Extinções provocadas pelo homem fazem os outros mamíferos perderem milhões de anos

Os mamíferos dominaram o mundo após o último grande evento extintivo. Agora, um desses mamíferos — o homem — está colocando tudo a perder.

Por Christie Wilcox
Publicado 26 de out. de 2018, 16:30 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Pandas-vermelhos representam 31 milhões de anos de história evolucionária única, que agora está ameaçada.
Pandas-vermelhos representam 31 milhões de anos de história evolucionária única, que agora está ameaçada.
Foto de Gerry Ellis, Minden Pictures, Nat Geo Image Collection

DIZ-SE NORMALMENTE que a extinção é a regra e não a exceção—afinal, 99,9 por cento de todas as espécies que já existiram na Terra já foram extintas. De certa forma, isso é verdade. A vida neste planeta resistiu a cinco eventos de extinção em massa, nos quais inúmeras espécies desapareceram em períodos relativamente curtos. Após cada um desses períodos, a vida, em algum momento, ressurgiu.

O termo em algum momento na frase acima é importante. Muitos cientistas dizem que estamos no meio do sexto processo de extinção em massa, com espécies desaparecendo 100 vezes mais rápido do que no passado. E, de acordo com um novo estudo, milhões de anos serão necessários para que os mamíferos se recuperem das extinções que vêm ocorrendo por nossa causa.

O tamanho das perdas

"Independentemente de como você enxerga a situação, levará muito tempo para que os mamíferos se recuperem", explica Matt Davis, paleontologista do Centro para Biodiversidade em um Mundo de Mudanças da Universidade de Aarhus (BIOCHANGE), na Dinamarca, e autor principal de um artigo publicado esta semana na revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences.

Davis, com a ajuda dos ecologistas Søren Faurby e Jens-Christian Svenning, utilizando recursos da Carlsberg Foundation, trabalha para determinar o quanto de história evolucionária foi perdida apenas na linhagem dos mamíferos desde a ascensão dos humanos modernos após a última era glacial (basicamente, nos últimos 130 mil anos). Além de contar o número de espécies de mamíferos que foram extintas (cerca de 300, caso tenha ficado curioso), eles determinaram a diferença evolucionária de cada espécie - o período de tempo no qual passaram evoluindo de forma independente ou, em outras palavras, sua diversidade filogenética.

Se você pensar na vida como uma árvore, a singularidade evolucionária de cada espécie ou grupo de espécies corresponde ao comprimento de um galho. Quanto mais longo o galho, mais alterações sofreram as espécies desde que se diferenciaram de seus ancestrais em comum. De acordo com os modelos da equipe, nas últimas centenas de milhares de anos, nós perdemos cerca de 2,5 bilhões de anos de história evolucionária.

"Com a extinção de diversas megafaunas, perdemos uma boa parte do espaço funcional e alguns dos galhos mais longos da árvore evolucionária", explica Davis. "Esse tipo de padrão não é comum nas extinções que conhecemos a partir dos registros de fósseis, então, estamos entrando em um território novo".

Os autores calcularam que, considerando o ritmo atual das extinções, iremos perder ainda mais mamíferos nos próximos 50 anos, e serão necessários de 3 a 5 milhões de anos para atingirmos os níveis atuais de biodiversidade. Se quisermos voltar ao nível de diversidade de mamíferos existente antes de nossa espécie, precisaremos de 5 a 7 milhões de anos. Além disso, como corpos grandes se desenvolvem mais lentamente do que corpos pequenos, será necessário ainda mais tempo para recuperar a perda de diversidade entre grandes mamíferos, como os mamutes, que existiram entre 2 e 50 mil anos atrás. E essas são as "versões mais otimistas de cada caso", diz Svenning.

Ponderando sobre o que realmente importa

"Qualquer estudo como este é sempre um estudo 'com informações muito gerais' porque há inúmeros aspectos envolvidos. Contudo, os autores conseguiram abordar todos eles de forma espetacular", diz o ecologista evolucionário Will Pearse da Universidade do Estado de Utah, que não participou da pesquisa. Os achados não são tão surpreendentes assim para ele, porém, o deixaram triste, e Pearse diz ter se "arrepiado" ao ler o trecho sobre o tempo que levaria para as espécies se recuperarem. "Esse estudo demonstra que estamos prestes a perder uma quantidade imensa de diversidade que pode nem mesmo se recuperar durante o tempo de vida de nossa própria espécie", diz ele. "E se isso não é motivo para preocupação, não sei o que mais poderia ser."

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    O indri, espécie perigosamente ameaçada, evoluiu separadamente de outros lêmures por 19 milhões de anos. É possível que sejam extintos nos próximos cinquenta anos e isso representa uma grande perda de história evolucionária.
    Foto de Joël Sartore, Nat Geo Image Collection

    O biólogo evolucionário Arne Mooers, da Universidade Simon Fraser no Canadá, também não ficou surpreso com o artigo, mas o considerou bastante sério, e se pergunta como as descobertas poderão ajudar as políticas de conservação daqui para frente. "Essa é a pergunta de 20 mil dólares porque isso é exatamente o que os biólogos conservacionistas estão tentando conservar", diz Mooers.

    Até o momento, não está claro como a distância entre pesquisa e políticas de conservação pode ser reduzida. "Até agora, a diversidade filogenética tem sido predominantemente uma questão acadêmica e não tem sido muito utilizada pelos conservacionistas na prática", explica Davis, que acredita que isso deva mudar. "A diversidade filogenética não é a única métrica que devemos considerar, porém, deveríamos considerá-la muito mais."

    Ainda, muito dinheiro e tempo são necessários. Então, estudos como esse inevitavelmente levantam perguntas sobre a forma como esses recursos devem ser alocados, diz Christopher Lean, filósofo da ciência na Universidade Nacional da Austrália, que não fez parte da equipe de pesquisa. Ele diz que o artigo é "crucial" para a ciência da conservação, pois destaca a importância de preservar a diversidade evolucionária.

    "Atualmente, estamos perdendo linhagens que possuem histórias evolucionárias únicas a um ritmo devastador", diz ele. "Quando perdemos espécies distintas, perdemos patrimônio evolucionário, bem como possibilidades únicas que fazem parte desse patrimônio".

    Pearse diz que não acredita que essas descobertas irão mudar a forma como a conservação é conduzida tanto quanto destacar a urgência e a dimensão da tarefa. "Para mim, a parte mais triste é toda a história que estamos perdendo", diz ele. "Quando matamos uma espécie, estamos privando nossos filhos de milhões de anos de história, história singular e não violada."

    Somos muito menos despreocupados em relação à proteção de artefatos humanos antigos, destaca ele. "Stonehenge possui cerca de 5 mil anos e, mesmo assim, nunca destruiríamos esse patrimônio. Contudo, 5 mil anos é muito pouco comparado aos galhos mais curtos da árvore da vida dos mamíferos, e são esses galhos que os humanos estão tão dispostos a cortar".

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