Por que alguns países estão retomando o turismo durante a pandemia

A pandemia da covid-19 está piorando, mas alguns países estão recebendo turistas novamente para retomar a economia ameaçada.

Por Bruce Wallin
Publicado 3 de dez. de 2020, 07:00 BRT
O trabalho de artistas culturais na Reserva Nacional Maasai Mara, no Quênia, reduziu durante a pandemia ...

O trabalho de artistas culturais na Reserva Nacional Maasai Mara, no Quênia, reduziu durante a pandemia de covid-19. O país reabriu para entrada de turistas em 1o de agosto de 2020.

Foto de Tony Karumba, AFP/Getty Images

A PANDEMIA DE COVID-19 ESTÁ PIORANDO novamente em países como Estados Unidos, França, e Alemanha. Muitos outros países estão retomando os bloqueios totais ou parciais para combater a transmissão viral. No entanto, outros países estão começando a reabrir para turistas que vêm de locais onde o vírus não está controlado. Por que isso está acontecendo?

Assim como restaurantes e bares dos Estados Unidos que voltaram a funcionar mesmo com o avanço do vírus, diversos destinos de economias dependentes do turismo (Egito e Costa Rica, por exemplo) apontam que não abrir para turistas por tempo indeterminado é financeiramente insustentável. “A paralisação do turismo teve um grande impacto nas economias de muitos países”, afirma Steve Carvell, professor da Escola de Administração Hoteleira da Universidade Cornell. “Esses países não podem se dar ao luxo de perder uma temporada inteira de lucro.”

Descobrir como movimentar euros ou dólares sem deixar de proteger a vida dos cidadãos é um desafio para qualquer país. Veja como diversos destinos populares estão equilibrando riscos e benefícios.

Garçom de um restaurante em La Paz, no México, higieniza uma mesa. O turismo é uma indústria que movimenta bilhões de dólares no México, mas reduziu significativamente desde o início da pandemia de covid-19 em março.

Foto de Alfredo Martinez, Getty Images

Economias dependentes do turismo

De acordo com o Conselho Mundial de Viagens e Turismo, a indústria do turismo foi responsável por 330 milhões de empregos — cerca de um em cada 10 — em 2019. A organização estima que aproximadamente 121 milhões de pessoas podem ficar desempregadas devido à pandemia em curso. Em regiões dependentes do turismo, como o Caribe — onde a indústria é responsável por quase 14% do PIB — os efeitos das paralisações causadas pela covid-19 são maiores. “Na maior parte do Caribe, cerca de 80 a 90% de seus visitantes vêm da América do Norte”, esclarece Carvell. “Esses países precisam reabrir.”

Os benefícios econômicos de abrir as fronteiras são evidentes, mas o objetivo por trás disso nem sempre é transparente. “As decisões ficam a critério de cada governo”, acrescenta John Spence, presidente da empresa de turismo Scott Dunn USA. “Nós acreditamos que as decisões sejam fundamentadas em orientações científicas, mas todos os países estão sendo pressionados internamente por seus conselhos de turismo.”

O monitoramento das restrições — e riscos — relacionados à covid-19 tornou-se tão essencial que levou Spence a alocar um funcionário em tempo integral dedicado à tarefa. Mesmo assim, sua equipe consulta regularmente as atualizações do Departamento de Estado dos Estados Unidos, sites das embaixadas dos Estados Unidos, comitês de turismo do Reino Unido, o Conselho Mundial de Viagens e Turismo (WTTC) e outras fontes para analisar se deve ou não enviar seus clientes em viagem a qualquer destino.

Em alguns países, o turismo não foi interrompido

Alguns países cujas economias são massivamente movimentadas pelo turismo nunca fecharam para turistas, incluindo o México. Apesar de os Estados Unidos ter limitado a entrada via fronteiras terrestres, seu o vizinho do lado sul não tem restrições para entrada de norte-americanos. A temperatura dos visitantes é geralmente aferida na chegada, mas fora isso, a Embaixada dos Estados Unidos no México apenas publica informações básicas sobre distanciamento social e higienização das mãos adequada em seu site.

Essas atitudes aparentemente indiferentes à pandemia de covid-19 podem ser o resultado de pressões financeiras. Turistas estrangeiros — a maior parte deles sendo norte-americanos — gastaram cerca de US$ 25 bilhões no México em 2019. O turismo representa mais de 15% do PIB do país, uma porcentagem que uma economia que já tem sofrido com dificuldades não pode perder.

