Por que tocamos tanto uns nos outros? Eis as raízes do ‘aperto de mão’ e do ‘beijo no rosto’

A pandemia do novo coronavírus está interrompendo antigos hábitos que se difundiram da Grécia antiga aos quakers americanos.

Por Nina Strochlic
Publicado 19 de mar. de 2020, 07:15 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Por milhares de anos, o aperto de mão foi utilizado para diversas finalidades. Nesta imagem, o ...
Por milhares de anos, o aperto de mão foi utilizado para diversas finalidades. Nesta imagem, o senador Robert F. Kennedy aperta a mão de seus admiradores durante sua campanha eleitoral.

MUITO pode ser transmitido em um aperto de mão, beijo ou abraço. Ao longo da história, essa saudação foi utilizada como demonstração de amizade, para encerrar transações comerciais ou indicar devoção religiosa. Mas tocar desconhecidos também pode trazer outro tipo de consequência, muito menos benéfica — como surtos de doenças.

Com o aumento da insegurança sobre a Covid-19, doença causada pelo coronavírus, a França alertou seus cidadãos a pararem de se cumprimentar com seus famosos beijos nas bochechas, e, em todo o mundo, os negócios estão sendo fechados com um toque de cotovelos. Mas com uma história que remonta a milhares de anos, os beijos e apertos de mão provavelmente estão enraizados demais para serem interrompidos assim tão facilmente.

Uma teoria popular sobre a origem do aperto de mão indica que ele começou como um gesto de paz. Apertar as mãos provava que você não estava segurando uma arma — e o movimento do aperto de mão era uma maneira de garantir que seu parceiro não tinha nada escondido na manga. Em todo o mundo antigo, o aperto de mão é retratado em vasos, lápides e lajes de pedra em cenas de casamentos, deuses realizando acordos, jovens guerreiros partindo para a guerra e a chegada dos recém-mortos à vida após a morte. No cânone literário, estende-se à Ilíada e à Odisseia.

Um relevo de pedra do século 9 a.C. retrata o rei Salmanaser III da Assíria apertando a mão de um babilônio. O aperto de mão aparece na arte em todo o mundo antigo.
Foto de De Agostini, Getty

A utilidade geral do aperto de mão, um costume em relacionamentos amorosos, comerciais e de amizade, dificulta sua interpretação. “O aperto de mão continua sendo até hoje uma imagem popular, porque também a vemos como uma finalidade complexa e ambígua”, escreveu o historiador de arte Glenys Davies em uma análise de seu uso na arte clássica.

Na América do Norte, é provável que a popularidade do aperto de mão tenha sido impulsionada pelos quakers no século 18. Em seus esforços para fugir da hierarquia e da posição social, eles consideravam o aperto de mão uma forma mais democrática de cumprimento do que o comum gesto de reverência, cortesia ou tirada de chapéu da época. “No lugar dessas saudações, a Sociedade dos Amigos colocou em prática o aperto de mão, que passou a ser utilizado por todos, independentemente da posição social, como fazemos até hoje", escreveu o historiador Michael Zuckerman.

Deve haver uma explicação científica para seu poder tão duradouro. Em um estudo de 2015, pesquisadores em Israel filmaram apertos de mão entre centenas de desconhecidos e descobriram que quase um quarto dos participantes cheirou as próprias mãos logo em seguida. A teoria deles é a de que um aperto de mão pode ser uma forma inconsciente de detectar sinais químicos e, possivelmente, um meio de comunicação — assim como outros animais cheiram uns aos outros.

O cumprimento com um beijo tem uma história igualmente valiosa. Foi incorporado ao cristianismo antigo e utilizado em cerimônias religiosas. “Na Epístola aos Romanos, São Paulo instruiu seus seguidores a 'saudar uns aos outros com um beijo sagrado'”, escreveu Andy Scott no livro One Kiss or Two: In Search of the Perfect Greeting (Um beijo ou dois: Em busca da saudação perfeita, em tradução livre). Na Idade Média, o beijo era utilizado como sinal de fidelidade e para selar acordos como transferências de propriedades.

Atualmente, um beijo rápido na bochecha, em francês “la bise”, é uma saudação padrão em grande parte do mundo. A palavra pode ter se originado dos romanos, que tinham termos diferentes para cada tipo de beijo e chamavam a versão educada de “basium”. Em Paris, dois beijos são comuns. Em Provença, espere três beijos, e quatro é a regra no Vale do Loire. O beijo na bochecha também é comum em países como o Egito, onde as pessoas se cumprimentam com três beijos, e também na América Latina e nas Filipinas.

Acredita-se que durante a praga do século 14, la bise pode ter caído em desuso, voltando apenas 400 anos depois, após a Revolução Francesa. Em 2009, la bise foi temporariamente interrompido, pois a gripe suína se tornou uma preocupação. No final de fevereiro, o Ministro da Saúde da França desaconselhou essa prática após o aumento dos casos de coronavírus. “É aconselhável reduzir o contato social de natureza física", afirmou. “Isso inclui a prática do bise.”

Em seu livro Don’t Look, Don’t Touch (Não olhe, não toque, em tradução livre), a cientista comportamental Val Curtis, da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres, diz que uma possível razão para o beijo e o aperto de mão serem utilizados como saudação é simbolizar que a outra pessoa é confiável o suficiente para se compartilhar germes. Por esse motivo, a prática pode entrar e sair de moda, dependendo das preocupações de saúde pública.

Em um estudo de 1929, uma enfermeira chamada Leila Given escreveu um artigo no periódico American Journal of Nursing lamentando que a última geração tenha deixado de utilizar “as pontas dos dedos e dar um aperto de mão alto”, preferindo um aperto de mão normal. Ela alertou que as mãos “são agentes de trocas bacterianas” e citou estudos anteriores que mostram que um aperto de mão pode facilmente espalhar germes. Em conclusão, ela recomendou que os norte-americanos passassem a utilizar o costume chinês da época que era unir as próprias mãos ao cumprimentar um amigo. “Pelo menos nossas bactérias não se espalham”, ela escreveu.

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