O que está matando os elefantes de Botsuana? Conheça as principais teorias

Mais de 280 elefantes morreram e as autoridades ainda estão tentando desvendar a causa.

Por Dina Fine Maron
Publicado 17 de jul. de 2020, 13:02 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 01:56 BRT
Centenas de elefantes morreram de causas desconhecidas nos últimos meses em Botsuana.

Centenas de elefantes morreram de causas desconhecidas nos últimos meses em Botsuana.

Foto de Sérgio Pitamitz, Nat Geo Image Collection

ELES ANDAM EM círculos e parecem estar com tontura antes de caírem mortos subitamente, às vezes caem de cara no chão. O motivo ninguém sabe. Nos últimos meses, centenas de elefantes morreram em Botsuana e alguns apresentaram esses sintomas.

O comportamento bizarro e o grande número de mortes sugerem aos especialistas que é improvável que a causa seja as doenças conhecidas por afligir os elefantes selvagens, como a tuberculose. As presas não foram removidas dos elefantes, o que exclui a hipótese de caça furtiva de marfim. No entanto, a taxa de mortalidade continua aumentando. Oficiais do governo alegam que 281 elefantes morreram desde março de 2020; ONGs de conservação da região dizem que o número de mortes é maior.

“Do ponto de vista populacional, não se trata de algo grave, embora muitos elefantes tenham morrido”, diz Markus Hofmeyr, veterinário de animais silvestres e ex-chefe de serviços veterinários do Parque Nacional Kruger. “No entanto, é importante fazer um diagnóstico para descartar a possibilidade de algum tipo de crime — que pode se tornar um problema para a população de elefantes se não for solucionado.”

Com cerca de 130 mil elefantes-da-savana, Botsuana é uma das últimas fortalezas da espécie na África, onde a caça furtiva de marfim tem sido responsável por reduzir o número da população para cerca de 350 mil indivíduos. Os animais que morreram em Botsuana viviam em uma área de cerca de 2,5 mil quilômetros quadrados em uma região remota a nordeste do Delta do Okavango, onde vivem cerca de 18 mil elefantes, 16 mil pessoas e 18 mil cabeças de gado.

Segundo veterinários e especialistas em animais selvagens entrevistados pela National Geographic, e de acordo com uma análise das mortes anteriores de elefantes, as causas possíveis incluem: ingestão de bactérias tóxicas presentes na água, envenenamento por antraz, envenenamento causado por humanos, infecção viral transmitida por roedores ou um micróbio patogênico. Além disso, pode haver uma combinação dessas causas — principalmente em decorrência de fatores ambientais, como as fortes chuvas deste ano, depois de um longo período de seca.

O governo de Botsuana, que está investigando as mortes misteriosas, anunciou em uma coletiva de imprensa em 10 de julho que possui resultados preliminares dos testes de laboratório realizados no Zimbábue, mas que somente divulgará as informações quando obtiver respostas conclusivas.

“Esperamos receber resultados adicionais de outro laboratório na África do Sul ainda esta semana”, disse Cyril Taolo à National Geographic, que atua como diretor interino do Departamento de Vida Selvagem e Parques Nacionais de Botsuana. “Os resultados do Canadá e dos Estados Unidos serão apresentados posteriormente”.

Especialistas explicam que para obter uma explicação é preciso obter amostras das carcaças, bem como do solo e da água nas proximidades quase imediatamente após a morte dos elefantes. Isso representa um enorme desafio nessa região remota, pois pode demorar muitos dias para que o corpo de um elefante seja encontrado e analisado. Até ser encontrado, o sol quente já contribuiu para a degradação do corpo, provavelmente apagando as principais evidências, e animais carniceiros podem se alimentar dos órgãos antes que sejam recuperados para análise.

Eis uma análise mais detalhada das possíveis causas e seus significados:

Uma possível explicação para a morte de elefantes é o envenenamento por antraz. A doença infecciosa, causada por uma bactéria encontrada no solo, já matou elefantes em Botsuana no passado.

