Estados Unidos nunca adiaram eleição presidencial – entenda por que é tão complicado
Somente o Congresso tem poder para alterar o Dia das Eleições, que se manteve nas datas previstas até mesmo durante a Guerra Civil, a Gripe Espanhola e a Grande Depressão.
Uma tenda foi o local de votação improvisado para os eleitores em Staten Island, Nova York, nas eleições de 2012. A região havia sido gravemente atingida pelo furacão Sandy, mas as eleições presidenciais norte-americanas foram realizadas conforme planejado.
O presidente Donald Trump tuitou uma sugestão de que os Estados Unidos deveriam adiar as eleições presidenciais marcadas para novembro de 2020 “até que as pessoas possam votar de maneira adequada, segura e protegida”. Seu comentário está alinhado às críticas que ele vem fazendo à votação por correspondência, uma prática que muitos estados vêm ampliando durante a pandemia de coronavírus.
Embora a sugestão de Trump tenha sido refutada pelos legisladores dos dois partidos, incluindo o líder da maioria republicana no Senado, Mitch McConnell, levantou questões sobre se o adiamento da eleição presidencial seria constitucional e, caso fosse, o que seria necessário fazer primeiro.
Embora seja tecnicamente possível, o poder de definir a data da eleição não está nas mãos do executivo. A Constituição estabelece que essa atribuição cabe ao Congresso, ou seja, o poder legislativo. Os constituintes determinaram outras limitações que fazem com que o adiamento de uma eleição seja muito trabalhoso. Na verdade, os Estados Unidos mudaram a data de eleição presidencial apenas duas vezes na história — ambas nos primeiros 60 anos da fundação do país. E as eleições presidenciais nunca foram adiadas devido a uma crise nacional — nem mesmo durante a Guerra Civil ou a Grande Depressão.
O candidato democrata à presidência Franklin D. Roosevelt é recebido por agricultores no estado da Geórgia, a caminho de Warm Springs, na Geórgia, em 24 de outubro de 1932. Nem mesmo a Grande Depressão, a pior crise econômica da história, conseguiu impedir que as eleições presidenciais ocorressem.
Eis o que seria necessário para adiar uma eleição — e por que há tão poucos precedentes na história dos Estados Unidos.
O que a Constituição estabelece?
Quando a Constituição dos Estados Unidos foi ratificada, em 1788, não especificava quando as eleições presidenciais ocorreriam, apenas definia quem era responsável por elas. O Artigo II, Seção 1 dispõe: “O Congresso poderá determinar o momento de escolha dos membros do Colégio Eleitoral e o dia em que eles votarão; tal dia será o mesmo em todo o território dos Estados Unidos.” Isso significa que o presidente seria selecionado por um grupo de eleitores — conhecido como Colégio Eleitoral — e o Congresso teria o poder de decidir quando os estados definiriam seus eleitores e quando os votos seriam expressos.
A primeira eleição presidencial dos Estados Unidos foi realizada em janeiro de 1792, depois disso o Congresso decidiu mudar para dezembro o prazo para os eleitores enviarem seus votos. Em seguida, permitiu que os estados escolhessem o dia em que definiriam seus eleitores, concedendo-lhes um período de 34 dias. A maioria dos estados acabava realizando as eleições presidenciais no início de novembro, dois meses antes da realização da primeira eleição. E continuou dessa forma por mais de 50 anos.
Em 1845, no entanto, o Congresso começou a temer que esse processo deixaria muito tempo para “intrigas”. As viagens e a comunicação entre os estados ficaram mais fáceis, o que possibilitou que os estados que haviam votado antes influenciassem indevidamente os demais. Naquele ano, o Congresso aprovou uma lei que designava um único dia como o Dia de Eleição para todo o país: a primeira terça-feira após a primeira segunda-feira de novembro.
