Esses pássaros repassam sinais de alerta — mas tomam cuidado para não espalhar boatos

A trepadeira-azul-do-canadá não confia em tudo que ouve e novo estudo sugere que a evolução favorece o comportamento prudente.

Por Brian Gutierrez
Publicado 31 de jan. de 2020, 07:00 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Trepadeiras-azuis-do-canadá podem ser vistas nos troncos de árvores em busca de insetos.
Trepadeiras-azuis-do-canadá podem ser vistas nos troncos de árvores em busca de insetos.
Foto de Vickie Anderson, Nat Geo Image Collection

Se você já foi à América do Norte, pode ser que tenha apreciado o canto alegre do chapim-de-cabeça-negra ou da trepadeira-azul-do-canadá pelas ruas. Mas talvez não saiba que os cantos desses pássaros também têm uma letra, assim como as canções.

“Podem ser chamadas de palavras”, diz Erick Greene, ecologista da Universidade de Montana, “mas talvez os linguistas não gostem muito dessa denominação.

De fato, o chapim tem um vocabulário de cerca de 50 sons diferentes que comunicam algumas frases essenciais, como “perigo!” “quero comer!” ou “estou solteiro!”

Greene e seus colegas já haviam descoberto que as trepadeiras-azuis escutavam esses sinais de alerta dos chapins e os compartilhavam com seus vizinhos — como um Twitter da vida real, brinca Greene.

Mas a nova pesquisa da equipe mostra que, assim como um bom repórter, a trepadeira-azul checa os fatos — as aves repetem o sinal de alerta geral do chapim, porém não vocalizam uma informação mais específica sobre o predador até que consigam verificá-la, de acordo com o estudo publicado em 27 de janeiro na revista científica Nature Communications.

Essa pesquisa é importante porque se baseia no crescente conhecimento dos ecologistas a respeito das redes de comunicação entre animais no mesmo ambiente. Além disso, escutar sinais de alerta específicos das aves pode indicar aos cientistas uma estimativa bruta de quantos predadores vivem em uma determinada área — uma maneira eficaz e não invasiva de medir a saúde do ecossistema.

Twitter da vida real

Embora cada espécie de ave tenha seu próprio “idioma”, alguns sinais ultrapassam barreiras culturais e geográficas. Por exemplo, um si é a vocalização universal de alerta de perigo feita por aves e pequenos mamíferos.

Acontece que os chapins gorjeiam bastante em relação aos predadores. Na verdade, o nome do chapim em inglês (chickadee) se deve ao som de alerta que emitem quando avistam algo suspeito rondando a vizinhança: Chickadee-dee-dee-dee-dee. Quanto mais “dees” (pronuncia-se “dis”), mais perigoso é o predador.

Esse som de di é um pouco diferente do si. Em vez de “Fuja para não morrer!” se parece mais com “Cante para não morrer!”, já que a vocalização incita outras aves a saltarem e importunarem um possível predador, como uma coruja ou um falcão, um comportamento antipredatório agressivo.

Bico quebrado não impede pássaro de beliscar delicioso bolo de aniversário
A parte superior do bico deste chapim-real caiu. Enquanto ela não cresce de volta, ele aproveita para comer comidas macias e deliciosas, como este bolo.

Os sons são “muito desagradáveis”, conta Greene, é como “arranhar uma lousa antiga com as unhas”.

Para esse experimento, Greene e seus colegas colocaram alto-falantes em 60 locais perto de Missoula, em Montana e em três locais perto de Mazama, em Washington, todos próximos a populações conhecidas de trepadeiras-azuis selvagens. Em seguida, a equipe reproduziu sons gravados da superperigosa coruja-anã-do-norte, do menos perigoso corujão-orelhudo e de uma terceira ave de controle que não representa nenhuma ameaça à trepadeira-azul

Na segunda fase do experimento, os cientistas reproduziram vocalizações de alerta de chapins que haviam se deparado com os mesmos predadores. Então, gravavam os sons que as trepadeiras-azuis faziam para ver se os pássaros respondiam ao saber por outros da presença de um predador da mesma forma que fariam se ouvissem o predador diretamente.

Por que checar?

Greene e seus colegas constataram que, quando as trepadeiras-azuis ouviam os sinais do predador diretamente, emitiam seus próprios sons antipredatórios agressivos — uma série de gorjeios rápidos e monossilábicos — para os pássaros de sua mesma espécie que comunicavam o tamanho da ameaça. Ameaças piores, como a coruja-anã-do-norte, produziam sons mais curtos e mais agudos.

Quando as trepadeiras-azuis ouviam os sinais de alerta dos chapins, as aves repetiam o sinal com um som vago, de alerta geral — independentemente do nível de ameaça.

Não está claro por que as trepadeiras-azuis não repetem o mesmo nível de alerta que ouvem dos chapins, mas os pesquisadores especulam que talvez as informações provenientes dos chapins não sejam confiáveis, portanto, repetir o sinal — mas sem tanta certeza — é uma boa estratégia de sobrevivência.

É como se as trepadeiras-azuis estivessem dizendo: “Estamos em alerta máximo e soubemos pelos chapins que há algo por aí, mas ainda não verificamos”, diz Greene.

Gary Ritchison, ornitólogo da Universidade do Leste de Kentucky, concorda que é desconhecido o motivo pelo qual as trepadeiras-azuis não confiam tanto nos chapins a ponto de repetir seu nível de alerta.

“Uma possível explicação”, diz Ritchison, que não participou do estudo, “é que as trepadeiras-azuis sabem onde o chapim está, mas isso não passa muita informação em termos de onde o possível predador possa estar localizado”.

De acordo com o estudo, há muitos motivos pelos quais uma fonte secundária de informações é menos confiável do que saber em primeira mão, então é possível que a seleção natural tenha favorecido as trepadeiras-azuis, que são cautelosas ao repetir boatos — mesmo que sejam consideravelmente alarmantes.

Seria ótimo se os seres humanos conseguissem ter esse mesmo discernimento.

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