Roberto Zapata, vice-presidente de turismo da Câmara de Comércio do México, contou recentemente a repórteres que o setor perdeu US$ 180 milhões por dia desde março. Em 2020, Zapata prevê que o setor de turismo alcançará no máximo 45% dos lucros de 2019. Com muitos hotéis operando com apenas 30% da capacidade devido a restrições do governo e pequenos negócios (capitães de barcos, guias de turismo) com pouca ou nenhuma receita proveniente do turismo, manter o país aberto parece ser a única opção.

Outro país com poucas restrições é a Tanzânia, onde o turismo gerava cerca de US$ 2,5 bilhões por ano antes da pandemia. Em junho, o presidente John Magufuli deu uma declaração falsa dizendo que o país estava livre do coronavírus, e em seguida o governo parou de relatar os casos. Magufuli atribuiu o milagre da saúde às orações e a um chá de ervas, e agora está incentivando ativamente os estrangeiros a retomar o turismo no local. A Embaixada dos Estados Unidos, no entanto, diz que o risco de contrair covid-19 permanece alto na Tanzânia, pois os serviços de saúde estão sobrecarregados.

Spence acredita que o Quênia seja o destino mais seguro na África Oriental no momento. “O país pensou bem sobre quando reabrir e sob quais condições”, explica ele. O turismo no Quênia emprega cerca de dois milhões de pessoas e ficou fechado por mais de quatro meses antes de permitir a retomada dos voos internacionais em 1o de agosto. “Muitas pessoas ficaram sem trabalho e muitas famílias sofreram”, conta Dra. Betty Addero Radier, CEO do Conselho de Turismo do Quênia. “A retomada do turismo devolveu a esperança a muitos.”

Addero Radier acredita que reabrir agora seja a única opção. “O vírus permanecerá entre nós por muito tempo”, afirma ela. “Fechar nossas fronteiras e espaço aéreo foi uma decisão necessária para conter a propagação do vírus. Mas não podemos fechar a economia para sempre.”

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    Turistas tiram fotos e nadam no rio Fortuna, no Parque Nacional Vulcão Arenal, na Costa Rica. O país centro-americano reabriu para os turistas norte-americanos em novembro. Para entrar no local, os visitantes devem preencher um formulário de saúde e adquirir um seguro com cobertura para eventuais despesas médicas e de quarentena.

    Foto de Thomas Ebert, Laif, Redux

    Abordagem cautelosa na Costa Rica

    Ao equilibrar economia e saúde, outros países dependentes do turismo adotaram abordagens mais cautelosas, criando protocolos de segurança amplos antes da reabertura.

    A Costa Rica e sua indústria de turismo que gera receitas de US$ 4 bilhões por ano, prevê uma queda de até 70% neste ano.

    “Tem sido um drama para todos nós”, lamenta Gustavo J. Segura, Ministro do Turismo da Costa Rica. “Estamos falando de milhares de pessoas que perderam seus empregos.” São 600 mil empregos relacionados direta ou indiretamente à indústria do turismo, que correspondem a mais de 8% do PIB do país. Os turistas que viajam dos Estados Unidos representam quase a metade dos cerca de três milhões de turistas estrangeiros da Costa Rica em um ano normal, e as autoridades de turismo estavam ansiosas, com razão, para permitir que os turistas voltassem a frequentar pousadas ecológicas na natureza e resorts na praia.

    Para reabrir de forma mais segura para turistas e cidadãos, o governo agiu com cautela, primeiro retomando o turismo doméstico em julho e permitindo a entrada de um número limitado de europeus no início de agosto. O país implementou medidas de precaução, incluindo o fechamento das praias às 14h30 e a limitação de visitas guiadas a grupos privados, sendo cada grupo familiar atendido separadamente.

    O governo de Granada adotou uma abordagem cautelosa para permitir o retorno de turistas estrangeiros, exigindo um teste negativo de covid-19 antes e depois de sua chegada. Os turistas devem ficar em quarentena em seu hotel ou resort (como o Sandals, na foto) aguardando o resultado negativo do teste que os permita passear pelas ilhas.

    Foto de Dietmar Denger, Laif, Redux

    Os desfechos têm sido bons: “Nenhum turista entrou no país com o novo coronavírus, nem o contraiu enquanto permaneceu na Costa Rica”, afirma Segura. “Em setembro, decidimos que era hora de reabrir para os Estados Unidos.” De início, residentes de 20 estados dos Estados Unidos que relataram níveis de infecção mais baixos do que a Costa Rica tiveram permissão para entrar no país, e em 1o de novembro o país reabriu a todos os norte-americanos.

