Novos medicamentos podem ampliar a disponibilidade de órgãos para transplante

Até pouco tempo, órgãos de doadores que morreram por overdoses medicamentosas eram frequentemente descartados devido a preocupações com a hepatite C.

Por Julie Appleby
Publicado 21 de ago. de 2018, 18:23 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Cirurgiões realizam um transplante de fígado em Madri.
Cirurgiões realizam um transplante de fígado em Madri.
Foto de PIERRE-PHILIPPE MARCOU, AFP, Getty Images

APÓS seus rins pararem de funcionar devido à mesma doença que tirou as vidas de sua mãe e de seu irmão, Anne Rupp começou a fazer diálise em maio de 2016 e passava três horas por dia, durante três vezes por semana, no procedimento de limpeza sanguínea. Ela odiava.

Rupp, que tinha rins policísticos, se juntou a outros 95 mil americanos que aguardam nas filas de transplante de rins. Ela sabia que a espera poderia se estender por alguns anos.

Porém, uma fonte experimental e controversa de órgãos doados apresentou uma resolução bem mais rápida: medicamentos de alto custo para tratar a hepatite C possibilitaram o uso de órgãos doados por vítimas de overdose de opioides que estavam infectadas por esse vírus que já foi considerado mortal.

Seis meses após concordar em participar de um estudo, no qual os pacientes em busca de transplante de rim aceitariam órgãos de doadores infectados, Rupp recebeu um telefonema às sete e meia da manhã em sua casa em York, na Pensilvânia. “Temos um rim para você!”.

A quantidade de pessoas que doam órgãos após o óbito devido a overdoses medicamentosas aumentou em mais de 200% desde 2012, conforme dados da Rede Unida para o Compartilhamento de Órgãos (UNOS, sigla em inglês) – um aumento de mais de 13% de doadores no total. No entanto, cerca de 30% dos 1.382 doadores que foram a óbito por overdose em 2017 tiveram resultados positivos para hepatite C.

"O mundo mudou"

Antigamente, os órgãos expostos à hepatite C costumavam ser descartados ou doados somente para pacientes que já tinham a doença. Utilizá-los em pacientes que não têm o vírus poderia reduzir o tempo de espera do transplante para centenas de pacientes a cada ano.

 “Isso é muito empolgante porque, há cinco anos, 100% dos corações com hepatite C [doados] estavam sendo enterrados e, agora, alguns deles estão sendo utilizados”, disse Peter Reese, professor-associado de medicina na Universidade da Pensilvânia. “O mundo mudou”.

No entanto, sabe-se que pacientes recebendo esses órgãos teriam que passar por um tratamento simultâneo com medicamentos para tratar a hepatite C, em geral, durante um período de 6 a 12 semanas, com medicamentos que custam dezenas de milhares de dólares. Além disso, não se sabe se o uso a longo prazo dos medicamentos é seguro e eficaz nessa população.

“Nunca fizemos isso antes", lembra Rupp, de 76 anos, quando seu médico no Hospital Johns Hopkins em Baltimore, Maryland, lhe contou isso ao oferecer essa opção. Mas ele explicou que os novos medicamentos antivirais quase sempre curam a hepatite C.

Apesar de alguns pacientes com hepatite C não terem sintomas, com o tempo, o vírus não tratado pode causar doença hepática crônica e levar à falência hepática.

O estudo Hopkins e diversos outros estudos nacionais estão descobrindo novas possibilidades médicas, ao mesmo tempo que expõem os pacientes a altos custos.

Política específicas

Como o procedimento é considerado experimental, muitos convênios médicos não possuem uma política de cobertura específica para os medicamentos antivirais de alto custo que funcionam para o tratamento.

As seguradoras que responderam às perguntas para esta matéria informaram que, em geral, cada pedido é individual e considerado de acordo com o caso e que a cobertura é concedida aos medicamentos se forem considerados necessários clinicamente.

Pesquisadores e especialistas em ética disseram que a cobertura deve ser esclarecida antes desse novo procedimento se tornar amplamente disponível.

“Como seria possível infectar alguém de modo intencional sem estar 100% seguro de que um terceiro pagará pelo tratamento?”, disse Christine Durand, professora-assistente de medicina na Faculdade de Medicina da Universidade Johns Hopkins.

Na Hopkins, os pacientes começam o tratamento com os medicamentos antivirais logo antes de serem levados para a sala de cirurgia. Outros programas esperam até que o paciente se torne positivo para hepatite C, o que normalmente ocorre nos primeiros dias após o transplante. Em geral, ao participarem de um estudo, os medicamentos são custeados pelo fabricante ou pelas instituições que estão conduzindo a pesquisa.

Quando os medicamentos chegaram ao mercado pela primeira vez, no final de 2013, todos os estágios do tratamento totalizavam um custo de 100 mil dólares. À medida que mais antivirais se tornaram disponíveis, os preços caíram e os limites de cobertura se tornaram mais reais para pessoas com hepatite C crônica. O preço líquido médio para um ciclo de terapia antiviral de hepatite C é atualmente de $25.167,00, conforme a SSR Health, integrante da SSR LLC, uma butique de investimento e pesquisa.

Fora desses ensaios, os cirurgiões de transplante disseram que buscaram e que costumam obter uma cobertura de seguro para os medicamentos. Durand disse que o avanço tem bom custo-benefício, pois os medicamentos custam menos do que a diálise contínua para insuficiência hepática ou do que os equipamentos de auxílio de coração artificial.

Os pesquisadores estão divididos sobre o fato de haver evidências suficientes para tirar o procedimento da base de estudos científicos.

 “Não é o padrão atual de tratamento médico, mas está caminhando nessa direção", disse Durand.

Contudo, outros pesquisadores pedem cautela até que resultados a longo prazo sejam apresentados.

Apesar de os primeiros 20 pacientes do Hopkins e Penn que receberam rins em um estudo publicado terem se curado da hepatite C, “se tivéssemos tido 100 pacientes, ou 200, teríamos uma base melhor a respeito da taxa de cura ser de 100%", disse Reese da Penn.

Monitoramento

O programa de transplante de coração no Centro Médico da Universidade de Vanderbilt, em Nashville, transplantou 42 pacientes não infectados com corações expostos à hepatite C e continua os monitorando. Ashish Shah, o diretor do programa, observou que algumas pessoas com hepatite C não tratada ou existente por longo período apresentam uma incidência maior de doença arterial coronariana.

 “Teremos que observar isso”, disse ele, mas acrescentou que muitos pacientes com insuficiência cardíaca severa morreriam de outro modo na fila esperando pelo transplante.

 “É sensato perceber que os riscos [de aceitar o órgão de um doador infectado por hepatite] são muito inferiores", disse ele.

Jay Fuentes, de 45 anos, que trabalha como enfermeiro licenciado em Quakertown, na Pensilvânia, concordou em participar do estudo na Penn com a expectativa de conseguir um transplante mais rapidamente após seus rins pararem de funcionar em 2017.

 “Parecia moleza para mim”, disse Fuentes. “Se eu tivesse no primeiro grupo, em que nunca havia sido testado antes, talvez eu teria hesitado”.

Ele se tornou positivo para hepatite C logo após a cirurgia, e tomou os medicamentos antivirais por um período de 90 dias. Ele disse que não tem mais a doença e que voltou a atuar no teatro local junto com seus filhos.

 “É o começo de uma nova vida”, disse Fuentes.

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