Usina hidrelétrica ameaça exterminar macaco mais raro do mundo
A barragem na Indonésia já está em construção e pode levar o recém-identificado orangotango Tapanuli à extinção.
O GRANDE PRIMATA mais raro do mundo, descoberto só em 2017, não sobreviverá à construção de uma barragem e usina hidrelétrica que terá o custo de US$ 1,6 bilhão no meio de seu último habitat em Sumatra, na Indonésia, advertem especialistas em vida silvestre.
Restam apenas 800 dos recém-identificados orangotangos Tapanuli na natureza, todos localizados na Floresta de Batang Toru, no norte de Sumatra. É um dos pontos de maior biodiversidade da Indonésia, lar de espécies raras como os tigres-de-sumatra e o criticamente ameaçado pangolim-malaio.
Nessa mesma área, já começou o desmatamento para o projeto da hidrelétrica, que está sendo construída e financiada por estatais chinesas sob a iniciativa chinesa Um Cinturão, Uma Rota. Essa iniciativa multitrilionária envolve mais de 7 mil projetos de infraestrutura em todo o mundo.
Faz menos de um ano desde que o mundo soube que tinha sido descoberta uma nova espécie de um grande símio. Embora os pesquisadores a estudem desde 2005, levou esse tempo para que eles identificassem definitivamente o orangotango Tapanuli como uma espécie genética e fisicamente distinta dos orangotangos-de-bornéu (Pongo pygmaeus) e orangotangos-de-sumatra (Pongo abelii), as duas outras espécies.
Apelos e protestos
“De modo algum esse projeto deve ser construído onde vivem esses macacos arborícolas”, afirma Bill Laurance, do Centro de Ciências Ambientais Tropicais e Sustentabilidade da Universidade James Cook da Austrália. A barragem e a usina hidrelétrica — e todas as vias associadas, linhas elétricas, um túnel de mais de 12 quilômetros de comprimento e outras infraestruturas — fragmentarão permanentemente o habitat do animal, continua Laurance.
“Eles são uma espécie criticamente ameaçada e poderiam ser rapidamente extintos com qualquer outra fragmentação da floresta primária”, esclarece ele, que é especialista mundial em impactos da fragmentação de habitats. “A ciência comprova isso. É loucura prosseguir com esse projeto”.
Uma estrada é o mesmo que um muro intransponível para uma espécie exclusivamente arbórea ou arborícola, afirma Laurance. No decorrer de mais de 3.000 horas de observações, os cientistas nunca observaram o orangotango Tapanuli (Pongo tapanuliensis) tocar um pé no solo—provavelmente em razão da presença do tigre-de-sumatra, ameaçado de extinção.
Foram necessários anos para acostumar alguns orangotangos Tapanuli à presença dos observadores na floresta, afirma Gabriella Fredriksson, uma bióloga da vida silvestre do Programa de Conservação do Orangotango-de-Sumatra. Normalmente, isso leva algumas semanas. Porém, orangotangos são extremamente ariscos, conta ela, provavelmente porque a população local os caçou. Também levou um bom tempo para encontrar um esqueleto completo para medição. Isso revelou diferenças expressivas em comparação com as duas outras espécies, como um crânio menor.
Levado ao colapso
O grupo estimado de 800 macacos já foi dividido em três populações ao longo de uma área aproximada de 1.080 quilômetros quadrados. Apenas uma dessas populações, com 500 indivíduos, é considerada grande o bastante para permanecer viável.
Um problema para a manutenção da população é que orangotangos procriam de forma extremamente lenta. As fêmeas têm a primeira cria aproximadamente aos 15 anos de idade, gerando um ou, mais raramente, dois indivíduos a cada oito a nove anos. Essa é uma razão, diz Fredriksson, para os pesquisadores estarem tentando há anos reunir as três populações.
E agora uma barragem de usina hidrelétrica está sendo construída no habitat mais crucial dos orangotangos, uma área com as maiores densidades de indivíduos. A área de propriedade do Estado não conta com ações de conservação ou outro tipo de proteção. A barragem trará estradas e outras infraestruturas que fragmentarão permanentemente o habitat de uma população viável de 500 indivíduos, levando a espécie à extinção, prossegue Fredriksson.
A North Sumatera Hydro Energy, empresa da Indonésia responsável pelo projeto, informou à imprensa da Indonésia que a usina hidrelétrica não ficará localizada na floresta primária e que grande parte dos 650 hectares de terra a serem modificados retornará a uma condição próxima à original. “Essas alegações são ridículas e a empresa deveria ser punida por tentar confundir o público no que diz respeito a conclusões científicas concretas”, afirma Laurance. O Banco Asiático de Desenvolvimento e a Corporação Financeira Internacional do Banco Mundial se recusaram a financiar o projeto, basicamente por razões ambientais, conta ele.
A barragem de Batang Toru está programada para entrar em operação em 2022, gerando 510 megawatts de eletricidade. Ela envolve a explosão de um túnel com cerca de 12km de comprimento e mais de 9 metros de largura por uma região acidentada da floresta primária. A barragem é ainda incomum por armazenar água por 18 horas e, a seguir, liberar a água captada por períodos de seis horas nos horários de pico para gerar eletricidade. Esses fluxos repentinos de água surtirão acentuados impactos no rio de Batang Toru e nas comunidades rio abaixo, como enchentes e interrupção da migração do altamente apreciado “peixe-jurung,” afirma Fredriksson.
Os especialistas questionam a necessidade do projeto. Sumatra não só possui produção de energia excedente atualmente, como dispõe de um projeto de energia geotérmica que poderia ser expandido sem afetar orangotangos, conta ela. Além disso, a barragem está sendo construída em uma região propensa a terremotos perigosos, como o terremoto de Aceh de 2016, que matou 100 pessoas.
No último 25 de julho, cientistas apelaram diretamente em uma carta entregue em mãos ao presidente da Indonésia, Joko Widodo para paralisar o projeto da usina hidrelétrica e proteger o habitat do orangotango Tapanuli. A Avaaz, uma organização ativista global, tem mais de 1,2 milhão de assinaturas em uma petição online pedindo ao presidente Widodo que cancele o projeto a fim de proteger os orangotangos.
“O destino dessa espécie inteira está em suas mãos”, diz parte da mensagem. A Avaaz planeja fazer mais para alertar o mundo do que está ocorrendo em Sumatra, declarou um organizador do grupo.
“Creio que o governo está começando a acordar para a questão,” afirmou Fredriksson.