Guaxinins estão se proliferando — e mudanças climáticas podem acelerar propagação
Os vorazes invasores são encontrados em três continentes e o aquecimento pode contribuir para expandir para o norte sua área de ocorrência.
Grande parte do mundo é um ambiente habitável para guaxinins e a possível área de ocorrência desses invasores mascarados está fadada a expandir para novos horizontes com as mudanças climáticas, segundo nova pesquisa.
Estudo publicado no periódico Scientific Reports analisou quais condições climáticas seriam mais propícias a esses mamíferos nativos da América do Norte nas regiões onde são atualmente encontrados. Em seguida, os cientistas expandiram os dados para o mundo todo a fim de identificar em que locais as variáveis ambientais podem favorecer as populações dos animais — e como o aquecimento global mudará esses locais.
Os cientistas encontraram condições climáticas favoráveis para os onívoros adaptáveis e vorazes em grande parte do mundo, em uma região que, ao que tudo indica, expandirá consideravelmente para o norte, afirma Vivien Louppe, autor principal do estudo e pesquisador do Museu Francês Nacional de História Natural de Paris.
Isso somente contribuirá ainda mais para a dispersão desses animais, que já estão se espalhando, como uma espécie introduzida, por grande parte da Europa, além do centro e leste da Ásia. Guaxinins podem prevalecer sobre as espécies nativas e consumir grandes quantidades de presas, ocasionando, nessas regiões, danos ambientais significativos, apesar de pouco estudados.
“A espécie é capaz de sobreviver a uma grande diversidade de condições ambientais e bioclimáticas”, afirma Louppe — como manguezais caribenhos, florestas temperadas europeias e as florestas norte-americanas frias e cobertas de neve de North Woods. Os modelos de condições climáticas levaram em consideração as variáveis relacionadas ao calor e umidade, como a temperatura média anual, a precipitação anual e o gradiente diário de temperatura.
Os guaxinins (Procyon lotor) são mais adaptados a ambientes ribeirinhos. Seu nome científico significa “antecessor ao cão” e “lavador” em latim, em referência a seu hábito de capturar e lavar alimentos nos rios e corpos d’água. Seu nome em alemão, italiano e japonês se traduz, em linhas gerais, como “urso lavador”.
Introduzido pela primeira vez na Alemanha na década de 1930, os guaxinins proliferaram por todos os países ao redor, a oeste, para a Espanha, ao sul, para a Itália, e a leste, para a Polônia. No Japão, estão expandindo para as ilhas do país desde a década de 1960 e são encontrados em ao menos 42 das 47 províncias do país. Há também populações expressivas no Irã e Azerbaijão.
Parte do motivo para esses mamíferos terem se tornado um problema no Japão é um livro e sua série resultante de desenho animado intitulados “Rascal”, que retratam um guaxinim fofo e que foram um grande sucesso no Japão na década de 1970. A ficção estimulou a importação de até 1,5 mil animais por mês na época, embora o país tenha proibido a importação posteriormente. Mas já era tarde: guaxinins são péssimos animais de estimação e muitos dos bichos foram soltos na natureza.
Rumo ao norte
Para desenvolver o modelo, os cientistas analisaram diversas trajetórias futuras de emissões de dióxido de carbono e como cada cenário contribuiria com o aumento das temperaturas em todo o mundo.
Apesar de a equipe ter notado aumentos semelhantes nas condições favoráveis aos guaxinins em diferentes trajetórias, a equipe optou pelo caso mais extremo — sobretudo porque a expansão era mais pronunciada. Chamado de RCP 8.5 (Vias de Concentração Representativa, em tradução livre para a sigla em inglês), o modelo representa o “pior cenário” — embora seja um cenário de que podemos estar nos aproximando—e implica um uso robusto de petróleo no futuro.
“O RCP 8.5 é o caso mais extremo, mas também, infelizmente, o mais realista e mais provável”, lamenta Louppe.
O aspecto mais preocupante sobre a possível proliferação dos guaxinins para o norte é o impacto sobre as matas do norte, conhecidas como florestas boreais, acrescenta Louppe.
“Os ecossistemas dessas áreas são peculiares e frágeis”, afirma ele, e poderiam sofrer com a introdução de um predador novo.
Isso é particularmente pertinente para as florestas do norte da Europa e da Ásia, onde os guaxinins poderiam se expandir muito mais, afirma Suzanne MacDonald, professora da Universidade de York em Toronto, que estuda comportamento animal e não participou do estudo.
Os guaxinins podem “destruir completamente qualquer equilíbrio delicado existente na região”, afirma MacDonald, exploradora da National Geographic Society. “E já estão constatando esse desequilíbrio em locais como o Japão”.
O desequilíbrio ocorre “porque os bichos se alimentam de tudo: de pequenos invertebrados, sapos, ovos de pássaros, pássaros, pequenos mamíferos, enfim, de tudo”, afirma ela.
Pandas do lixo
As criaturas são especialmente adaptadas às cidades, onde sobrevivem facilmente se alimentando de lixo (daí o apelido de pandas do lixo).
“Toda noite em Toronto é possível ver guaxinins nos quintais”, conta MacDonald, para exemplificar. “Não algumas noites, mas todas as noites”. Ela está especialmente preocupada com o potencial de transmissão de doenças desses animais, como a raiva. “Perco o sono pensando nisso”.
Os modelos do estudo não consideram algumas variáveis ecológicas, como a presença de presas e predadores, então não é uma prova definitiva de onde esses animais poderiam sobreviver, adverte Louppe.
Dito isso, como os guaxinins se alimentam praticamente de qualquer coisa, há uma alta probabilidade de que eles poderiam sobreviver em grande parte desses locais de clima favorável.
Por ora, os guaxinins continuam a se proliferar por regiões não nativas, causando menos alarde do que provavelmente deveriam. “Eles são fofos, mas também traiçoeiros”, afirma Macdonald.
“As pessoas não sabem o mal que fizeram ao importá-los. Eles vão dizimar toda forma de vida em outros países que não estiverem preparados para enfrentá-los”, acrescenta ela.