Estas formigas usam as cabeças das “inimigas” para decorarem suas casas

Estamos começando a entender como e por que uma espécie persegue adversárias maiores — e isso pode servir como uma forma de escapar de formigas sequestradoras.

Por Jason Bittel
Publicado 2 de dez. de 2018, 10:00 BRST, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Esta formiga nativa da Flórida (Formica archboldi) recolhe as cabeças de suas inimigas—mas os cientistas ainda ...
Esta formiga nativa da Flórida (Formica archboldi) recolhe as cabeças de suas inimigas—mas os cientistas ainda não sabem ao certo por quê.
Foto de Adrian Smith

OS CIENTISTAS ESTÃO COMEÇANDO a resolver um mistério que envolve três tipos de formigas: Uma caçadora de cabeças, uma formidável trapaceira e uma sequestradora.

Os cientistas sabem há 60 anos que uma espécie de formiga pequena da cor de ferrugem conhecida como Formica archboldi gosta de decorar seu ninho com crânios ou carcaças de cabeças de diversos tipos de formigas-de-estalo.

É bizarro, uma vez que as formigas-de-estalo são equipadas com potentes ferrões e mandíbulas gigantes que podem fechar instantaneamente como uma armadilha de urso. Essas peças bucais enormes possuem algumas características peculiares, como permitir que os insetos se catapultem para a liberdade quando se deparam com um ataque.

As diminutas formigas F. archboldi, nativas da Flórida e estados vizinhos, contudo, conseguem derrotá-las e arrancar suas cabeças—mas como elas fazem isso?

Curiosamente, as formigas Formica archboldi parecem ter preferência por dominar diversas espécies de formigas-de-estalo, que são insetos levemente maiores com fortes mandíbulas e uma picada poderosa.
Foto de Adrian Smith

“Algo estranho estava acontecendo, mas ninguém tinha investigado ainda”, até agora, afirma Adrian Smith, biólogo pesquisador da Universidade do Estado da Carolina do Norte.

Em um novo estudo publicado no periódico Insectes Sociaux, Smith demonstra que a F. archboldi domina sua presa com jatos rápidos e altamente eficientes de ácido tóxico.

É curioso, conta Smith, porque, embora a maioria das formigas dessa família possua bicos lançadores de ácido, elas geralmente os utilizam apenas como um último recurso de defesa. A F. archboldi, por outro lado, parte para o ataque.

“Elas parecem de certa forma estar prontas para o combate”, explica Smith.

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    Ninguém tem certeza de por que as caçadoras de cabeças acabaram se tornando predadoras tão eficientes das formigas-de-estalo, mas isso pode estar relacionado com uma camada cerosa de odores que as formigas exalam chamada de hidrocarbonetos cuticulares. Quando Smith colheu amostras desses odores da F. archboldi, ele verificou que eles correspondiam quase perfeitamente com os da espécie de formigas-de-estalo com as quais convivem.

    É como se o leão evoluísse para ter o cheiro de uma zebra ou se uma cascavel exalasse o cheiro de um rato-do-campo.

    O senso comum nos diria que imitar o padrão de cheiro de uma presa fornece às formigas caçadoras de cabeças uma vantagem em batalha. Entretanto Smith não encontrou nenhuma evidência disso.

    Mas ele tem outra hipótese: uma que envolve uma terceira espécie de formiga conhecida por sequestrar e fazer uma lavagem cerebral em colônias inteiras da F. archboldi.

    Não é possível negar a importância dos sinais químicos para as formigas. Embora tenham olhos, elas contam com os cheiros para que consigam seguir seus companheiros de ninho até ricos suprimentos de alimentos, distinguir os amigos dos inimigos e até evitar que sejam confundidos com lixo e sejam expulsos da colônia.

    Caçadoras de cabeças

    Porém algumas formigas também fazem uso de seus odores para um mecanismo de ocultação.

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    “Existe um gênero de formigas chamado Polyergus. O antigo nome popular era formiga escravizadora, mas empregamos a expressão ‘formigas dulóticas’ ou formigas piratas ou sequestradoras”, conta Smith.

    Seja lá como você resolver chamá-las, elas não estão de brincadeira.

    Quando uma formiga-rainha sequestradora identifica uma colônia de formigas caçadoras de cabeças, ela entra escondido, mata a rainha no comando e, em seguida, “banha-se com os fluidos corporais dela”, afirma Smith. A impostora utiliza então esse padrão de cheiro recém-adquirido para evitar ser detectada enquanto bota diversos ovos, criando uma geração de operárias cuja única função é sair e capturar mais formigas Formica.

    Como cada espécie de formiga sequestradora normalmente parasita apenas uma espécie de formiga Formica, Smith conta que há um incentivo evolucionário muito grande para que formigas Formica continuem mudando seus padrões de cheiros em uma tentativa de escapar da estratégia das sequestradoras.

    Aliás, é possível que seja por isso que as formigas caçadoras de cabeças tenham evoluído para exalar odores como as formigas-de-estalo, que não são parasitadas pelas sequestradoras. Não para obter uma vantagem em relação às formigas-de-estalo, entenda, mas para se disfarçarem de outra espécie.

    “No entanto não tenho evidência nenhuma disso”, afirma Smith. “É pura especulação.”

    Uma relação coevolucionária

    Mas ao menos uma coisa está clara: é improvável que os padrões correspondentes de hidrocarbonetos sejam coincidência, já que as formigas caçadoras de cabeças são encontradas somente em áreas onde há também formigas-de-estalo. E mais: descobriu-se que as caçadoras de cabeças só imitam as espécies nativas de formigas-de-estalo, não as que foram introduzidas recentemente.

    Tudo indica uma relação coevolucionária complexa entre as caçadoras de cabeças e as formigas-de-estalo, afirma Smith, mesmo que ainda não compreendamos completamente qual é essa relação.

    Outros especialistas dessa espécie consideraram o novo estudo surpreendente e perturbador.

    “Acho incrível a Formica archboldi ser capaz de dominar e até se especializar nas grandes formigas-de-estalo”, afirma Andy Suarez, entomologista da Universidade de Illinois em Urbana-Champaign. “Subjugar formigas-de-estalo com seu jato de ácido fórmico parece algo tirado de um filme de Peter Jackson.”

    Corrie Moreau, entomologista do Museu Field de História Natural e Explorador da National Geographic, concordou que o novo estudo era interessante (Leia: Conheça a mulher que está tornando as formigas a próxima sensação da biologia).

    “Apesar do criterioso trabalho analítico feito sobre esse peculiar animal, ainda permanece uma pergunta: por que essas formigas colocam em volta de seus ninhos as carcaças de suas presas?” indaga Moreau. “Me pergunto se utilizam os cadáveres de suas presas para se mascararem com o cheiro das espécies de suas presas da região.”

    “Isso só mostra que, quanto mais se sabe sobre a natureza, mais perguntas se tem", conta ela.

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