro e de conexão e crescimento na família.”

Aceitação da incerteza

“As crianças costumam ter medo do desconhecido”, afirma Jessica Dym Bartlett, pesquisadora da primeira infância do centro de pesquisa Child Trends. “Embora nossa intenção seja conversar com as crianças de maneira atenciosa e apropriada à idade, precisamos ter certeza de que consigam entender o que está acontecendo, o que pode acontecer no futuro e que os adultos estão se esforçando ao máximo para mantê-las seguras.”

Os sinais de ansiedade em crianças tendem a estar relacionados ao desenvolvimento. Crianças mais novas podem ficar mais manhosas, fazer xixi na cama, chorar com frequência ou fazer muitas perguntas. Crianças mais velhas e adolescentes podem ter problemas para dormir, alterações no apetite, piora no desempenho escolar ou retração social.

Ao perceberem esses sinais, Bartlett recomenda aos pais iniciar uma conversa e se aproximar da criança no ambiente dela. Por exemplo, você pode conversar com uma criança mais nova sentando-se no chão ao lado dela e brincando com os brinquedos. As crianças também entendem bem as metáforas. Experimente usar livros ou fotos infantis como forma de explorar como estão se sentindo.

Pode ser muito desafiador para os pais realizar essas conversas durante a pandemia, sendo que também não têm todas as respostas. “Este é um momento para os pais saberem que não precisam buscar soluções para tudo. O que ajuda as crianças é ter alguém que entenda sua experiência e a confirme”, afirma Chansky. “Portanto, embora possa ser difícil ouvir que nossos filhos estão infelizes, é importante dedicar um tempo discutindo isso e, em seguida, ajudá-los a mudar a narrativa.”

Ela recomenda responder com empatia e, então, dar exemplo de resiliência. (“Sei que isso é muito difícil e também estou desapontado. As coisas serão diferentes este ano. Vamos pensar em coisas boas que podemos fazer em família. Podemos buscar soluções juntos.”)

Bartlett também sugere que os pais criem previsibilidade na medida do possível. Por exemplo, se você está conversando com uma criança que tem medo de pessoas na calçada, trabalhe com ela para mapear algumas possibilidades. Conte o que sabemos, o que não sabemos e coisas que vocês dois poderiam decidir praticar. E caso precise dar uma notícia que possa ser desanimadora, faça isso com calma.

Checar os fatos para amenizar o medo

Para aquelas crianças que sempre têm outra pergunta do tipo “e se”, Chansky sugere que os pais comecem ajudando-as a identificar suas preocupações e se autorregular. (“Em vez de falarmos sobre preocupações o dia todo, e se estipularmos cinco minutos às três horas todos os dias para isso? Você pode me dizer todas as coisas que estão te preocupando e com a nossa caneta vermelha iremos corrigir tudo o que não estiver certo.”)

“Você está ajudando seu filho a aprender o que nós, adultos, fazemos, que temos certo poder de decisão sobre os nossos pensamentos”, afirma Chansky. “É fortalecedor para as crianças saberem que sua preocupação diz uma coisa, mas que elas podem verificar os fatos para chegar a uma interpretação mais precisa do que está acontecendo.”

Faça com que seja uma experiência compartilhada. Permita que as crianças trabalhem seus sentimentos em vez de oferecer respostas imediatamente, sugere Chansky. “Entregue a caneta imaginária para seu filho e diga: você quer corrigir a preocupação ou quer que eu o faça? Eles internalizarão esse hábito.”

E embora seja normal que as crianças sintam medo e ansiedade, os pais devem estar atentos a padrões destrutivos ou persistentes de pensamento negativo, como falar de coisas absolutas ou extremas. “Uma decepção específica é amplificada, passando a abranger o todo”, explica Chansky. “Um pai pode dizer: ‘Não poderemos encontrar a vovó e o vovô neste Natal’, e a criança pode responder: ‘Isso tudo é horrível. Eu odeio tudo isso. Isso é muito chato.’”