De acordo com o entendimento de estudiosos, os estados podem adiar as eleições presidenciais, pois de fato têm o poder de determinar seu próprio processo de seleção de eleitores. Mas isso ainda não foi testado — e os estados ainda são obrigados por lei a enviar seus votos eleitorais ao Congresso até a quarta quarta-feira de dezembro.
O que acontece se o Congresso mudar a data de uma eleição?
Se o Congresso decidir que a pandemia de coronavírus justifica o adiamento da data da eleição, terá que mudar as leis que regem a data das eleições gerais, bem como as datas em que os estados devem enviar seus votos eleitorais ao Congresso. Como aponta o Centro Nacional de Constituição, essas mudanças exigiriam o consentimento das duas câmaras do Congresso.
Mas, embora o Congresso tenha autonomia para antecipar as eleições, há muito menos margem para adiá-las graças à 20ª Emenda. Ratificada em 1933, essa emenda constitucional especifica que os mandatos de quatro anos do presidente e do vice-presidente terminarão ao meio-dia de 20 de janeiro após um ano eleitoral — independentemente de uma eleição ter ocorrido ou não.
“Não há disposições legais que permitam a um presidente permanecer no cargo após essa data, mesmo em caso de emergência nacional, a menos que seja ratificada uma nova emenda constitucional”, declarou o Serviço de Pesquisa do Congresso em um relatório de março de 2020 sobre o adiamento das eleições federais.
Quem ocuparia o cargo em 20 de janeiro se não tiver ocorrido uma eleição e a Constituição não tiver sido alterada? O relatório alega que as regras de sucessão entrariam em vigor, e a Presidente da Câmara dos Deputados — atualmente a cargo da democrata Nancy Pelosi — se tornaria presidente interina.
Alguma vez as eleições já foram adiadas?
Trump não é o primeiro a apresentar a ideia de adiar uma eleição presidencial durante uma emergência nacional. Mas, embora os eventos nacionais tenham atrapalhado as eleições, nunca levaram ao cancelamento ou adiamento por completo. Em 1918, os Estados Unidos realizaram suas eleições intermediárias em meio à pandemia de gripe espanhola, as campanhas foram realizadas com distanciamento social e houve o uso de máscaras na votação. Durante a Grande Depressão na década de 1930, a política ficou mais intensa do que nunca e os norte-americanos enfrentaram furacões, tornados e as consequentes quedas de energia elétrica para votar à luz de lanternas.
Ilustração de soldados do Exército da União em fila para votar durante a Guerra Civil dos Estados Unidos, em 8 de novembro de 1864. Alguns republicanos sugeriram adiar a eleição presidencial daquele ano, mas o país a manteve mesmo assim — decisão que o Presidente Abraham Lincoln aplaudiu como sendo a correta.
Durante a Guerra Civil, alguns republicanos sugeriram adiar a eleição presidencial de 1864 — não por motivos de logística, mas por temerem que Abraham Lincoln não fosse reeleito. Por fim, a eleição aconteceu e Lincoln teve uma vitória esmagadora.
Em um discurso posterior, Lincoln disse que a eleição havia sido “uma necessidade” para manter o livre governo do país. “Isso demonstrou que o governo de um povo pode sustentar uma eleição nacional, em meio a uma grande guerra civil”, declarou ele. “Até agora, o mundo não sabia que existia essa possibilidade.”
Na sequência do 11 de setembro, também houve especulações de que o governo Bush poderia tentar adiar a eleição presidencial de 2004 por preocupações com um ataque terrorista perto do dia da eleição ou no próprio dia. A Assessora de Segurança Nacional da época Condoleezza Rice deu fim a essa especulação ao declarar: “Tivemos eleições neste país quando estávamos em guerra, até mesmo quando estávamos em guerra civil. E as eleições devem ocorrer na data estipulada. Esta é a opinião do presidente.”
Nos anos seguintes, os Estados Unidos realizaram assiduamente a votação na data prevista, como sempre, mesmo diante de guerras, desastres naturais, ataques terroristas e até pandemias.