Ovos de vespa expelem gás mortal contra inimigos

Para sobreviver à umidade subterrânea, os ovos da vespa conhecida como “lobo das abelhas” defendem seu território sem mover um centímetro sequer.

Por Jake Buehler
Publicado 19 de fev. de 2019, 07:40 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Uma vespa “lobo das abelhas” carregando uma abelha paralisada a seu ninho, onde ela porá ovos ...
Uma vespa “lobo das abelhas” carregando uma abelha paralisada a seu ninho, onde ela porá ovos em sua vítima.
Foto de Gudrun Herzner

VESPAS POSSUEM defesas bem óbvias, como ferrões venenosos. Mas seus ovos—macios, oblongos e inertes—são vulneráveis a inimigos, como os fungos.

Não é o caso dos ovos da vespa “lobo das abelhas”. Uma nova pesquisa revelou que esta vespa desenvolveu uma forma incrível de proteger suas crias: os ovos atuam como granadas de gás, espalhando uma fumaça antifúngica em seu berçário.

As vespas europeias “lobos das abelhas” (Philanthus triangulum) são vespas solitárias cujo nome se deve ao hábito de as fêmeas de caçarem abelhas, injetarem veneno paralisante nelas e, depois, arrastarem-nas para seu vespeiro.

Uma abelha paralisada com um ovo da vespa “lobo das abelhas”.
Foto de Erhard Strohm

Esse tipo de vespa põe um ovo na pobre abelha, que alimenta a larva carnívora ao eclodir. Apesar de ser um ótimo local para se esconder, a câmara quente e úmida é o ambiente perfeito para o crescimento de mofo.

Bomba de mau cheiro

Erhard Strohm, biólogo da Universidade de Regensburg, na Alemanha, vem estudando as vespas caçadoras de abelhas há mais de 30 anos, criando os insetos em laboratório para observar seu ciclo de reprodução parasita. Foi no laboratório que Strohm percebeu o primeiro indício de que os próprios ovos estavam fazendo algo estranho, além de malcheiroso.

“Ao abrir a câmara de observação, notei um cheiro esquisito [que] emanava dos ovos,” conta Strohm. Como o odor lembrava o de uma piscina tratada com cloro, Strohm suspeitou que a causa era algum tipo de oxidante forte (como cloro), já que todos eles têm cheiros parecidos.

Strohm e seus colgas foram mais fundo, comparando o crescimento relativo de mofo nas abelhas paralisadas incubadas com e sem um ovo posto sobre elas. As abelhas que abrigavam ovos permaneciam sem mofo por mais tempo que aquelas sem ovos de vespa, demonstrando assim que o próprio ovo estava fazendo algo especial.

Mesmo quando os pesquisadores incubaram abelhas paralisadas em câmaras com um ovo que nem mesmo as estava tocando, não houve o crescimento de mofo, confirmando aquilo que o faro de Strohm já havia descoberto—a arma dos ovos era lançada por via aérea.

Em seguida, a equipe começou a buscar a identidade do gás. Com base no forte cheiro, eles desconfiaram que poderia ser dióxido de nitrogênio (NO₂). Muitos organismos produzem o precursor do composto, óxido nítrico (NO)—que se transforma em dióxido de nitrogênio pungente ao reagir com o oxigênio presente na atmosfera.

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    O mofo pode se desenvolver em abelhas enterradas, como mostrado nessa foto, mas se uma vespa “lobo das abelhas” põe seu ovo em uma delas, pode emitir um gás nocivo que mata os fungos.
    Foto de Gudrun Herzner

    O precursor é usado em tudo, desde respostas imunes até regulagem do coração, mas—assim como o dióxido de nitrogênio—também é um antimicrobiano eficaz na dosagem certa.

    Para verificar se os dois gases estavam envolvidos, os pesquisadores fizeram um teste químico com tinta vermelha fluorescente que aparecia na presença dos gases. Dito e feito, os ovos postos recentemente emitiram um brilho vermelho intenso no laboratório.

    As descobertas, descritas em um novo estudo publicado na BioRxiv, que permite que cientistas compartilhem os resultados antes de serem revisados por pares, surpreenderam a equipe.

    Arma surpresa

    “Todos os colegas para os quais contei sobre o “fumacê” exalado pelas células da ninhada ficaram realmente surpresos”, afirma Strohm, autor principal do artigo.

    Andrew Forbes, biólogo evolucionário da Universidade de Iowa e que não participou desse estudo, diz que está fascinado pelo fato de que as vespas “lobos das abelhas” têm várias inovações para proteger seus ovos, inclusive a aparente fumigação. Além do gás, antes de pôr os ovos, as vespas também embalsamam as abelhas paralisadas com secreções que ajudam a desidratar a malfadada presa e a deixa menos suscetível a fungos.

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    As vespas “lobos das abelhas” não são os únicos insetos a utilizar defesas à base de gás. O grupo de Strohm também descobriu uma espécie diferente de vespa parasita que fumiga seu berçário com um produto químico desinfetante diferente, só que durante a fase de larva (e não de ovo). Andreas Vilcinskas—um entomologista da Universidade de Giessen, Alemanha, que não participou desse estudo—nota que tesourinhas adultas e algumas larvas de besouros também produzem gases antissépticos.

    Porém, a fortificação do estágio de ovos e o uso de óxidos de nitrogênio é uma estratégia incomum e inovadora, um sistema de segurança a vapor, que pode apresentar certas vantagens importantes. Alguns fungos parasitas conseguem digerir as próprias substâncias químicas produzidas para matá-los, mas de acordo com Vilcinskas, a síntese de óxido nítrico é muito difícil de superar.

    Isso pode se aplicar especificamente a esse caso, já que os ovos expelem óxido nítrico em um ritmo acelerado, quatro ordens de magnitude superior aos níveis de base encontrados nos tecidos humanos, por exemplo.

    “Ainda não se sabe como os ovos da vespa europeia sobrevivem em uma atmosfera tão tóxica,” diz Strohm, “mas poderia vir a ser importante, uma vez que sob determinadas circunstâncias [o óxido nítrico] pode ser produzido em excesso e ser prejudicial em seres humanos.”

    A descoberta ilustra a importância do estudo criterioso de espécies que não são geralmente alvo de pesquisa (espécies “não modelo”). Segundo Strohm, concentrar-se somente em um subgrupo familiar da Árvore da Vida pode deixar de lado as mais incríveis inovações que a evolução tem a oferecer—e muitas delas podem ser valiosas para aplicações técnicas ou médicas.

    “Observar apenas algumas espécies certamente não é suficiente para descobrirmos a grande variedade de adaptações que poderiam render processos inovadores e totalmente inesperados,” acrescenta ele.

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