Até os ossos deste raro galo são pretos. Saiba o porquê

Existem quatro raças de galináceos com o interior do corpo todo preto. As espécies possuem a mesma mutação genética.

Por Jason Bittel
Publicado 24 de set. de 2019, 16:36 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Este galo em Lorraine, França, é uma raça rara chamada ayam cemani, que é preta por dentro e por fora.
Foto de Biosphoto, Alamy

O galináceo ayam cemani é provavelmente a criatura mais pigmentada da Terra. Não apenas o bico, as penas, a crista, a língua e os dedos dos pés da ave são de um preto azulado impressionante, mas também os seus ossos. Mesmo a carne do animal parece ter sido marinada em tinta de lula.

Curiosamente, o cemani, encontrado na Indonésia, é apenas o exemplo mais extremo do que os cientistas chamam de hiperpigmentação dérmica. Outra raça, conhecida como sedosa por causa de suas penas macias e semelhantes a cabelos, também possui tecidos e pele hiperpigmentados, assim como as galinhas pretas H'Mong, do Vietnã, e a galinha preta, da Suécia.

Os cientistas chamam a condição de fibromelanose. "Temos evidências de que é um rearranjo complexo do genoma", diz Leif Andersson, geneticista da Universidade de Uppsala, na Suécia, que estuda a genética de animais domésticos.

Além disso, Andersson diz que a mutação encontrada em todas essas galinhas pode ser rastreada até uma única ave que pode ter vivido centenas ou mesmo milhares de anos atrás.

"A mutação subjacente à fibromelanose é muito peculiar, por isso temos certeza de que ocorreu só uma vez", diz Andersson.

Carne escura

Embora a internet mostre vários tipos diferentes de animais exibindo melanismo, de panteras e servais negros, passando pelo flamingo melanístico até lagartixas e cobras com escamas negras, as galinhas que Andersson estuda possuem um outro nível de pigmentação.

É assim que funciona: a maioria dos vertebrados possui um gene conhecido como endotelina 3, ou EDN3, que, entre outras coisas, controla a cor da pele. E, quando uma galinha normal está se desenvolvendo, certas células, como as dos folículos da pele e penas, emitem EDN3, que desencadeia a migração de melanoblastos, ou seja, células que criam cor.

No entanto, nas galinhas hiperpigmentadas, praticamente todas as células do corpo emitem EDN3, gerando até 10 vezes mais melanoblastos e assim surgem ossos e entranhas que parecem ter sido mergulhados em alcatrão. "É uma migração incorreta", diz Andersson. "Se você emite muita endotelina 3 nos lugares errados, as células pigmentares migram para o lugar errado".

Galinhas da raça sedosa, também pretas por dentro e por fora. Elas foram fotografadas no zoológico de Fort Worth, no Texas, EUA.
Foto de Joël Sartore, National Geographic Photo Ark

Felizmente, a mutação não parece ter efeitos negativos para os pássaros, em termos de saúde. Na verdade, é exatamente o oposto: a cor escura dessas raças tornou-as mais valiosas aos olhos de criadores e gourmets, que dizem que a carne e os ossos com estas cores possuem um sabor único e rico.

De esquisita à estrela do show

Embora os cientistas agora entendam o que torna essas galinhas especiais, a história dessas raças ainda é um mistério.

Muitos consideram alguns escritos de Marco Polo como a primeira referência a galinhas de ossos pretos. Em 1298, enquanto viajava pela Ásia, o explorador escreveu sobre uma raça de galinhas que "têm cabelos como gatos, são pretas e geram o melhor dos ovos". Não se sabe ao certo, mas a descrição se parece bastante como uma sedosa.

A partir daí, Andersson diz que a mutação provavelmente se espalhou pelo mundo pelas mãos de proprietários de gado que gostaram da novidade na coloração das aves. Há até uma anedota sobre um marinheiro trazendo uma galinha preta na volta de uma viagem ao Leste Asiático, o que poderia explicar como a galinha preta da Suécia acabou na Europa.

"Acho que é bem claro que humanos gostam de diversidade nos animais domésticos", diz Andersson, que também pesquisou a origem genética das penas da sedosa e atualmente estuda como as galinhas desenvolvem suas cristas.

Mesmo que as raças existam há vários séculos, estes animais ainda são relativamente raros.

Por exemplo, das quatro raças, apenas a sedosa recebeu seu próprio "standard of perfection" pela American Poultry Association, o que significa que podem competir em shows.

Segundo John Monaco, presidente da APA, o processo de obtenção de um padrão pode levar anos.

"As Cemanis não existem há tanto tempo e as pessoas estão apenas começando a trabalhar com elas", diz Mônaco. “Mas sedosas estão em todo lugar. Existem muitas variedades, e elas têm realmente ganhado muitos shows.”

É claro que todas as raças de galinhas pretas são vencedoras para Andersson, simplesmente porque sua coloração é muito improvável, geneticamente falando.

"É mais comum ver pigmentação defeituosa - manchas brancas ou falta de pigmentação - porque é mais fácil interromper genes do que ativar genes da maneira que aconteceu aqui", diz ele.

Foi o acaso que tornou as galinhas negras possível. Mas foram os humanos que escolheram a criá-las e espalhá-las por todo o planeta. "Isso é realmente fascinante", diz Andersson.

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