Os bizarros tritões permanecem filhotes por toda a vida, e ainda assim são capazes de se reproduzir

Em determinadas circunstâncias, salamandras dos Alpes Europeus e de outras regiões são capazes de adiar por anos — ou pela vida toda — seu desenvolvimento até a fase adulta.

Por Elizabeth Anne Brown
Publicado 22 de ago. de 2018, 18:05 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
A pedomorfose permite que tritões-alpinos, como essa fêmea, mantenham as adaptações aquáticas e retardem a metamorfose ...
A pedomorfose permite que tritões-alpinos, como essa fêmea, mantenham as adaptações aquáticas e retardem a metamorfose por meses, anos ou por toda a vida.
Foto de Will Atkins

Como PETER PAN, o tritão-alpino às vezes se recusa a crescer.

Esses pequenos anfíbios, que são um tipo de salamandra, se alimentam de plâncton das lagoas geladas das montanhas as quais chamam de lar, a uma altitude de mais de 2,4 mil metros acima do nível do mar, nos Alpes Europeus. Uma coroa característica de franjas de guelras, usada para filtrar o oxigênio da água, distingue os jovens. São larvas, que estão para o tritão da mesma forma que os girinos estão para os sapos.

A grande maioria dos tritões-alpinos segue um caminho tortuoso pelos estágios da vida, com a pontualidade de um relógio. Trocam suas camadas de guelras por pulmões, rastejam para a terra e gradualmente passam a uma dieta de insetos antes de seu primeiro inverno.

Contudo, a cada geração, um número reduzido de tritões-alpinos simplesmente opta por não deixar seu berço aquático. A vida é boa na lagoa, ao que parece, e eles mantêm suas adaptações aquáticas e continuam a crescer, embora permaneçam basicamente como larvas.

Contudo, os tritões que buscam essa estratégia de vida ficam em perigo, ameaçados por espécies invasoras e pela alteração nos padrões de precipitação associada à mudança climática. Um estudo mais completo desses animais poderia ajudar a esclarecer as complexidades da metamorfose e do desenvolvimento dos anfíbios — que também se encontram em declínio global. Ao contrário de Peter Pan, os pesquisadores não possuem a eternidade.

Esses bebezões são chamados de pedomorfos, que significa “forma imatura”, e eles adiam a metamorfose por meses, anos ou até mesmo pela vida toda—mas ainda podem se reproduzir. No mundo das salamandras, falar sobre sexo com os filhos seria muito mais estranho do que no nosso.

Quando o assunto é a maturidade sexual dos tritões-alpinos, não importa a idade—o que importa é ser gordo. Como um tritão rechonchudo é um tritão bem-sucedido, as gônadas dessas salamandras entram em ação ao se aproximarem de uma determinada proporção de peso por comprimento, uma espécie de limite baseado no "Índice de Massa Corporal do tritão" para que os tritões se tornem pais.

Um modo de vida diferente

É tentador pensar em metamorfose como sendo análoga à puberdade dos seres humanos. No entanto, para diversas espécies de salamandras, a maturidade física e sexual “não têm nenhuma relação com a nossa puberdade”, explica Mathieu Denoël, biólogo da Universidade de Liège e especialista mundial em tritões-alpinos.

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“A metamorfose permite apenas que o animal mude de habitat—para uma forma de alimentação diferente, um modo de vida diferente”, afirma Denoël, que também tem uma nomeação no Fundo Nacional de Pesquisa Científica da Bélgica. Uma fêmea de tritão-alpino pode começar a produzir ovos antes ou após evoluir para um corpo adulto, e ela pode viver em um corpo jovem para sempre.

No lugar da puberdade, podemos pensar na metamorfose como uma versão superacelerada dos primeiros anos da vida humana. Conforme o bebê cresce, seu tronco passa a ter um tamanho comparável ao de seu crânio enorme e suas pernas ficam proporcionalmente mais longas ao parar de engatinhar e começar a andar.

Os seres humanos não ficam só maiores, seu sistema corporal básico muda. É essa parte que os pedomorfos deixam de lado.

Em termos humanos, imagine as proporções de um bebê humano—a cabeça bulbosa, os olhos enormes, os membros curtos—em um homem de uns 80 quilos que engatinha e se alimenta somente de purê de maçã. Contanto que ele possa se reproduzir, esse é um tritão-alpino pedomórfico.

Um seguro aquático

É difícil imaginar como o atraso no desenvolvimento de um pedomorfo pode acabar se tornando uma vantagem. No entanto, segundo Francesco Ficetola, zoólogo da Universidade de Milão, na realidade, é uma adaptação brilhante que visa a sobrevivência com recursos escassos em um ambiente imprevisível.