    Considerando custos e benefícios no Caribe

    As ilhas do Caribe estão sendo cuidadosamente reabertas para turistas norte-americanos. Em junho, as Ilhas Virgens Americanas — onde o turismo é responsável por mais de 50% do PIB — foram uma das primeiras a reabrir e, desde então, outras ilhas estão reabrindo, como Santa Lúcia, Ilhas Turcas e Caicos, a República Dominicana e, mais recentemente, Granada, a nação de três ilhas.

    A região do Caribe atraiu 31,5 milhões de turistas em 2019, gerando mais de US$ 40 bilhões em receita — número que deverá cair pelo menos 50% este ano. Granada depende menos do turismo do que muitos países do Caribe. Intitulada Ilha das Especiarias, Granada é uma fonte global de noz-moscada, canela e outras culturas.

    O turismo é responsável por cerca de 23% de seu PIB e por mais de 10 mil empregos em uma população de mais de 112 mil pessoas. “Para uma ilha pequena, esse número é expressivo”, reitera Patricia Maher, CEO da Autoridade de Turismo de Granada.

    Os efeitos produzidos em um lugar como Granada vão muito além dos empregos no setor de turismo. “Não apenas os trabalhos formais têm sido afetados — mas também serviços de encanamento, eletricidade e todos os outros serviços auxiliares”, diz Carvell. “As pessoas que comprariam bens e serviços agora têm pouca ou nenhuma renda para isso, causando um impacto em toda a economia.”

    Antes da decisão de permitir a entrada de turistas norte-americanos no início de outubro, o governo de Granada avaliou as consequências financeiras a longo prazo com relação aos riscos impostos pela covid-19. “Nossa ministra do turismo é médica e trabalha em estreita colaboração com o ministro da saúde e o diretor médico”, esclarece Maher. “Eles passaram horas, dias, fins de semana trabalhando em protocolos, procurando o equilíbrio entre vidas e meios de subsistência.”

    O governo trabalhou em estreita colaboração com a Organização de Turismo do Caribe e a Agência de Saúde Pública do Caribe, um consórcio dedicado à prevenção da doença na região. Granada — que teve apenas 41 casos confirmados de covid-19 — exagerou na cautela. Para visitar o país, os cidadãos não caribenhos precisam ter um teste PCR negativo realizado nos últimos sete dias. Após sua chegada, eles devem permanecer em seu resort ou hotel por quatro dias antes de fazer o teste novamente, e apenas se o segundo resultado for negativo, pode-se viajar pelo país.

    Preparando-se para o desastre

    Mesmo com as medidas extras que os países estão implementando antes da retomada do turismo, surtos de covid-19 são inevitáveis. “Podemos tomar todos os cuidados que quisermos, mas esse novo coronavírus vai se propagar com as viagens”, esclarece o Dr. Nabarun Dasgupta, epidemiologista da Universidade da Carolina do Norte. “A questão é: o que será feito quando a situação estiver caótica?”

    Países como Granada e Costa Rica estão se preparando para esse dia. “Nossa ministra do turismo é realista”, conta Maher. “Colocamos em prática as melhores medidas para prevenção contra a covid-19, mas no fim das contas sabemos que contágios podem acontecer.”

    Para lidar com possíveis surtos, Granada possui um amplo processo de rastreamento de contatos, e o governo também treinou mais de dois mil trabalhadores no setor de turismo para controlar as infecções. A Costa Rica depende amplamente de seu conceituado sistema de saúde pública, que inclui uma rede de clínicas de atendimento sem hora marcada em todo o país. “Isso é vital para o turismo, porque é possível estar em uma área rural e encontrar um médico certificado”, explica Segura, acrescentando que a Costa Rica agora exige que os turistas tenham seguro de viagem com cobertura de hospitalizações e quarentenas relacionadas à covid-19.

    Prevenir e conter a transmissão do novo coronavírus é o principal fator para reaberturas bem-sucedidas. “Se as pessoas não se sentirem confortáveis com a capacidade oferecida pelo país de manter a segurança dos visitantes, elas não viajarão para o local”, conclui Carvell. “O mercado vai beneficiar os países que oferecem níveis razoáveis de segurança.”

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