Novamente, os pais podem ajudar os filhos a reformular. (“Isso é decepcionante, mas precisamos descobrir novas tradições. Seremos fortes porque as boas decisões que tomarmos neste fim de ano nos ajudarão a nos manter seguros.”) Se a reformulação não funcionar e os pais sentirem que não conseguiram atingir a criança que está presa em um padrão de pensamento negativo, uma opção seria consultar o pediatra ou terapeuta.

Reconforto, rotina e regulação

Os pais também podem promover um espaço seguro e ajudar os filhos a se ajustarem praticando o que Bartlett chama de 3 Rs: reconforto, rotina e regulação.

O reconforto pode ser verbal ou físico — por exemplo, dar abraços e passar bons momentos com as crianças. “O objetivo é transmitir a mensagem de que eles estão seguros, que seus entes queridos estão protegidos e que os adultos estão se esforçando ao máximo para garantir que todos permaneçam assim”, afirma ela.

Em segundo lugar, tente manter uma rotina. Isso pode ser complicado para os pais durante a epidemia de covid-19, mas Bartlett aconselha simplesmente proporcionar aos filhos uma sensação de ordem, em vez de uma programação rígida. Segundo ela, o segredo é descobrir o que você pode manter sempre igual e previsível, como dormir, comer, estudar e brincar.

Por fim, os pais podem incentivar e promover habilidades de enfrentamento. “Autorregulação significa administrar sentimentos complicados e, para crianças de todas as idades, essa é uma das principais tarefas da infância e da adolescência — descobrir como lidar com seus próprios sentimentos”, explica Bartlett. Isso pode significar ensinar às crianças técnicas de relaxamento, como respiração profunda, movimentos relaxantes ou momentos de silêncio.

Incentive as crianças a se concentrarem naquilo que são capazes de controlar

Além das habilidades de regulação, outra técnica para lidar com a incerteza é cultivar o senso de controle. “A autoeficácia ajuda as crianças a se sentirem positivas e esperançosas — o que é assustador para as crianças é não poder se envolver e assistir a tudo sem ter nenhum controle”, explica Bartlett.

Ela recomenda envolver as crianças em formas de ajuda adequadas à idade — que podem variar desde ajudar nas tarefas domésticas até enviar comida para pessoas que precisam. “Durante a pandemia, vimos muitas pessoas se reunindo, cuidando de idosos e crianças pequenas, produzindo máscaras”, afirma Bartlett. “Podemos mostrar a eles essas histórias e fazer com que experimentem positividade e esperança ajudando alguém”.

Focar nas conexões sociais é mais importante do que nunca. “Todo ser humano precisa de socialização e as crianças precisam passar tempo de qualidade com seus cuidadores e outras pessoas importantes em suas vidas”, continua Bartlett. “É essencial que pais, famílias e comunidades pensem juntos sobre maneiras criativas de se manterem conectados”. Conectar-se por meio de plataformas on-line ou enviar cartas de papel à moda antiga são algumas opções.

Chansky concorda que a compaixão pelos outros incentiva a conexão social e a resiliência. Ela sugere transformar isso em um ritual, ou seja, passar 15 minutos toda a semana fazendo coisas para outras pessoas, seja enviando um cartão para um membro da família ou levando algo para o vizinho. “Ajudar outras pessoas acaba criando uma estrutura na vida do seu filho, gerando satisfação imediata.”

Outro ritual para fazer juntos é praticar a gratidão. “É empiricamente comprovado que melhora o humor e [cria] uma sensação de bem-estar e felicidade”, afirma Chansky. “Traga para a rotina familiar o ato de falar sobre as coisas pelas quais você se sente grato ou que te fazem feliz hoje.”

Cuide-se

Essencialmente, Bartlett deseja lembrar aos pais de cuidar de si mesmos e pedir ajuda quando precisarem. Reserve alguns minutos para conversar com um amigo todos os dias, saia ou faça exercícios de mindfulness (atenção plena).

“O segredo para um desenvolvimento infantil positivo é ter um adulto saudável e emocionalmente disponível”, afirma Bartlett. “Mas realmente precisamos ter certeza de que isso não acabe sendo uma premissa para culpar os pais. A mensagem para os pais deve ser: não almeje a perfeição, almeje atitudes suficientemente boas neste momento.”

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