Foto de Sylvain Cordier, Nature Picture Library

Fome ou desidratação

É bastante improvável que os animais tenham sucumbido devido à fome ou desidratação porque as mortes começaram quando as lagoas ainda estavam abastecidas com água da chuva, e a região onde vivem é abundante em bosques para navegação, explica Erik Verreynne, veterinário e consultor de animais selvagens em Botsuana que dirige um programa de rebanho bovino onde ocorreram as mortes de elefantes. “A vegetação está exuberante e verde após um ano de alta precipitação em comparação com a seca dos anos anteriores”, diz ele.

Toxinas presentes na água

As cianobactérias — algas verde-azuladas — podem ser fatais, e muitos dos elefantes foram encontrados perto de lagoas ou lagos. Mas os elefantes geralmente se dirigem até o centro dos corpos de água para beber — e não bebem nas bordas onde o acúmulo de cianobactérias é maior. Além disso, com o tempo, as chuvas normalmente eliminam as bactérias, e os elefantes estão morrendo nessa região há vários meses. As cianobactérias provavelmente causaram a morte em massa de elefantes na pré-história. É possível que os elefantes em Botsuana tenham adoecido por outro motivo e, talvez por estarem febris, iam em busca de água e morriam logo após terem se hidratado ou tentado se hidratar. A única maneira de confirmar ou descartar a hipótese das mortes causadas por cianobactérias é por meio de análise das águas, que segundo Taolo está em andamento.

Antraz

A morte repentina de elefantes precedida por sintomas neurológicos — como andar em círculos, conforme relatado por testemunhas — sugere que o envenenamento por antraz seja uma hipótese provável. A bactéria que causa essa doença infecciosa ocorre naturalmente no solo e pode afetar animais domésticos e silvestres em todo o mundo. Os elefantes podem se infectar ao respirar ou ingerir solo, plantas ou água contaminados.

Mas o Departamento de Vida Selvagem e Parques Nacionais de Botsuana diz ter eliminado a possibilidade do antraz, apesar de não ter informado os motivos da exclusão dessa hipótese. O veterinário sul-africano de animais silvestres Michael Kock, que trabalhou nos casos de envenenamento de elefantes por antraz nessa região para o governo de Botsuana na década de 1990, diz que os cientistas precisam coletar amostras de sangue dos animais idealmente poucas horas depois da morte. Observadas em microscópio, as bactérias que causam o antraz possuem um formato característico, explica Kock, mas quando um corpo começa a se decompor, outras bactérias o invadem, o que torna a identificação extremamente desafiadora.

Se o antraz estiver matando os elefantes, seria um problema difícil de eliminar, acrescenta ele. Para evitar que os esporos das bactérias se propaguem, é necessário queimar as carcaças o mais rápido possível — sendo necessárias toneladas de madeira. Como a região remota onde as mortes ocorreram possui poucas estradas, o acesso a todas as carcaças seria mais um desafio. (O Departamento de Vida Selvagem e Parques Nacionais já queimou algumas carcaças perto de comunidades, diz Taolo.) Embora animais como o gado sejam vacinados rotineiramente contra o antraz, vacinar 18 mil elefantes não é uma medida realista, diz Kock.

Envenenamento

Seria possível que os moradores locais tenham envenenado os elefantes em retaliação por comerem suas plantações, talvez colocando veneno na água ou em legumes como repolhos? Se veneno — sendo cianeto o mais comum — tivesse sido utilizado, as mortes provavelmente estariam concentradas em uma área específica, como visto aqui. Contudo o cianeto permanece nas carcaças por um longo período após a morte, e não há evidências de que os animais que se alimentaram dos corpos dos elefantes mortos — hienas, chacais, abutres — também estejam morrendo.