Considerando a dificuldade em encontrar alimento no alto dos Alpes, os pedomorfos ocuparam um importante espaço na ecologia das montanhas que os metamorfose, seus irmãos que aceitaram crescer, não podem ocupar.

“Em uma lagoa isolada, não ligada a um rio ou lago, não existem peixes” em muitos casos, afirma Ficetola. Isso significa a falta de predadores aquáticos e a existência de um mundo cheio de lugar vazio para morar.

Os cientistas acreditam que a pedomorfose possa ter evoluído para reduzir a competição dentro da espécie, em outras palavras, é melhor para toda a família se irmãos não competirem pelos mesmos recursos. E manter parte de cada geração na água garante a escolha de alimentos de cardápios diferentes.

Pedomorfos também parecem surgir quando o habitat terrestre está particularmente adverso—ou seja, com abundância de predadores ou falta de alimento adequado (Veja ainda: Marco zero do 'apocalipse' anfíbio finalmente encontrado).

Contudo, em épocas de extrema escassez, quando é difícil colocar algo no estômago tanto na terra quanto na água, continuar aquático pode ser a melhor forma de se manter seguro.

A metamorfose requer um investimento energético descomunal— afinal de contas, essas criaturas estão dissolvendo e desenvolvendo órgãos inteiros, sendo assim, tritões famintos podem não conseguir passar para o próximo estágio da vida e ainda investir no amadurecimento sexual.

Priorizar a reprodução em detrimento da metamorfose significa que a pedomorfose age como uma espécie de seguro para eventos catastróficos, explica Denoël. “Os pedomorfos podem reconstituir a população bem rápido e seus genes passam à geração seguinte mais rapidamente do que [os genes dos] metamorfos”, já que esses animais podem levar dois ou três anos para ziguezaguear até uma lagoa de procriação.

No fim das contas, a pedomorfose não é uma aposta tão arriscada para os tritões—se a lagoa secar ou as condições em terra melhorarem alguns anos depois, eles ainda podem desenvolver pulmões e correr para a terra. “Até mesmo em idade já avançada, inclusive perto da morte”, que ocorre apenas após os 20 anos de idade para alguns tritões nos Alpes, “ainda existe a possibilidade de metamorfose”, conta Denoël.

Embora os benefícios adaptativos da pedomorfose sejam evidentes, não temos certeza de qual seria o seu gatilho, ou melhor, do que suprime a metamorfose. Denoël formula a hipótese de que um conjunto de fatores leva à pedomorfose, desde a temperatura e nível da água até a genética populacional e a densidade de metamorfos em uma determinada lagoa. É um equilíbrio tênue muito ligado ao ambiente e sob extremo risco.

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    Lagoas em risco

    Os tritões-alpinos desenvolvem-se em lagos e lagoas da Europa, mas alguns vizinhos novos fizeram cientistas como Denoël e Ficetola se preocuparem com o futuro da pedomorfose.

    Embora a pedomorfose seja comum pelo fato de ser encontrada em todas as espécies de salamandras e tritões, apenas umas 100 populações de tritões-alpinos apresentam o fenômeno. Isso representa muito menos que um por cento das dezenas de milhares de comunidades de tritões-alpinos da Europa, segundo Denoël.

    Pescadores esportivos estão introduzindo peixes salmonídeos, como a truta, nessas águas intocadas. E um pedomorfo enfrentando uma espécie invasora, afirma Ficetola, “perde dos peixes”. Sem exceção.

    Os pedomorfos são totalmente aquáticos, então não podem escapar como seus primos metamorfos. Leva dias para ocorrer a metamorfose quando a vida na água é prejudicada, tempo demais para a maioria dos pedomorfos evitar seus novos predadores. “Em todos os lagos onde foram introduzidos peixes, a pedomorfose desapareceu totalmente”.

    Ficetola aponta para a mudança climática como outra ameaça existencial. Ela “mudou o ritmo da precipitação”, o que significa que lagoas outrora profundas, que sustentavam populações aquáticas por décadas, agora secaram depois de uma única estação, expulsando, na prática, os pedomorfos.

    Tudo isso indica que os bebezões estão encrencados, diz Ficetola. “Há áreas nos Balcãs que perderam mais de 95 por cento da população pedomórfica.”

    “Os anfíbios estão em declínio de forma generalizada”, acrescenta Ficetola, “mas os pedomorfos, em geral, estão muito mais ameaçados”.

    Para os tritões, crescer certamente não é a única opção. Mas se tivéssemos essa capacidade, ela provavelmente ajudaria a todos, humanos e anfíbios da mesma forma.

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