Outros venenos, como o fluoroacetato de sódio, às vezes utilizado como pesticida e que se decompõe mais rapidamente, também são suspeitos. Kock explica que para ter certeza os cientistas precisariam examinar o fígado, que atua como filtro natural de toxinas no organismo, e o estômago das vítimas, onde os alimentos potencialmente contaminados podem ser testados.

Se os envenenamentos forem o motivo, as autoridades precisarão atuar juntamente às comunidades que sofreram perdas com os danos causados pelos elefantes em suas terras e plantações. A melhor forma de gerenciar encontros entre humanos e elefantes é politicamente controversa. No ano passado, o presidente Mokgweetsi Masisi suspendeu a proibição de caça aos elefantes por cinco anos, citando a necessidade de reduzir encontros perigosos.

Vírus da encefalomiocardite

A morte súbita precedida por sintomas neurológicos seria compatível com esse vírus que é transmitido por roedores e causa insuficiência cardíaca. O vírus é excretado nas fezes dos roedores e os elefantes correm o risco de comer grama contaminada. “A maioria dos herbívoros come as folhas da parte superior da grama, mas os elefantes removem e consomem o tufo inteiro — raízes, fezes de roedores e todo o resto”, explica o veterinário sul-africano Roy Bengis. Mais de 60 elefantes no Parque Nacional Kruger morreram dessa forma no início da década de 1990. O fato ocorreu após o primeiro ano chuvoso depois de uma grave seca — condições semelhantes às recentemente encontradas em Botsuana — época em que a população de roedores no famoso parque da África do Sul cresceu exponencialmente, conta Bengis, que era diretor de serviços veterinários do estado em Kruger na época.

No entanto, não há relatos de um número extraordinariamente grande de roedores nas regiões onde os elefantes de Botsuana morreram. Segundo Kock, espuma nas vias aéreas dos elefantes e sinais específicos de lesões cardíacas apontariam para essa causa. Também é possível detectar o vírus por meio de uma necropsia. A encefalomiocardite não tem sido prioridade para o desenvolvimento de tratamentos ou vacinas; portanto, se a doença causou as mortes, há poucos recursos para combatê-la.

Micróbios assassinos

Bactérias e vírus que não eram fatais para espécies específicas podem evoluir e se tornar letais — como foi o caso do novo coronavírus SARS-CoV-2, que provavelmente se originou nos morcegos e até o momento já matou mais de 500 mil pessoas em todo o mundo. Muitos coronavírus ocorrem em animais, mas não há evidências de que a covid-19 seja o motivo das mortes dos elefantes ou que de fato possa contaminá-los, diz Kock.

Mudanças repentinas ou extremas no clima, na paisagem ou nos hospedeiros de micróbios podem desencadear mudanças em bactérias ou vírus, tornando-os letais. Em 2015, cerca de 200 mil saigas morreram por intoxicação no Cazaquistão depois que o calor e a umidade extremos fizeram a Pasteurella bacterium uma bactéria comum que em condições normais é inofensiva aos animais se multiplicar e se tornar fatal. Algo semelhante pode estar acontecendo com os elefantes, segundo veterinários. Mas ultimamente, as temperaturas na região não têm sido excepcionalmente altas e as mortes ainda são relativamente limitadas, tornando essa teoria menos provável.

“Temos que manter a mente aberta”, diz o veterinário Verreynne. Ele observa que outra possibilidade inclui vírus transmitidos por artrópodes, como carrapatos ou mosquitos, que nunca foram diagnosticados em elefantes selvagens antes. Talvez as recentes chuvas abundantes na região, depois de anos de seca, tenham sido vetores para um surto, diz ele.

Diversos fatores, incluindo as mudanças climáticas, podem ter contribuído para essas mortes. “A doença é muitas vezes indicativa de um problema existente”, diz Verreynne, acrescentando que desvendar a causa de morte dos elefantes de Botsuana “pode ajudar a avaliar a saúde do ecossistema”.

 

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